A situação actual da Costa do Marfim e os desenvolvimentos subsequentes provocaram uma grande movimentação política e diplomática. Pontos similares à realidade vivida em Angola proporcionaram muita polémica, mas também alguns equívocos que desencadearam acesos debates dentro e fora do país, quanto mais não seja desde que o Presidente da República de Angola a quando da apresentação de votos de Novo Ano ao corpo diplomático, posicionou-se oficialmente a favor de Laurent Gbagbo, apanhando de surpresa todo o mundo, (União Africana, a Cedeao, a União Europeia, FMI, BM, as Nações Unidas, com excepção da Rússia e China, todos foram unânimes em reconhecer Ouattara como Presidente legalmente eleito). Contrariamente a posição dos citados, Dos Santos promoveu Gbagbo como presidente constitucional. Esta atitude considerada corajosa pelos seus aficionados, aventureira pelos detractores, colectou igualmente suspeitas do porquê que o PR haveria de tomar tal decisão. Para iluminar algumas zonas escuras e obscuras, além de outros esforços, buscamos opiniões e conhecimentos de um dos protagonistas do episódio de “um dos processos eleitorais mais longos do mundo, o de Angola, rico em peripécias e ambiguidades”; trata-se do Professor Doutor Alberto Neto, Presidente do PDA, terceiro mais votado nas eleições que tomaram parte o Presidente José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi.
Félix Miranda. Foto, Garcia Mayamona
Folha 8 – Alberto Neto - PDA, pode-se considerar como desaparecido em combate ou ainda no activo?
Alberto Neto – Estou bem de saúde, no activo em todas as frentes e sempre atento ao desenvolvimento da situação nacional e internacional.
F8 – Batemos a porta para pedir seu parecer em relação a situação candente da Costa do Marfim que tem picos de semelhança com o que foi por vocês vivido. Comecemos por dentro?
AN - No momento da situação política e económica endógena e exógena do nosso país, e claro está que em relação a isso acompanhamos todas as situações que nos levam a constatar que os nossos posicionamentos ou pronunciamentos nos últimos anos tem a sua razão de ser e hoje mais do que nunca a história nos dá razão. Quando se fala sobre a situação das lideranças, da Constituição, da presidência da República, da mudança do regime semi-presidencial ao presidencialismo obtuso, nós temos que fazer uma análise e certificarmos que tínhamos razão quando em 1992 e nos anos seguintes, entendíamos que o presidente de um partido político não pode por razões evidentes criar condições de eleição sem ser eleito. Por outras palavras, um presidente de um partido político não promulga uma Constituição a não ser que seja um presidente democraticamente eleito. A partir daí, a evidência está a nos dar razão, pelo facto de: a Constituição de 2010 é um aborto jurídico. Havia um mecanismo para promulgar essa Constituição. Esse mecanismo seria a necessidade de se realizar a segunda volta das presidenciais em 1992. Isso não foi tomado em consideração e o resultado está aí: um presidente não eleito promulga uma Constituição que nem sequer foi referendada.
F8 – Está aqui a evocar um caso que vem a propósito, as eleições de 1992. Na primeira volta foram muitos a concorrer para as presidenciais, ficaram dois, José Eduardo dos Santos e Savimbi. Alberto Neto foi no global o terceiro. A segunda volta não se realizou, 18 anos se passaram. Mesmo assim o processo não foi concluído?
AN - Não foi. A prova é, quando nós sempre nos pautamos pelo rigor jurídico e pela observação da Constituição de 1992 indicando da necessidade que havia de se criar os mecanismos de transição e ao mesmo tempo de democratizar o país, as instâncias do partido no poder, seu aparelho político, entenderam que tinham de passar por cima.
F8 – De que mecanismos se refere que deviam ser implementados para este processo de transição?
AN – Seria por conseguinte a necessidade de assegurar o regime semi-presidencial. E o regime semi-presidencial só se garante através de eleições, tanto para Assembleia Nacional, como para presidência da República. Não pode haver um regime semi-presidencial em que um presidente continua eternamente sem ser eleito. Por outro lado, mesmo num regime presidencialista não pode haver um presidente que se assegura de todas as funções. E ainda continuamos a dizer, devido a inconclusividade do processo eleitoral de 1992, há ainda a necessidade de se fazer a segunda volta das eleições. Senão vejamos: “Hoje se vamos ver, nesta Constituição aborto, há um mecanismo para eleição do presidente da República que é absolutamente incrível, não é aceitável. O Presidente da República é eleito sem que seja necessário uma segunda volta, inadmissível nesta época”.
