sábado, 21 de janeiro de 2012

Angola: a terceira alternativa (7). Marcolino Moco, político e professor universitário


No período da colonização as potências europeias de então, atiraram-se aos territórios africanos que dividiram entre si como se tratasse de produto de caça, onde não contava o elemento humano encontrado, com todas as suas “circunstâncias”. Resultado: a descolonização, em vez de se transformar numa plataforma de acertos entre colonizadores e colonizados acabou, em grande parte, por se transformar num conjunto de tragédias, um pouco por toda a parte; porque a colonização em si não era um factor negativo.

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Igualmente, no período pós independência, e duma forma geral, o olho das agora ex-potências coloniais não corrigiu o tiro, visando sempre o imediatismo da extracção das matérias-primas quando não a mera luta por influências geopolíticas, em vez de cuidar do elemento humano. Resultado: a protecção àqueles que alegando esta ou aquela legitimidade popular foram transformados em ajudantes da continuidade da espoliação, de tanto usurparem a soberania do povo, começam a tornar-se insuportáveis para os respectivos povos; tanto é assim que em alguns casos como o foi agora na Líbia, a mudança de atitude de última hora do Ocidente, provocada pela ira popular, acaba praticamente por comprometê-lo em actos de barbárie cometidos contra a vida de um Chefe de Estado (que antes de mais é um ser humano).
Apesar destes acontecimentos, a não haver uma mudança de atitude tempestiva, continuaremos a ver em Angola uma incongruente atitude da Comunidade Internacional a levar ao colo um regime que mais do que durante o período da prolongada guerra, não tem hoje limites em extravasar os limites do abuso do poder.
O regime angolano comete as maiores violações contra os Direitos Humanos e até se dá ao luxo de mandar fechar o escritório das Nações Unidas que supervisionam essa questão e nomeia alguém sobre quem impende um mandado da captura por violação de Direitos Humanos, como responsável pela tutela dos Direitos Humanos a nível do Estado. Mas, a Comunidade Internacional não reage a contento. Pelo contrário, contempla esse regime com a concessão de lugares nas instâncias internacionais de defesa desses mesmos direitos.
Estados como a França, são claramente chantageados pelo regime angolano, e fazem suas independentes instâncias judiciais recuar perante ameaças de ordem política, desprovidas de toda a ética, como aconteceu com o caso Pierre Falcone.
Sabemos de empresas, especialmente bancos, que são selvaticamente chantageados, para violarem normas elementares do Comércio Internacional, a fim de darem lugar a participações viabilizadas com fundos do Estado, a favor de grupos privilegiados.
Em Portugal, um Estado com responsabilidades acrescidas sobre o destino dos angolanos, irmanados por laços de história, de cultura e de sangue com os portugueses, sectores importantes da economia são comprados quase todos os dias por dinheiros suspeitos de terem sido desviados do erário público angolano e, aparentemente, quase sempre destinados à chamada “família real” que se sub-roga no papel de empresariado angolano.
Para que tudo corra o mais sossegadamente possível, até os meios públicos de comunicação social portugueses começam a ser sujeitos à mesma censura salazarenta dos seus congéneres angolanos, e também alguns meios de comunicação privada começam a ser “comprados”.
Com a crise económica que grassa pelos Ocidentes, continuaremos a ouvir em surdina essa coisa sem sentido nenhum − já tantas vezes desmentida com o fim trágico de Mobutos, Houphouets e Sekoutourés − de que José Eduardo dos Santos em Angola é insubstituível, por isso, antes perdoar-lhe tudo quanto ele faça do que arriscar o advento de uma desestabilização do vital negócio do petróleo e outros afins.
Continuaremos a ver em parangonas dos nossos jornais os elogios apressadamente induzidos de visitantes estrangeiros de França, Portugal, Brasil, Estados Unidos e até da vizinha e poderosa África do Sul, fingidamente deslumbrados com os grandes progressos nacionais. Continuaremos, enfim, a ouvir “estudiosos” portugueses a elogiar a descoberta, por José Eduardo dos Santos e seus juristas de serviço, do indefensável sistema de governo “presidencialista-parlamentar”, a sustentar um conjunto de práticas horrorosas em termos de governação de um país, já com praticamente uma década de paz.
Para toda essa comunidade internacional, ávida desse imediatismo que já se sabe, não compensa; para as Nações Unidas, União Africana, SADC, CPLP e instituições conexas, nós propomos uma atitude de terceira alternativa que aqui apresentamos, onde todos vão ganhar e ninguém vai perder.
