sábado, 21 de janeiro de 2012

Angola: a terceira alternativa (8). Marcolino Moco, político e professor universitário


Há que referir nesse âmbito, o surgimento de organizações da sociedade civil angolana de cariz reivindicativa regional de natureza cívico-política, numa situação contraditória. Referimo-nos à interdita associação Mpalapanda de Cabinda e a autoproclamada “Comissão do Manifesto Jurídico-Sociológico do Protectorado da Lunda Tchokwe”.

www.marcolinomoco.com

Dissemos situação contraditória porque, por um lado, e na nossa opinião, essas associações não teriam surgido se no caso crónico de Cabinda as conversações entre o Governo de Angola e os independentistas tomassem outro rumo, saindo da cíclica situação de manipulações e impasses, e se em ambos os casos, as chamadas Três Repúblicas (I,II e III) não persistissem na inamovível e centralizada forma de encarar toda uma ampla diversidade do território antropológico e sociológico angolano; por outro lado, este tipo de manifestações regionais, que não se proclama margem do direito interno e internacional, na medida que não perigam expressamente a integridade territorial do Estado nos marcos do princípio “uti possidetis”, são perfeitamente admissíveis, especialmente à luz da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, subscrita e ratificada pelo Estado angolano.
Porém, num Estado onde se labora permanentemente na criação de eventos enviesados, como a eleição de um indivíduo com mandado de captura internacional para representante legítimo de uma parte em negociações tão sérias quanto complicadas como as de Cabinda[6], ou a concessão de título de Embaixador a um indivíduo a contas com a justiça num dos Estados mais poderosos do Mundo (Pierre Falcone), não era de se esperar outra coisa que não um mal a chamar outro mal.
Desta feita, continuamos a ouvir todos dias, impotentes, os gritos de compatriotas nossos (ou antes, humanos como nós) a partir de prisões para onde são atirados pelas injustiças da nossa justiça, só porque ousaram emitir opiniões acerca de assuntos que lhes dizem respeito e que devíamos pelo menos ouvir, sem precipitações.
Ao lado da acção quase sempre bem-sucedida das diversas organizações cívicas acima apontadas, que têm contado com o patrocínio da Open Society e outras ONG’s tais como a Fredrrish Herbert, a Ajuda Popular da Noruega, as Nações Unidas, União Europeia e a USAID, deve referenciar-se aqui a atitude de individualidades que têm adoptado posturas que contribuem claramente para a construção de uma sociedade justa e aberta em Angola.
Rafael Marques, com base num trabalho de carácter investigativo e William Tonet com a sua veia jornalística, por vezes um tanto ou quanto destemperada (mais destemperada que as atitudes deste regime?!) são casos que não podem aqui deixar de ser referidos, como representantes de uma resistência que se impõe contra a tentativa de se criar e perpetuar o conformismo com a ilegalidade e a perversão das instituições.
Penas brilhantes do nosso jornalismo como as de Siona Casimiro, Gustavo Costa, Reginaldo Silva, Susana Mendes, Aguiar dos Santos, Ismael Mateus, Celso Malavoneke, entre tantos outros, têm contribuído significativamente (nos marcos que a ética e a objectividade profissional lhes impõe) para a desmitificação de um statu quo que mais do que “atípico”, toca muitas vezes as raias do absurdo. Alguns deles estão hoje emudecidos pelas “compras” dos monopolizadores da comunicação social (contra a lei e contra todo o tipo de ética republicana) tais como o intrépido e genial Graça Campos ou o “camarada” Januário, autor de farpas inolvidáveis.
Em conformidade com a evolução das novas tecnologias, surgem agora no terreno da comunicação, novas entidades e personalidades, especialmente nas redes sociais da internet. Neste âmbito, o da positiva agitação para a abertura contraditória mas construtiva da sociedade, destacam-se sítios cibernéticos juvenis como o “Club-K”, Zuela Angola, Platina, entre outros, a par do extraordinário fenómeno em que se transformou o Facebook como auspiciosa plataforma de debate[7].
Numa iniciativa louvável, a todos os títulos, as supracitadas e outras organizações da sociedade civil, reúnem-se anualmente numa conferência, onde a troca de experiências parciais é enriquecida pela sinergia do contacto multilateral.
Sem dúvidas que o balanço conseguido pela sociedade civil é impressionante e com resultados relevantes e palpáveis. E, deve dizer-se, este resultado só não alcançou uma dimensão verdadeiramente nacional, para ditar uma verdadeira viragem no status quo de forma pacífica, porque os meios de comunicação social públicos e privados tem sido submetidos a uma pressão selectiva ou supressora das mensagens emitidas a partir dessa plataforma. Deve acrescer-se também que, de forma geral, nunca essa “sociedade civil” se recusou, no essencial, a colaborar com as instâncias do regime instituído, em tributo a defesa da relativa estabilidade nacional que ainda vai persistindo.
