Quando tomamos conhecimento da intenção de o Amplo Movimento de Cidadãos (AMC) organizar no passado dia 24 de Dezembro em plena Praça da Independência, ao 1ºde Maio, uma “Sopa para os pobres”, quer dizer, uma reunião de gente de boa vontade e provida de alguns meios monetários que lhes pudessem servir para distribuir o que fosse possível distribuir entre a gente mais carente da nossa cidade capital, dois sentimentos contraditórios opuseram-se na nossa mente, manietada, mas ainda capaz de pensar por si só: um, que lindo gesto tão cristão, dois, que lindo lance político para fazer valer os argumentos de protesto contra o Executivo.
Arlindo Santana & Silvio Van Dúnem
A verdade é que pensando mais a fundo, acabámos por concluir que, tanto podendo ser uma coisa como outra, ou uma conjugação harmoniosa das duas, escalpelizar a que tipo de intenções se devia a iniciativa pouco interessava para o caso –numa verdadeira democracia tal preocupação é ridícula e, pior, irrelevante -,pois o gesto era oportuno, adequado e generoso, em suma, um simples gesto de apoio e de solidarização como tantos outros que o AMC, os mentores, organizadores e activistas de terreno, durante o ano inteiro repetem, sempre no fito de dar voz a quem não tem e denunciar todos os abusos de que essa franja mais baixa do ponto de vista monetário da nossa sociedade é constantemente alvo preferencial do regime colonial angolano.
Mas o mal não vem de hoje nem de ontem, vem de há muito tempo atrás, desde os idos do famigerado PT e dos caciques marxistas-leninistas metamorfoseados como que por encanto em democratas de primeira água.
A verdade é que o MPLA mostrou vezes demais que é um partido insensível a pobreza, à miséria e aos pobres. Mostrou que esta se marimbando para a sua sorte. Que comam, que bebam, que se virem e que morram em paz. Eles não representam dinheiro, logo não são merecedores de atenção.
Os negros pobres não podem estar na cidade. Não podem festejar na cidade. Não podem receber um gesto, um carinho de solidariedade na cidade. Luanda, a nossa Luanda,“Menina-bonita da África Ocidental” foi invadida pelo betão, está prenhe de gente, milhões de pessoas que fugiram dos campos, da fome e da miséria, para ver o que se passa na capital de um dos países mais dinâmicos do mundo.
E foram chegando, chegando, e puderam ver que Luanda é dos novos milionários e colonos, está reservada, exclusivamente, para os ricos, pois os outros, quer dizer, gente sem eira nem beiras diferentes deles, são de 5ªcategoria e não têm meio de conviver com dignidade na cidade.
Foi o que aconteceu no dia 24 de Dezembro.
Eis a que ponto nós chegamos!
O cerco montado pelo regime
Estamos em período pré-eleitoral e o controlo absoluto que o poder exerce sobre os órgãos de comunicação social do Estado, há 36 anos, tem-se desdobrado ultimamente em novas descobertas de potenciais focos de abertura. Os censores do regime aperfeiçoam e reforçam os métodos de censura. Por exemplo, a TPA retirou do ar o seu programa “Semana em Actualidade”, que ia ao ar às 19h30 de domingo. O debate, dirigido pelo jornalista Antunes Guanje, e no qual participavam os também jornalistas Reginaldo Silva e Ismael Mateus, analisava de forma inabitual, no que toca à acutilância das críticas que no programa eram formuladas, sobretudo por Reginaldo, alguns assuntos mais marcantes de cada semana.
Era o único programa não censurado, embora a “palmatória estivesse sempre ali à mão, e o presidente do Conselho de Administração da TPA, António Henriques da Silva, retirou-o da grelha sem dar qualquer tipo de satisfação.
Razão para retirar esse programa, um dos mais vistos e apreciados da TPA não vale a pena procurá-la, está à vista: rolha em tudo que seja comentário político.