F8 – Onde se quebra a cláusula, quando já se passaram 18 anos. O que prova ainda hoje o PR ser ilegal?
AN – É ilegal porque não aceitou a segunda volta; é ilegal porque não é um PR eleito. Por conseguinte, um presidente ilegal, não promulga nenhuma Constituição. Por outro lado, também não prestou qualquer juramento à Nação que diz dirigir.
F8 – Pode consubstanciar o que acaba de dizer?
AN – Na Constituição de 1992 e até mesmo nesta, quer dizer que não foi traçado nenhum compromisso entre o Presidente da República e os cidadãos angolanos. O que reina é um compromisso de total submissão, não como reais cidadãos com o direito de cobrar deveres da parte do presidente. Está escrito na Constituição que o PR eleito, antes de tomar o poder, presta um juramento à Nação e por conseguinte a Comunidade Internacional.
F8 – Significa que, não há nenhuma data em que de facto, solenemente o PR prestou juramento?
AN – Exactamente. Nunca o fez.
F8 – O Presidente José Eduardo dos Santos naquilo que é considerada uma posição muito corajosa, remou contra a maré, contra o mundo inteiro e posicionou-se nitidamente a favor de Gbagbo. Para si, como terceiro mais votado nas únicas eleições presidenciais realizadas em Angola desde 1975 e na qualidade de constitucionalista, que explicação isso tem?
AN – Acho que o Presidente Eduardo dos Santos foi mal aconselhado pelos seus juristas e pelos diplomatas que o rodeiam. Nunca se viu o presidente de um país se imiscuir da maneira tão frontal, tão absoluta nos assuntos internos de outro país. Mas há razões que levam o PR a tomar partido pelo Gbagbo, tem a ver com o seu posicionamento anterior ao regime que Gbagbo chefiava, ou seja o apoio que a República de Angola e JES deram à revelia da Assembleia Nacional e consistiu no envio de forças militares em 2002 para Côte d’Ivoire e hoje, rendo a minha sincera homenagem a todos aqueles militares que de lá não regressaram e que a terra lhes seja leve. Por outro, quero dizer que tendo em conta o facto que houve um processo eleitoral que a Comunidade Internacional validou, só pode haver uma arrogância diplomática de Angola que não tem medidas. Mas isso também tem a ver com uma certa orientação que é o seguinte: antes de terem retirado a assinatura nos bancos da Cedeao a Laurent Gbagbo, ele foi retirar todo o dinheiro dos bancos e enviou para Angola. Isto é grave.
F8 – O povo marfinense está cativo, é verdade. O que acaba de afirmar que o Gbagbo esvaziou os cofres do seu país e escondeu-o cá em Angola é um bocado grave. Tem alguns elementos que podem provar?
AN – Que o governo da República de Angola venha desmentir. Sabe que esvaziar os cofres do Estado e mandar o dinheiro para fora é uma técnica que os regimes ditatoriais têm. Também se fez isso em relação a Angola durante as eleições de 1992. Outra, Mengistu Allée Marien, antes de abandonar o poder na Etiópia, levou de seu país para o Zimbabwé uma maquineta de fazer dinheiro. Até certo ponto ele conseguiu viver com esse dinheiro e claro está, isto é um crime que não pode passar por despercebido. Não havia necessidade de se fazer isso, as ingerências nos assuntos internos de outros países têm um tempo determinado. Por conseguinte, enviei uma mensagem diplomática ao presidente cessante Gbagbo, através da Embaixada, creio que recebeu, desejando-lhe votos de Bom-ano e ao mesmo tempo chamar a consciência para que aceite dignamente o resultado eleitoral e não provocar mais morticínios nem uma vergonha para própria África porque um país que acaba de realizar eleições em que há dois governos, duas assembleias, duas administrações, dois exércitos, não faz sentido.
F8 – Outra questão: África, ditaduras, presidências vitalícias. Este status quo, não é pelo facto daqueles que se vêm à testa dos estados, se reverem mais como líderes do que como presidentes num senso republicano?
AN – Isso significa que é necessário ter um “Arrière Cour”. O facto de um presidente cessante utilizar ilegalmente um dinheiro que já não lhe pertence, significa que não está seguro do futuro, é o caso de Laurent Gbagbo. Mais dia, menos dia, ele será afastado do poder. Acredito que ele tenha uma guarida real aqui em Angola ou qualquer outro país, mas com as sanções isto vai criar um maior isolamento na cena internacional e depois disso, só esperamos para ver.
F8 – Salvo alguns casos como da Libéria, os presidentes africanos marimbam-se por estarem isolados do mundo, porque encontram sempre uma guarida no continente. Será que isso os encoraja a proceder conforme?
