Se para não chatear o “querido líder” de Angola, Pedro Miguel Passos Relvas Coelho não tem tempo (nem tomates, nem coluna vertebral) para falar dos angolanos, porque carga de chuva deveria a assalariada Fátima Campos Ferreira, ainda mais com o patrão ali ao lado, ter esses atributos?
Orlando Castro*
"Não. Por favor, não se reúna com os dirigentes da 'Frente Patriótica'. Nunca falei com terroristas antes deles se tornarem primeiros-ministros", escreveu - e sublinhou várias vezes – Margaret Thatcher numa carta do Foreign Office de 25 de Maio de 1979 em que o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Lord Peter Carrington, sugeria um encontro com Robert Mugabe.
A política, essa coisa com vários pesos e outras tantas medidas, que serve quase sempre para milhões terem pouco e poucos terem milhões, é mesmo assim. Enquanto se é bestial (José Sócrates dizia, entre outros, que Muammar Kadafi era um “líder carismático”) a bajulação não tem limites. Quando se passa a besta, todos se unem para dizer o pior e facturar sobre os escombros, sejam materiais ou humanos.
Desde 1975 que o regime português bajula caninamente o regime angolano do MPLA, e há 32 anos que lambe (pelo menos) as botas a José Eduardo dos Santos, presidente não eleito mas – certamente – um paradigma da democracia e dos direitos humanos.
Em entrevista ao órgão oficial do regime, o Jornal de Angola, e a propósito da sua visita ao país, o primeiro-ministro de Portugal disse:
“As minhas expectativas são muito elevadas. Em primeiro lugar, porque não conheço pessoalmente o Presidente José Eduardo dos Santos e é para mim uma honra conhecê-lo.
Mas quero dizer que ele já tinha tido a amabilidade de me convidar para visitar Angola na altura em que fui eleito presidente do PSD, então principal partido da oposição.
Por razões que se prenderam com o nosso calendário interno não foi possível efectuar a visita. O Presidente José Eduardo dos Santos teve amabilidade de me convidar novamente, agora como chefe do governo, e é muito importante que nos possamos conhecer pessoalmente”.
Depois desta afirmação na versão primária de apenas Pedro Passos Coelho, certamente tanto portugueses como angolanos ficaram com uma (pelo menos) lágrima no canto do olho. Eduardo dos Santos está na fase do bestial (para isso basta estar no poder) e por isso o primeiro-ministro de Portugal disse que “é uma honra conhecê-lo”.
De mão estendida para pedir ajuda (a saudação será, com certeza, feita com um grande abraço), Passos Coelho enaltece todas as históricas qualidades do presidente de Angola, seja como estadista ou político de gabarito internacional ou até como (se quiser pagar direitos de autor a José Sócrates) como “líder carismático”.
Daqui a uns tempos, e já faltou mais, veremos Passos Coelho dizer de Eduardo dos Santos o que cada vez mais portugueses dizem de si. Ou seja, que é no mínimo um mentiroso. É claro que o facto de, ao contrário do presidente angolano, ter sido eleito não dá ao líder do PSD legitimidade para continuar a gozar com a chipala tanto de portugueses como de angolanos. Mas é isso que ele e o seu governo fazem. E fazem muito bem.
Passos Coelho abordou também, “numa conversa franca e aberta”, as recordações da sua infância “muito feliz” no Cuito, Huambo, Benguela e Luanda na altura – recorde-se – em que Portugal ia do Minho a Timor.
Para não chatear o “querido líder” de Angola, Pedro Miguel Passos Relvas Coelho não tem tempo (nem tomates, nem coluna vertebral) para falar dos 68% de angolanos afectados pela pobreza, ou referir que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças.
Ninguém o ouvirá recordar que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico, ou que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade.
Ninguém o ouvirá recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos, ou que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino.
Ninguém o ouvirá dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos, ou que a dependência socioeconómica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos, ou que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda.
Mas, tal como aconteceu com Muammar Kadafi, quando José Eduardo dos Santos cair do pedestal, então Passos Coelho e similares virá a público dizer cobras e lagartos do homem, como é próprio dos raquíticos seres que comandam Portugal.
Por tudo isto, e por muito que custe a alguns, não atirem a assalariada (e certamente futura assessora de Miguel Relves) Fátima Campos Ferreira às feras.
Ele limitou-se a cumprir ordens. E ou as cumpria ou ia para a rua. Aliás, os portugueses – sobretudo os responsáveis políticos, económicos e jornalistas - só estão mal informados sobre a realidade angolana porque querem, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos humanitários.
De facto, os políticos, os empresários e os (supostos) jornalistas portugueses (há, é claro, para aí duas ou três excepções) fazem um esforço tremendo (bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no poder desde 1975.
Angola é um dos países mais corruptos do mundo?
É sim senhor. É um dos países com piores práticas democráticas? É sim senhor? É um país com enormes assimetrias sociais? É sim senhor.
Mas as instruções que o MPLA deu a Miguel Relvas, e que este certamente transmitiu à Fátima Campos Ferreira, proibiam a abordagem destes temas.
Pedro Miguel Passos Relvas Coelho afirma que vê com "muito bons olhos a participação do capital angolano na economia portuguesa e noutras privatizações que o Estado venha a realizar”.
Se essa participação se faz com dinheiro de origem duvidosa, ou à custa de metodologias pouco transparentes, não interessa. O importante é que se faça. O resto ver-se-á na altura em que, provavelmente outros, terão de fechar a porta.
Questionado pelo jornal Público sobre se iria abordar o tema da transparência em Angola à luz das mudanças internacionais, o primeiro-ministro respondeu através do seu gabinete: "A visita servirá para fazer o ponto de situação sobre os principais aspectos das relações políticas e económicas entre os dois países."
Portugal, tal como a restante comunidade internacional, sabe que é mais fácil, muito mais fácil, negociar com ditaduras do que com democracias.
É mais fácil negociar com quem está, é o caso de Angola, há 32 anos no pode do que com alguém que possa ter de abandonar o cargo pela escolha do povo.
Pedro Miguel Passos Relvas Coelho está, nesta fase, mais interessado em facturar sobre o facto de o “querido líder” de Angola ser bestial, esperando que quando ele passar – como todos os ditadores – a besta, não tenha de prestar contas.
Se o petróleo é o produto que Portugal mais importa de Angola, país que é o principal destino das exportações portuguesas, extra UE, se BES, Millennium bcp, Caixa Geral de Depósitos estão em força no reino de Eduardo dos Santos, se já há em força capital angolano no BCP, BPI, Banco BIC Português, se o BPN vai passar para mãos dos donos de Angola, porque carga de chuva iria o “africanista de Massamá” hostilizar o grande soba, ou Fátima Campos Ferreira fazer perguntas incómodas?
Mas há mais razões para a bajulação portuguesa: A empresa portuguesa mais valiosa que lidera os investimentos portugueses em Angola, a Galp, é detida em 15% pela Sonangol por via da Amorim Energia (da qual a Sonangol detém 45%). O presidente da Sonangol, Manuel Vicente, é vogal da administração da Galp e poderá ser o futuro presidente do reino.
“A solidez dos laços que nos unem e a convergência de posições em relação a muitos dos desafios centrais do nosso tempo, permitem-nos encarar o futuro com redobrada confiança e ambição”, escreveu em 2009, Aníbal Cavaco Silva, numa mensagem enviada ao democrata dono de Angola e que certamente é repetida pelo menos uma vez por ano.
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