As“instâncias superiores” orientaram que era preciso travar os excessos do Reginaldo e do Ismael e o actual gerente da TPA seguiu à risca as instruções.
Ponto final parágrafo.
Como está escrito num papel do club k: «Neste momento pré-eleitoral e segundo tais “orientações” a prioridade dos órgãos públicos são a Cultura (preferencialmente titiquices e quejandos), Desporto e Social (pode ir da inauguração de uma simples retrete a um chafariz ou um supermercado, como aconteceu com o Kero da urbanização do Kilamba)».
E nesta senda, tudo o que possa sair dos carris apertados do sistema, é coisa ruim, a banir, a repudiar e mesmo a agredir. Mesmo que seja uma sopa para pobres.
Assim, o pobre já limitado na sua frágil condição social, ainda não têm direitos, nem sequer de poder receber uma vez por ano uma boa - e tão calorosa em sentimento - refeição quente. Mesmo num dia como o 24 de Dezembro!
A discriminação do regime não baixa guarda e proibiu que alguém, alheio aos interesses do regime fizesse o que o MPLA faz sempre coberto com grande alarido pela propaganda dos media do Estado. Para uns o incensivel, para o AMC a ameaça, a interdição e a matraca.
Os antecedentes da repressão
O AMC associação de cidadania tinha informado o governo da província de Luanda a sua intenção de realizar uma ceia e sopa para os pobres, no dia 24 de Dezembro, na praça da Família ao Largo 1.º de Maio.
Será que o novo governador é tão insensível que até manda vetar uma actividade a favor dos pobres?
A informação do evento foi expedida de acordo com a lei no dia 16 de Dezembro e no dia 19 terá dado entrada no gabinete do governador. Este não informou a Polícia e a administração do Rangel, dizem estas instituições e ainda o delegado provincial da Cultura.
Resultado no local da actividade solidária foi montada uma feira. A direcção do AMC ainda falou com o novo presidente da administração de Luanda, general Tavares e este o máximo que arranjou à última da hora, pois estávamos em cima da actividade e tudo estava direccionado para o local, foi mandar vir, ordenar, como sempre, e mostrar que era mister os pobres irem para a periferia, no Largo Mário Santiago ao Sambizanga.
Era difícil tal transferência.
Até para fazer a singela oferenda de um dia de dignidade aos pobres, aos mais carenciados, se eles não forem do MPLA, tudo isso também lhes é proibido. Podem morrer que pouco conta para o MPLA
E este partido para mostrar que combate os pobres, numa atitude musculada de prepotência, intimidou e ameaçou a empresa de espectáculos que havia montado o palco, com luzes e som, para desmontar tudo, sob pena de irem todos parar à cadeia e não mais terem contratos válidos daí em diante.
Os técnicos, depois destas ameaças e da polícia se ter deslocado ao local em força, nem quiseram mais ouvir quem os contratou. Desmontaram tudo, e impediram assim que os meninos e os jovens de rua pudessem subir ao palco para mostrar os seus dotes, e amordaçaram o som dos músicos que se tinham proposto a actuar em público como prova da sua inteira solidariedade com os organizadores.
O AMC não sabe agora quem vai pagar os custos da deslocação da empresa, mas tem uma certeza: este poder é mesmo ditatorial e o presidente dos Santos é a sua máxima expressão.
O cumulo do absurdo
ResponderExcluirÒ Arlindo,
tens de ser indiferente.
Não ofereças sopa quente
aos pobres
porque os pobres não são gente.
Eles são apenas o refugo social
da demagogia presidencial,
com estatuto abaixo de cão
na nação.
Desde quando é que o pobre
também é cidadão?
Vai mas é com a tua gente,
leva todos os teus,
ao comício de solidariedade ao presidente,
o Soba, o Imperador, o Deus,
e respeita o catecismo
da religião do cabritismo
dos colonos que hoje estão
a mandar na população.
Esquece o teu intento
porque esta democracia de Luanda
só dá liberdade de pensamento
a quem manda.
António Kaquarta