A terceira alternativa parte do princípio de que o Ser Humano é uma entidade em permanente evolução positiva; uma evolução social que constituiu um salto qualitativo inegável em relação à evolução biológica teorizada pela primeira vez, de forma clara por Darwin. Ela não se baseia tanto na ideia algo ingénua do “Homem = a bom selvagem” de Rousseau, mas nas virtuosidades da razão humana, capaz de recolher as lições do passado para se superar através da busca de sinergias conseguidas através do balanceamento de interesses e da cooperação entre seres humanos.
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A terceira alternativa é a que, militantes efervescentes dos três movimentos de libertação, atrás dos nossos líderes assediados pelo nervosismo dos seus apoiantes inseridos no paradigma da Guerra-Fria, rejeitamos em 1974 e 1975, quando nos tentamos eliminar uns aos outros, até 1991, com os acordos de Bicesse, cujo cumprimento foi tantas vezes frustrado. Terceira alternativa é a que parecia eminente, após os acordos de paz de 2002, mas quando os sinais luminosos apontavam para esse lado, veio a Constituição de 2010, especialmente a forma como foi aprovada, a apontar em sentido contrário.
E assim poderemos estar nos alvores de uma segunda alternativa, com todas as suas inconveniências, para um povo que já tanto sofreu de revoluções e contra-revoluções, onde as sevícias insistentes sobre pacíficos jovens manifestantes não são um bom agouro.
Felizmente, “do discurso sobre a fome” de Abril de 2011 até ao presente momento, a linguagem de quem aparentava insistir triunfantemente na primeira alternativa, parece ter mudado, embora com pouca clareza. Porém, até onde chegaram as coisas, exige-se clareza e o fim das ambiguidades que nos guindem definitivamente para a construção da terceira alternativa.
Como deixamos expresso, a construção da terceira alternativa poderá ter vários protagonistas alternativos ou cumulativos; desde o próprio actual Presidente em funções, que com 32 anos de poder real, já não tem nada a perder com isso e tem muito a ganhar, até a sociedade civil independente, passando pelos partidos políticos, autoridades morais da sociedade, com o apoio de uma comunidade internacional que não tem que esperar pelo extremar das coisas, para poder agir, dentro das variadas formas possíveis mas de forma clara.
Doutro modo, não haverá alternativa à segunda alternativa e mais uma vez ninguém poderá ganhar. E (quantas vezes já perdemos!?) todos perderemos, mais uma vez.
Agenda nacional: um método de terceira alternativa
Há vários métodos de adopção de agendas políticas nacionais que não curaremos de desenvolver aqui, pela natureza desse texto que não é académico.
Abreviando, diremos que, de uma forma geral, as agendas nacionais nascem de discussões fundadoras de Estados-Nações que acabam formalizadas em textos constitucionais. Estes podem sofrer ajustes a partir de uma prática que normalmente não se desvia do essencial dos consensos iniciais.
Lá onde isso foi minimamente bem feito no plano formal e material, isto é, de modo a contemplar, de forma inclusiva, todas as principais vontades da comunidade fundadora, nasceram Estados progressivos, que mesmo atravessando dificuldades naturais, acabam por se irem superando com as sinergias nacionais.
Assim nasceram e progridem superando-se constantemente, os Estados Unidos da América, a França republicana e o Portugal de Abril, para citar exemplos mais visíveis no plano internacional; ou a África do Sul do CODESA e a Namíbia da Constituinte de 1990 (cujos Estados resistem ainda às forças de primeira e segundas alternativas) e o Zimbabwe de Lencaster House (cujos princípios violados resultaram no que sabemos que se passa lá hoje em dia, pelo restabelecimento e imposição de uma solução de primeira alternativa).
Noutras partes de África, nasceram regimes de autêntica terceira alternativa, a partir de chamadas conferências nacionais ditas soberanas no início dos anos 90 do século passado, ou partir de outras formas de amplos consensos nacionais. Estados-Nações progressivos como Cabo Verde, Benim e Gana são alguns exemplos dessa época, que se juntaram à normalidade de situações similares anteriores de construção de Estados, com resultados evidentes como o Senegal e o Botswana, que desde a sua independência (nos anos sessenta) mantiveram os seus iniciais regimes multipartidários.
Como dissemos e tentamos demonstrar em poucas palavras, acima, Angola desde os seus mais remotos alvores, nunca pôde elaborar e fazer imperar por longo tempo uma verdadeira agenda nacional.