Mas, o que agora importa é que não se “durma à sombra da bananeira” com resultados alcançados, em parte potenciados pelos acontecimentos do Norte de África, com particular incidência na situação da Costa do Marfim, em que o regime Angolano viu gorado o seu esforço de transportar para lá a sua filosofia de eternas “presidências constitucionais”.
A aproximação das eleições de 2012 pode criar expectativas irrealistas.
A história mundial, africana e angolana em particular, está farta em nos ensinar que lá onde determinados pressupostos não estão reunidos, não há eleições que possam resolver os problemas complexos de âmbito estadual e nacional. Pelo contrário, nessas alturas, ao de cima vêm todos os males escondidos.
Só para não sair de Angola, o que aconteceu com as eleições marcadas para anteceder a Independência do território, porque os movimentos de libertação não tiveram tempo de se aproximar nas suas diferenças? O que aconteceu em 1992, quando depois de 16 anos de guerra, ainda com um partido armado e prevalecendo ainda no plano material, uma estrutura de Partido-Estado, foram marcadas eleições para antes de menos de dois anos de concertação? O que aconteceu com as eleições de 2008, cujos resultados desproporcionais, em consequência da não preocupação com pressupostos mínimos por parte da própria oposição, que colocaram o partido ganhador na situação da sua arrogância actual, apenas refreada agora, com os chamados ventos do Norte?
Não havendo qualquer possibilidade e viabilidade política para sugerir-se eventual postergação das próximas eleições antes de se corrigirem erros e precipitações do passado, a sociedade civil pode, no entanto, jogar um papel positivo, engajando-se na sua preparação e realização, com um maior sentido de serviço nacional e em direcção a um futuro cada vez mais redimido de Angola como Estado-Nação moderno.
O ideal seria que fôssemos para as próximas eleições − cuja previsibilidade só já não cai em alguma dúvida, porque o poder já esticou demasiado a corda para se poder dar a mais algum luxo de protelá-las, para o bem ou para o mal – com um país minimamente regressado à normalidade político-institucional, económica e social. Ora, esse é um resultado que só pode ser alcançado, em condições pacíficas, com uma acção consciente de sectores patrióticos e humanitários da sociedade civil, que deverão fazê-lo no âmbito de uma atitude didáctico-pedagógica que continue a demover o sistema sobre as vantagens para todos, dessa inversão necessária.
No nosso ponto de vista, a sociedade civil organizada ou individualizada através da acção cívica de elementos distintos da elite social angolana, perante as irregularidades insufladas no regime político angolano, não tem que actuar na clandestinidade, devendo agir abertamente e sem compromissos, no que se deve distinguir do carácter calculista dos partidos políticos.
A sociedade civil deve agigantar-se, sem tibiezas, passando da sua bem-sucedida actuação parcelar, para uma actuação mais integrada no sentido cívico-político, promovendo o fim do medo incentivando as diversas camadas populacionais em todas as regiões do país, na sua participação nas tarefas tendentes a regularizar as instituições, que se devem basear no respeito, antes de mais, da dignidade humana.
A sociedade civil, no período de pré campanha e campanha eleitoral, deve influir no sentido de que seja qual for o partido que venha a governar Angola nos próximos tempos, e seja qual venha a ser a dimensão da sua vitória eleitoral, sejam salvaguardados os limites materiais consagrados na actual Constituição da República de Angola, e que venham a ser retiradas as incongruências da mesma, na área da organização, legitimação e distribuição dos poderes que, hoje por hoje, se apresentam absurdas e insustentáveis, para o bom funcionamento de um regime democrático e de direito.
No mesmo sentido, a sociedade civil e sem esperar por resultados eleitorais, deve lutar por garantir que antes e depois delas, se cultive uma prática de respeito pela deontologia profissional, empresarial e cívica versus fidelidades ao partido no poder e seus dignitários.
Impõe-se que se lute pelo restabelecimento dos mecanismos de controlo no Estado democrático e de direito que têm sido imobilizados através do insuflar do medo e da organização de um sistema subterrâneo (mas ostensivo) de subordinação do poder judicial aos diversos escalões do chamado Executivo: o país tem de viver cada vez mais sob a égide da Lei, à qual todos devem obediência e orientação, e menos de uma hierarquia de ordens pessoais de natureza autoritária.