Não se trata de apear por apear José Eduardo dos Santos do poder pelo poder. Um homem com a sua história e estatura nunca mais perderia o poder real, numa sociedade política regularizada, independentemente da formalidade que os cargos conferem.
Trata-se é de normalizar as instituições em Angola; de retirá-la da dependência de uma família e pouco mais; de criar uma previsibilidade mínima, em todos os domínios da vida nacional e um relacionamento civilizado com os seus parceiros internacionais.
Não se trata de passar por cima da soberania de Angola, mas de antecipar-se ao advento de novas tragédias, em que o respeito à soberania dos povos de Angola não seja sobreposta pelos interesses de uma camada minoritária que se quer sustentar isolada, à custa de uma soberania que é de todos.
Pensamos ser essa a melhor ideia, do que esperar que tudo se extreme, para que amanhã se venham aplicar sanções de última hora, a deteriorar anda mais o que já não tem remédio, ou pior ainda, virem aviões da OTAN, sobrevoar os nossos céus.
Aqueles que acham isso tudo exagerado deveriam estudar melhor o caso da Angola actual.
O papel da chamada sociedade civil organizada ou individualizada
Não haverá mudanças positivas sem uma sociedade civil organizada e consciente das suas responsabilidades. Uma observação atenta do fenómeno político ensina que lá onde a sociedade civil é frágil, dificilmente emergirá uma classe política voltada para os interesses da sociedade. Aqui, mutatis mutandis, aplica-se o brocardo do criminalista Lacassagne: “A sociedade tem os criminosos que merece”.
Infelizmente, Angola não faz excepção, nos poucos casos em que a classe política, especialmente a governante, se dedica, ela própria, ao fortalecimento consciente da sociedade civil, jogando um papel histórico positivo. Na nossa análise isto assim acontece aqui, como em grande parte dos países do chamado terceiro mundo, porque essa classe não tem a formação ética, moral e cívica suficiente para ultrapassar as apetências egoístas, em momentos como esses, em que a tomada do poder coincide com o da acumulação da riqueza por parte de camadas nacionais.
Na verdade, Angola configura justamente essa situação. Vejamos que no período que referimos acima como o da constituição colonial das bases do estado moderno dentro das actuais fronteiras do país, os nacionais, na sua maioria esmagadora provenientes de sociedades tradicionais pré-industriais, não participavam na estrutura empresarial e distributiva das grandes riquezas que se produziam no território. Esta situação prevaleceu durante a vigência do regime de partido-estado do tipo marxista-leninista que se instituiu a seguir à proclamação da independência. Pois, nesse período o Estado se arrogou o direito de principal agente da produção e distribuição de riqueza, adiando assim a criação de uma chamada burguesia nacional ou classe empresarial regrada.
Como o referimos, essa situação foi agravada com o êxodo da “população branca”, em grande parte já africana, mas que pelos condicionalismos históricos ficou bastante conotada com um regime colonial que não quis negociar a tempo uma transição pacífica e inclusiva, em todos os sentidos, com os nacionalistas angolanos.
Também já o dissemos, os próprios nacionalistas estavam divididos e embriagados com a perspectiva da tomada unilateral e imediata do poder político. Não admira assim, que com advento das reformas políticas e económicas que se impuseram de forma também um tanto quanto precipitada, e em meio a guerras de grande intensidade, estejamos perante um deslumbre em relação ao abocanhar das riquezas por parte de quem se surpreende com o poder governativo nas mãos.
Deve anotar-se que nestas circunstâncias, as reformas não foram (dificilmente podiam ser) antecedidas da criação de regras adequadas de distribuição equilibrada das riquezas e de mecanismos de controlo. Além disso, como causa ou consequência, a partir de meados dos anos 90, como já se disse, o MPLA foi desprovido da sua inicial dinâmica de reformismo coerente (que o retornaria aos ideários inscritos nos seus programas e estatutos dos anos 50 e 60 mas nunca materializados devido vicissitudes da história ligadas à Guerra Fria), com o afastamento e silenciamento das vozes e forças genuínas da mudança, nas estruturas centrais do Partido e não só
Transformado em bandeira da espoliação de riquezas nacionais e regionais de maiorias cada vez mais vilipendiadas e empobrecidas, a favor de uma minoria a enriquecer em ritmo geometricamente acelerado, o MPLA foi desta feita desviado da responsabilidade que se havia incumbido, de assumir uma faceta educativa e pedagógica das diversas camadas do povo, mesmo sem abdicar da sua vocação de − como partido político − lutar pela obtenção e retenção do poder político. E, o que é mais preocupante é que sob as indicações precisas de uma Presidência da República que nem sequer sob o ponto de vista metodológico se distingue de uma sufocada liderança do MPLA, subverte-se o verdadeiro conceito de sociedade civil, assimilando-o a instituições (acima resumidas) que giram em torno pessoal do inamovível Presidente da República e do chamado “partido maioritário”, numa orquestração absurda e sem paralelo em regime de natureza democrática.