Se Alvor não pôde elaborar uma verdadeira agenda nacional, especialmente, entre vários aspectos por razões acima avançadas, porque excluiu a “componente branca”duma arquitectura política em que era inteiramente indispensável, não foi Bicesse a fazê-lo. Isso porque as reservas mentais formadas no tempo da Guerra-Fria não estavam desmontadas, infelizmente.
Infelizmente também, nem o advento da paz de 2002 fez desvanecer a insistência em métodos de primeira alternativa, sempre incapazes de viabilizar a elaboração de qualquer agenda verdadeiramente nacional.
A tão propalada agenda nacional elaborada pelo MPLA antes das legislativas de 2008, não foi mais do que um mecanismo de mobilização eleitoral que ajudou a delinear o que hoje não é mais do que a agenda pessoal do político José Eduardo dos Santos, como já o dissemos. Desde logo, um partido político, pela sua natureza, não tem virtuosidade para poder elaborar uma agenda nacional, cujas bases devem partir sempre de perspectivas supra partidárias.
É o que aconteceria se José Eduardo dos Santos, em vez de fazer o que fez, depois das legislativas de 2008, encaminhasse o seu partido – vencedor daquelas eleições − e o país para a consolidação dos fundamentos acolhidos na Lei Constitucional de 1992, que representava a formalização de uma verdadeira agenda nacional a ser aperfeiçoada com a prática e com o tempo.
No ponto em que se encontram as coisas, Angola, um país com enormes potencialidades humanas e materiais, deverá encontrar nos próximos tempos um método para repor a existência de uma verdadeira agenda nacional. Já deixamos ideias de como os vários agentes poderão assumir iniciativas neste sentido. Aqui vamos deixar propostas de alguns traços indispensáveis para uma agenda nacional de terceira alternativa:
Direitos humanos
Esta é uma questão primeira, para qualquer agenda nacional. É aliás, hoje por hoje, uma questão da agenda internacional, especialmente desde que avaliadas as atrocidades cometidas na I e II Guerras Mundiais, se concluiu que não é possível estabelecer uma paz duradoira sem que se respeite a vida e a dignidade humanas. Não há que espantar-se quando em face do pisoteio desses direitos, em algum recanto da Terra, se potenciem intervenções contra a chamada soberania de Estados, em bases oportunistas ou não.
Mais do que nos últimos anos do colonialismo português e em certos aspectos pelo seu exotismo mais do que no período de guerra, na Angola do depois de 4 de Abril de 2002 temos assistido a situações muito graves, em matéria do desprezo dos direitos humanos.
A dignidade humana está acima de todos os valores. Não haverá paz definitiva e sossego para ninguém enquanto não se interiorizar este entendimento, tanto para as vítimas quanto para os próprios agressores. Estamos a falar da prática e não apenas de declarações em que até já ouvimos o Presidente da República a referir que “direitos humanos não enchem a barriga”. Ledo engano: antes de pão o ser humano é sobretudo espírito e dignidade.
Sagrado não é o dinheiro nem mesmo o poder. Sagradas são as pessoas. Sagrada é a vida. “Omanu vakola. Omuenyo ukola”. Assim o dizemos em umbundo.
Os governantes não se servem, servem
Esta parece-nos ser outra ideia mestra para a elaboração e prática de uma agenda nacional de terceira alternativa.
Na verdade, enquanto não se dissipar a consolidada ideia pela prática destes últimos anos, sobre a missão de governar e, antes de mais a de liderar, como a forma mais fácil de resolvermos os nossos problemas pessoais, incluindo obtermos uma ocupação definitiva, será muito difícil termos e sobretudo praticarmos uma agenda nacional.
É uma matéria mais de mentalidade do que de formalismos constitucionais ou legais. Pois talvez algum dia tenhamos a necessidade de ministrar lições, a partir da educação primária, que ensinem que as eleições ou outras formas de legitimação do poder são apenas um método de escolha de quem nos venha a cuidar do bem público durante algum tempo; e não uma forma de aliená-lo a eles até ao fim das suas vidas, podendo passá-lo para os seus herdeiros.
Despartidarizar o Estado-Nação
Uma das formas de matar um projecto de nação, sobretudo quando se compõe a partir de várias nações (pré-nações), é referenciar tudo ao partido no poder e instilar essa cultura de modo a impregnar toda a sociedade, nesses tempos de mais de vinte anos passados depois da queda do Muro de Berlim. Já falamos sobre isso o bastante. Aqui estamos nas conclusões: despartidarizar o país.