Os efeitos de toda essa acção legítima de restituição de Angola ao há muito preconizado nos anseios dos seus povos, incorporados nos ideários e programas do Movimento de Libertação Nacional e em grande parte plasmados na actual Constituição da República de Angola, só serão efectivos se a Comunicação Social for desespartilhada das amarras a que se encontra sujeita. Deste modo, impõe-se uma luta pacífica mas resoluta, para a restituição da verdade neste domínio.
Finalmente, na base da experiência recente de Angola, tudo indica que só a sociedade civil organizada ou individualizada – consciente da gravidade dos caminhos em que temos enveredado, abstraída das escaramuças e imediatismos das entidades estritamente político-partidárias – pode impor a elaboração e a prática de uma verdadeira agenda nacional, que atenda às particularidades de um país vasto e múltiplo como o nosso.
Todas as entidades nacionais ou estrangeiras interessadas na implementação da terceira alternativa que aqui propomos poderiam apoiar este esforço, em que sem abandonar as acções de carácter parcial, se passasse a atacar o nó górdio da situação: abolir por meios pacíficos, enquanto isso ainda é possível como acreditamos, o sistema político institucional vigente, no plano material.
Ideias sobre a elaboração e prática de uma agenda verdadeiramente nacional: a terceira alternativa
Em jeito de conclusão deste texto, vamos ensaiar algumas ideias sobre o que fomos designando como a verdadeira agenda nacional, que pode ser o alicerce de uma paz e reconciliação definitivas e capazes de trazer as benesses mínimas a que todos nós aspiramos, em paz com os nossos parceiros internacionais.
Ao fazer este ensaio estaremos, ao mesmo tempo, a sintetizar aquilo que na esteira de Stephen Covey, chamamos de terceira alternativa definindo aqui os seus principais pilares.
Na Angola actual está apresentada e consentida uma alternativa (Primeira alternativa) que a História e sobretudo os últimos acontecimentos apontam como talhada para o falhanço ou perigosa e geradora de conflitos insanáveis, lá onde ainda se apresenta aparentemente viável. É a alternativa do uso da soberania nacional por quem detém o poder, não importa sobre que base, de o suster a qualquer preço e sem ter que apresentar grandes justificações, fazer dele o que entender, dentro das possibilidades que os adversários políticos permitirem.
Esta alternativa está baseada na obsoleta ideia de que “o poder não se entrega”, a não ser na base da força militar ou de outra natureza, esquecendo-se do princípio de que a cada acção, mais cedo ou mais tarde, corresponde uma reacção. É uma alternativa baseada em filosofias maquiavélicas, hobbianas e evolucionistas sociais, que encaram o ser humano como um animal irracional em cujo reino vencerá o mais forte e dos restos seja “o que Deus (deles) quiser”.
Em política de primeira alternativa, os estadistas gastam rios e rios de dinheiro para vigiar, intimidar ou torturar e matar − se for necessário − os seus concidadãos, em quem não confiam, vendo em cada um deles um inimigo, já para não falar dos seus reais ou imaginários adversários políticos.
Para não se sentirem descompensados, os políticos de primeira alternativa fazem tudo por tudo para não ouvirem mensagens do que de real se passa na sociedade, desde que não sejam louvores, nem que sejam fingidos, à sua acção constantemente adversa ao resto da população dos países que governam. Por isso também gastam somas astronómicas, ou obrigam multidões a aderir a manifestações despropositadas a seu favor e investem contra qualquer tipo de manifestação legítima e legal de quem delas tem necessidade efectiva.
A segunda alternativa é a que já pode estar a esboçar-se novamente em Angola, e que corresponde justamente à reacção inevitável às excentricidades e abusos dos crentes e militantes da primeira alternativa. É a alternativa revolucionária no pior sentido da palavra, partindo dos mesmos princípios que a primeira, baseada na ideia do “estes tipos não mudam, só à pancada” e ao “olho por olho e dente por dente”, até à sua destruição total, mesmo que tenham deixado alguma coisa de positivo. Neste sentido costuma falar-se do destruir tudo o que é “contra-revolucionário” para se reconstruir tudo depois.
A História da Humanidade mostra claramente que quando se insiste na primeira alternativa até às últimas consequências, a segunda alternativa é inevitável. Não cabe aqui aprofundar os exemplos mais paradigmáticos ao longo da História próxima e remota do que estamos a falar mas, o último exemplo mais claro é o da Líbia de Khadafi.
Em Angola, onde pessoalmente já fomos adeptos de primeiras e segundas alternativas, há mais de vinte anos que defendemos a terceira alternativa no domínio político-institucional, que a vida assim nos ensinou. E nós não choramos “sobre o leite derramado”. Por isso lutámos afincadamente pelas mudanças que foram incorporadas na Lei Constitucional de 1992.

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