ANTÓNIO SETAS
Os Portugueses que viviam em Luanda tinham ouvido rumores sobre os grandes poderes de Kinguri e enviaram um mensageiro chamado Gaspar Kanzenza, com uma mensagem pessoal para convidar Kinguri a se deslocar a Luanda. Kanzenza encontrou os Mbangala acampados na ilha de Mbola na Kasaxe pouco tempo depois de os makota terem aprisionado Kinguri e já o terem morto. Os makota, ardilosamente, explicaram que Kinguri tinha ficado doente e não podia receber visitas naquele momento, pois não podiam partir para Luanda antes que alguém assumisse a sua posição e ganhasse o direito de responder ao convite dos Portugueses. Só depois de Kuxalingo ter conquistado o poder é que eles partiram para Luanda, onde se encontraram com o governador e se juntaram aos Portugueses na luta contra o ngola a kiluange.
Análise:
1) Não foram os makota, mas sim Kulaxingo (designado como herdeiro de Kinguri) quem respondeu ao convite dos Portugueses. A relutância dos makota em responder ao convite do governador sugere que os Portugueses apenas negociariam com um detentor da posição kinguri, e não com os títulos do kilombo, que eram controlados pelos makota.
2) A recusa dos makota em dar a conhecer a morte do kinguri representa, provavelmente, as tentativas dos titulares históricos da posições Lunda de resistirem à intervenção portuguesa contra o seu controlo sobre o kilombo.
Segundo a tradição, o falso rumor de que o kinguri ainda vivia, tinha como objectivo evitar que o titular do kulaxindo fizesse ressuscitar o kinguri como base para o seu domínio sobre os Mbangala. Também é certo que nem todos ao makota apoiaram o assassinato do kinguri, uma vez que todos os líderes da revolta vinham da linhagem Kandama ka Hite. A legitimidade de Kulaxingo era pois posta em dúvida por uma parte do grupo. Daí os seus esforços bem sucedidos para fazer reviver o kinguri (os makota tinham abolido o título, mas ele reclamou-o a si com relativa facilidade, servindo-se dos símbolos de autoridade abandonados em Mbola na Kasaxe, ou mesmo fabricando imitações credíveis dos originais) a fim de dar legitimidade, aos olhos do povo, ao seu domínio de facto.
Os Portugueses concederam a Kulaxingo o título de “Jaga”, uma honra da sua própria invenção, e o nome “Cassanje” em reconhecimento do título kasanje que ele tinha usado no tempo em que pela primeira vez tomara contacto com eles. Posteriormente, para os Portugueses, todos os bandos Mbangala passaram a chamar-se “Cassanjes” e os futuros reis Mbangala “Jaga Cassanjes”.
Kulaxindo em pouco tempo justificou o facto de ter assumido o poder do kinguri, obtendo grandes vitórias militares, as quais demonstravam claramente o seu firme controlo sobre os símbolos de autoridade. Kulaxingo deu bom uso aos poderes mágicos do kinguri. A sua arma fundamental era uma arco (mufula) chamado kimbundu, que, segundo eles, muito poderia ajudar os Portugueses a descobrir o misterioso reduto do ngola a kilwanji, uma fortaleza mágica, dizia-se, na qual eles eram incapazes de entrar, ou sequer localizar, sem a ajuda das armas mágicas de Kulaxingo. Segundo a tradição, Kulaxingo teria ido a Luanda e feito uma demonstração dos seus dons mágicos na praça em frente ao palácio do governador(em 1612 não havia palácio do governador em Luanda (Cf. A história de Kajinga).
Kulaxingo mandou vir nove bois e disparou uma única flecha para o primeiro boi. A flecha matou o boi e depois continuou uma rota milagrosamente cheia de curvas, até ter morto os nove bois e, ainda, ter deitado abaixo dois grandes embondeiros. Por fim, mergulhou no mar e desapareceu. O governador português, convenientemente impressionado com esta demonstração, concordou em aceitar a ajuda de Kulaxingo. O ngola a kiluange, que compreendia melhor essas coisas que os Portugueses, ficou tão atemorizado que fugiu par Pungo a Ndongo, e mais tarde deslocou-se para norte, para o rio Wamba, onde os seus descendentes vivem até hoje.