Depois das eleições governa o partido ou a coligação que ganhar. Mas governa para todos. Partidarizar o país é instalar uma forma de apartheid. Temos de deixar de ouvir pessoas a reclamar dos seus direitos legítimos vilipendiados, não porque são cidadãos, mas porque votaram no partido no poder. As eleições devem ser encaradas apenas como um método de escolher quem governa e não uma forma de determinar quem vai ser favorecido.
Despartidarizar e despolitizar o discurso técnico-científico é um passo importante para o progresso. É cultura de terceira alternativa, onde todos ganham, perdendo cada um muito pouco.
Angola é um país uno mas diverso
É a falta generalizada dessa consciência que tem retardado a prática efectiva do princípio de unidade nacional que reconheça, sem dramas, as nossas diferenças. Só daí é que pode nascer uma autêntica unidade nacional que vá para além de meros slogans políticos.
É dessa prática errada, consequência de paradigmas de exclusão da Guerra-Fria que resultou o afastamento da “componente branca” que nos levou a passar por muito maus bocados em termos de estrutura de Estado moderno africano. É dessa prática que resultaram as guerras que fingimos que não eram de carácter étnico-regional, quando estava tudo claro que eram. É dessa prática, mal disfarçada, que instituições e outras entidades morais (colectivas ou individuais) são paralisadas, perante práticas reprováveis do regime político actual, com conversas entre quatro paredes, mas não tão invisíveis, em que são invocadas solidariedades étnico-regionais, para justificar o injustificável.
É verdade que não estamos isolados em África neste aspecto, mas é por isso mesmo que a África tem as tragédias que tem porque, em grande parte, não conseguimos instituir mecanismos estaduais que possam absorver as diferenças e sobretudo impor práticas consentâneas.
É preciso que esta questão deixe de ser tabu, para encontramos soluções adequadas. Reconhecemos que não deve haver pressas que possam precipitar situações. Mas desde já, exige-se que as pessoas sejam avaliadas pela sua prestação e não pela sua origem seja de que natureza for: autóctone, crioula, do Norte do Sul do Leste ou do Litoral. Somos todos angolanos; antes disso, somos todos seres humanos. Acreditar no contrário, num ou outro sentido, em actos ostensivos ou subliminares nunca nos irá ajudar.
Haverá casos em que as possibilidades da chamada descriminação positiva devam ser ponderadas e assumidas sem qualquer complexo, não só nas questões de ordem política mas também nas questões de ordem técnica[8]. Porque é que em África com tanta diversidade étnica, cultural, regional, etc., etc., só pensamos em governos de unidade nacional depois de morticínios e ou graves crises pós-eleitorais [9]?
A abordagem do problema da unidade na diversidade leva-nos à questão Cabinda.
Nos termos das ordens jurídicas interna e internacional, não temos dúvidas nenhumas que, por ora, a concessão da independência de Cabinda é inviável, se nos baseamos no princípio “uti possidetis” que tem a sua ratio na inconveniência que adviria de uma lógica de retorno às sociedades pré-coloniais. Com efeito, a interpretação que fazemos de fronteiras coloniais que são herdadas pelos Estados modernos africanos, são as consideradas por altura da independência e não antes[10]. Se formos a ver bem, muitas outras comunidades da Angola actual, em determinadas fases da história, anterior à independência, tiveram com os colonizadores acordos similares aos invocados pelos independentistas de Cabinda. Por outro lado, partindo até dos resultados hoje das independências africanas a completar já meio século, sabemos que não são elas a panaceia para o bem-estar económico, social e espiritual das populações de determinado território, registando-se pelo contrário, muitos casos de deterioração da vida das populações.
Porém, não podemos fechar os nossos olhos ao facto de que o “independentismo” de Cabinda já vai bastante extremado, num plano psicológico e material que tem de ter necessariamente um tratamento consequente. E aqui cabe-nos afirmar de forma autocrítica, que o extremar dessa posição, que vem desde os alvores da formação do Estado-nação angolano, para além do factor psicológico descontinuidade territorial, recebeu grandes subsídios com as políticas centralistas-estalinistas[11], que dentro dos modelos de 1ª alternativa, foram sendo implementadas no pós-independência de Angola.
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