Perante uma situação dessas, como não perde todo o sentido a existência de um suposto Gabinete do MPLA para a Cidadania e Sociedade Civil tendo como alegado objectivo o resgate dos valores éticos e morais?
Nas circunstâncias actuais de Angola, se o próprio regime político, no seu sentido mais estrito, não toma consciência e se desvia dos caminhos ínvios em que persiste, a sociedade civil organizada ou não, encarada no seu verdadeiro sentido, tem responsabilidades acrescidas na alteração substantiva do “statu quo”. E é algo que não deve temer de nenhum modo. Poderá ser e é sua responsabilidade histórica.
Ancorada expressamente na ordem jurídica interna e internacional, tal legitimidade será tanto maior quanto os métodos usados forem pacíficos e enquanto a actuação do regime não justificar outro tipo de atitude.
Nos últimos anos, especialmente em 2011, depois das investidas subversivas de dimensão formal à instituição do regime democrático em torno da aprovação da nova Constituição, embora de forma parcelar, a sociedade civil organizada ou individualizada, já demonstrou as suas grandes potencialidades. É dessa acção de capital relevância que resultou o debelar do clima de medo que tem sido habilmente instilado, particular e paradoxalmente mesmo depois do acordo de paz, sendo consolidado por uma máquina diabólica de compra de consciências de que poucos se conseguem livrar, qual passagem pelas cercanias de um buraco negro.
Já referimos o papel dos jovens, que mesmo a medo, muitas vezes escondendo-se por detrás do anonimato, impuseram, entre outros o seu direito à manifestação. Eram e são direitos consagrados pela ordem jurídica nacional e internacional, insistentemente negados a quem deles necessita usar, enquanto abusiva e ostensivamente usados por quem nem deles precisa, para a glorificação anacrónica de quem nega direitos aos outros[5].
A Open Society, presente em Angola já há vários anos, sem uma representação formalmente reconhecida, no âmbito das peripécias por que tem passado, tem conseguido contornar, por vezes de forma penosa, diversos actos de obstrução, de subtis aos mais ostensivos, continuando a prestar um serviço importante neste esforço de construção de uma sociedade aberta.
A Omunga, sedeada em Benguela, agigantou-se, a partir dessa região de antiga tradição rebelde no sentido positivo, dando um contributo inestimável na defesa dos direitos fundamentais, especialmente na questão do direito à habitação − curiosa e estranhamente no nosso país independente, não no sentido de exigir uma habitação mais condigna, mas para defender-se de uma diabólica sanha destrutiva das habitações de populares.
Nesta acção de defesa, antes de mais da dignidade humana, que constava nos programas de todos os movimentos de libertação de Angola, reivindicada contra o sistema colonial, tem-se distinguido igualmente, e de forma quase anónima a ACC (Associação Criando Comunidades) do Padre Pio, na Huíla. Essa associação também se tem empenhado na defesa das populações contra uma despudorada pilhagem de suas terras, em dimensões nunca vistas, pelo menos nos últimos anos do período colonial.
No mesmo sentido tem actuado a “SOS Habitat” de Luiz Araújo e companheiros, numa luta em que o agressor passa quase sempre por cheio de razão, ante um silêncio de morte das instituições de justiça, imobilizadas pelo peso desproporcional de um Executivo avassalador, em relação aos outros órgãos de soberania nacional.
A promoção de debates muito tem contribuído para que diversos sectores da sociedade fossem tomando consciência de que afinal não se é preso, muito menos se é morto, pela simples ousadia de se falar sobre os assuntos do nosso próprio país de forma visível e decidida. Neste campo distinguiu-se ainda a Omunga, com as suas “Quintas de debate”, ao lado do Mãos Livres, do IDD, do IASED, da Mosaico, da ADRA entre outras organizações, só para citar aquelas com que temos tido uma colaboração estreita, na nossa predisposição de contribuir para a consolidação do Estado democrático e de direito, sem ter que pedir autorização a ninguém. Ainda neste campo, nota muito positiva para a AJPD, na sua luta para a defesa dos Direitos Humanos junto das instâncias da justiça (onde também se tem distinguido a “Mãos livres”), numa bem elaborada atitude pedagógica, apesar também das peripécias por que tem passado, inclusive na questão do seu reconhecimento formal.

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