A tendência dos Tumundongo para, nas tradições modernas, situarem em Luanda todos os acontecimentos importantes muito antigos, levou-os, neste caso como em muitos outros, a deformarem a realidade. De facto, as tradições mais antigas assinalam que Kulaxingo atravessou o Kwanza perto de Kambambe, não longe do primeiro contacto efectuado uma década mais cedo. E é evidente que esta demonstração nunca teve lugar nos moldes aqui descritos. Porém, tanto a grande impressão como guerreiros que os Mbangala fizeram aos Portugueses, como o facto do ngola a kilwanji ter sido obrigado a fugir para a Matamba, correspondem a factos históricos inegáveis.
A “aliança” Luso-Mbangala
De par com a morte do kinguri, as tradições referem-se também aos primeiros contactos dos Mbangala do kulaxingo com os Portugueses, contactos que ocorreram quando esta luta pela sucessão ainda dividia o bando.
Segundo a tradição, Kulaxingo teria ido a Luanda e feito uma demonstração dos seus dons mágicos na praça em frente ao palácio do governador (em 1612 não havia palácio do governador em Luanda).
Kulaxingo mandou vir nove bois e disparou uma única flecha para o primeiro boi. A flecha matou o boi e depois continuou uma rota milagrosamente cheia de curvas, até ter morto os nove bois e, ainda, ter deitado abaixo dois grandes embondeiros. Por fim, mergulhou no mar e desapareceu. O governador português, muito impressionado com esta demonstração, concordou em aceitar a ajuda de Kulaxingo. O ngola a kiluange, que compreendia melhor essas coisas que os Portugueses, ficou tão atemorizado que fugiu par Pungu a Ndongo, e mais tarde deslocou-se para norte, para o rio Wamba, onde os seus descendentes vivem até hoje (Miller, 1976).
A tendência dos Tumundongo para situarem, nas tradições modernas, todos os acontecimentos importantes muito antigos em Luanda, levou-os, neste caso como em muitos outros, a deformarem a realidade. De facto, as tradições mais antigas assinalam que Kulaxingo atravessou o Kwanza perto de Kambambe, não longe do primeiro contacto efectuado uma década mais cedo. E é evidente que esta demonstração nunca teve lugar nos moldes aqui descritos. Porém, tanto a grande impressão como guerreiros que os Mbangala fizeram aos Portugueses, como o facto do ngola a kiluange ter sido obrigado a fugir para a Matamba, correspondem a factos históricos inegáveis.
O que parece também historicamente corresponder ao que realmente se passou, é o facto de os bandos Mbangala começarem desde os primórdios do séc. XVII a estabelecer-se a norte do rio Kwanza em substituição dos dignitários Tumundongo, que até essa altura tinham exercido a autoridade nesse território em nome do ngola a kilwanji, criando um novo Estado baseado no recrutamento obrigatório dos varões locais para a associação do kilombo. A iniciação desses homens no kilombo privava a parte mais produtiva da população local da sua anterior pertença às linhagens Tumundongo, ao mesmo tempo que a sujeitava à autoridade directa do rei Mbangala e dos vunga por ele nomeados. Do ponto de vista militar, o Estado Imbangala do kulaxingo era constituído por acampamentos de mercenários estabelecidos nas franjas da Angola portuguesa, que em tempos normais capturavam agricultores locais para os vender como escravos, e em tempos de guerra de imediato se juntavam às forças portuguesas para combater. Apesar de haver tradições um tanto contraditórias, provas circunstanciais apontam para o médio Lucala como o local do acampamento permanente dos Mbangala do kulaxingo, já que uma região ali localizada chamada Lukamba (perto de Ambaca), se tornou um importante e precoce centro do tráfico de escravos. Além disso, o acordo passado entre Mbangala e Portugueses também levava a que estes últimos estivessem perto de Ambaca.
Os governadores da década de 1610-1620 concentraram os seus esforços na penetração no coração do Estado do ngola a kilwanji. Começaram por reforçar a sua posição no baixo Lucala, construindo um novo Presídio num local chamado Hango, que serviria de base para futuras acções ofensivas com a ajuda, certamente, dos Imbangala acampados por ali perto, servindo de tampão entre o Ndongo e as fracas forças portuguesas a jusante do Lucala. Em 1617, os Portugueses deslocaram o Presídio de Hango para leste, num novo local situado perto de Ambaca, perto de Lukamba, base dos Mbangala, já que os Portugueses desejavam dispor de um posto fortificado tão próximo quanto possível dos seus aliados africanos. Estes, entretanto, produziam mais escravos do que os canais oficiais podiam absorver, o que levava a que o tráfico ilegal prosperasse tanto ou mais do que o do governo de Luanda. Alguns governadores encorajavam essas aventuras ilegais e tiravam certamente algum proveito delas.
Imagem: ab4-cronicasecontos.blogspot.com
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