O caso conhecido na justiça francesa como Angolagate recomeçou no dia 19, em Paris, com o julgamento de recurso do empresário Pierre Falcone, acusado de tráfico de armas, branqueamento de capitais e fraude fiscal em território gaulês, pese o armamento nunca ter feito escala em nenhum porto ou aeroporto da República Francesa.
O empresário francês, que, caricatamente, sem ter feito nenhum pedido e beneficiado de aprovação da Assembleia Nacional, tem também nacionalidade angolana, teve ainda outra situação anormal em 2003 ao ser nomeado, por conta e risco do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, como representante de Angola junto da UNESCO (a organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), não conseguiu, com este artificio do amigo angolano, escapar a mão pesada da justiça francesa. Aos 27 de Outubro de 2009 foi condenado a seis anos de prisão, incluindo quatro de prisão efetiva.
Os seus advogados, segundo uma fonte de F8 em Paris, principescamente pagos pela SONANGOL, por orientação da Presidência da República, interpuseram recurso, mas o tribunal “ad quo” concedeu-o com efeito devolutivo, significando que tem de esperar pela decisão do Supremo na cadeia e não em liberdade, como era previsão.
Recorde-se, que em Dezembro de 20210, o Tribunal de Recurso de Paris havia reduzido a pena de Pierre Falcone para dois anos e meio de prisão efetiva, mantendo-o detido.
Este empresário, amigo dos chineses, juntamente com o empresário de origem russa Arcadi Gaydamak, também nomeado pela Presidência da República, como conselheiro da embaixada de Angola, na República Federativa da Rússia é um dos protagonistas de um processo polémico cuja instrução começou há mais de uma década e que tem, desde então, envenenado as relações entre Paris e Luanda, mesmo depois de uma visita oficial à capital angolana, em que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, tentou “desfazer os mal-entendidos do passado” com José Eduardo dos Santos.
Ao contrário de Angola, em França existe mesmo uma separação de poderes e a justiça, diferentemente do que ocorre em Luanda, não está sob a bota do presidente francês, tanto assim é que figuras ilustres da política gaulesa sentaram-se e foram condenados a penas de prisão em 2009, nomeadamente, o antigo ministro do Interior, senador e candidato presidencial Charles Pasqua, o filho do antigo presidente François Mitterrand, Jean-Christophe Mitterrand, e um antigo conselheiro presidencial, Jacques Attali, além do prefeito e homem político influente Jean-Charles Marchiani e do escritor e consultor Paul-Loup Sulitzer, entre mais de 30 arguidos.
O Angolagate provocou também sucessivos episódios de crispação entre a magistratura e o governo e a presidência da República francesa, com episódios como a carta do então ministro da Defesa, Hervé Morin, aos juízes e ao Ministério Público, considerando que não havia motivo para a acusação, uma vez que as armas que estiveram na origem do processo não transitaram por território francês.
No centro deste processo está o negócio de fornecimento de armas nos anos 90 ao governo do MPLA, então em guerra com os rebeldes da UNITA de Jonas Savimbi, através da empresa Brenco International, que associava Pierre Falcone e Arcadi Gaydamak.
Na acusação inicial, resumida em 468 páginas, os arguidos foram acusados de vender armas no valor de 790 milhões de dólares (mais de 570 milhões de euros) ao governo angolano, sem o aval do Ministério da Defesa francês, conforme exigido por uma lei de 1939, o que torna o negócio ilegal.
Os sessenta advogados de defesa no Angolagate, sublinhando uma posição repetida ao longo dos anos pela diplomacia angolana, contrapõem que o negócio foi legal e que o fornecimento de armas ajudou, em última análise, um governo legítimo a combater uma rebelião armada.
Os contornos delicados do processo ficaram de novo evidentes, como salientou a imprensa francesa, com a substituição recente do juiz do processo, Christian Pers, presidente do Tribunal de Recurso de Paris, promovido de surpresa para uma posição superior. No seu lugar, o juiz Allain Guillou ficou com escassas semanas para se inteirar de um processo de 60 volumes.
“Este nunca será um processo normal”, escrevia esta semana o jornal francês Le Monde, a propósito dos últimos episódios de um caso sensível. “O Estado francês não quer melindrar as autoridades angolanas, das quais Pierre Falcone é próximo. É um problema estratégico, uma vez que Angola é uma das maiores reservas petrolíferas de África”, continuava o diário, quando já é sabido que este julgamento de recurso prolongar-se-á até 04 de Março.
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