AN – É bem possível. Nós pensamos que há necessidade de se realizar eleições legislativas, presidenciais, autárquicas ou pelo Parlamento africano no futuro. E para que no futuro não aconteçam situações como do Quénia, da Côte d’Ivoire, mesmo aqui em Angola, em que não há probidade nos resultados, em que o ditador não aceita sair do poder, juristas panafricanos desejam criar ao nível da União Africana, o Tribunal Constitucional Africano, que será a entidade multi-disciplinar, multi-linguística que vai dar os resultados eleitorais, isto para permitir que haja estabilidade, que não sejam as comissões nacionais eleitorais que não são independentes a declarar os resultados.
F8 – Como aconteceu com a Costa do Marfim em que uma das reclamações cola o Presidente da Comissão Constitucional, o ex-ministro Bakayoko, como sendo alguém de muito próximo, até mesmo parente de Gbagbo.
AN - Nesta função cometeu a fraude e não é aceitável.
F8 – Outra questão. O Presidente Eduardo dos Santos disse que não devia haver ingerência, mas o Doutor acaba de afirmar o que outros dirigentes já disseram, denunciando a presença de tropas angolanas lá. A partir deste pronunciamento que interpretação se pode fazer sobre a política internacional angolana?
AN – Ao tomar partido, só significa que ele está a ser enganado pelos juristas que o estão a aconselhar. A declaração feita por ocasião da passagem de ano e diante do corpo diplomático contraria o Ministro das Relações Exteriores de Angola, quando chamado a se pronunciar sobre a situação da Côte d’Ivoire dizia que não era necessário porque Angola não iria se imiscuir nos assuntos internos desse país e achava que a Comunidade Internacional devia ser o órgão reitor para dar uma solução pacífica a questão. Isto significava que na altura naturalmente estávamos a caminhar para um reconhecimento de júri da eleição. Não reconhecer de júri os resultados eleitorais significa que estamos a criar um precedente que não é aceitável.
F8 – Mas foi aceitável o pronunciamento de Margareth Anstee, enquanto Representante Especial da ONU em Angola para as eleições em 1992, ao declarar livres e justas as eleições em que participou com o Presidente José Eduardo dos Santos?
AN – José Eduardo dos Santos na altura aceitou e agora vem a contrariar ao não reconhecer a declaração de Young-Jin Choi, Representante das Nações Unidas nas actuais eleições da Costa do Marfim. Penso que é falta de conhecimento ou está a ser mal aconselhado a nível dos seus assessores e lamento imenso porque um chefe de Estado que quer ter um cariz regional, não pode meter assim o pé na argola.
F8 – Secessão. Os ocidentais dizem que a Democracia é um luxo para os africanos. Será que a secessão é uma alternativa para resolver os problemas africanos ou devíamos voltar a fazer nova revolução para que a Democracia se implante de facto no continente?
AN - Por exemplo, em termos da situação do Sudão mais concretamente, eu penso que estamos em presença de um acordo que permitiu ao povo do Sul do Sudão se pronunciar pela via do Referendo. Sabe que o Referendo é um instrumento jurídico que faz parte das constituições e pela qual o povo sudanês do Sul e na sua globalidade inclusive na diáspora, se pronunciou hoje e podemos saudar assim o nascimento de uma nova nação. E claro está que o pronunciamento de uma nova nação tem as suas implicações do ponto de vista internacional, económico, etc. Penso que é uma situação que foi determinada pelos acontecimentos decorrentes de há mais de 25 anos. Logo, o governo do Sudão aceitou a realização deste Referendo porque não havia outra hipótese e o aparelho de Estado sudanês foi forçado a aceitar esta situação devido ao desenvolvimento da consciência das massas do Sul do Sudão que unidas aceitaram declarar através do “um homem, um voto”.
F8 – Será que Angola está imune de um caso igual ao do Sudão?
AN – Acho que num país onde não é permitido a radiografia democrática, onde cresce cada vez mais a oposição a um regime que opera cortes substanciais no domínio da economia, é bem possível que situações desta natureza empurrem a população para os conflitos de interesse que não são regidos com a táctica, discernimento e a ponderação necessários dos governantes, pelo que leva os governados a se revoltarem e é o que está a acontecer por exemplo na Tunísia, é uma via que vai se alastrando.
F8 – Tal é o caso da Argélia, é o inimaginável que está a acontecer.
AN – O mesmo no Sudão, por conseguinte nós sabemos e os angolanos conhecem perfeitamente que se de um lado houve necessidade de assinarmos acordos com o MFA, acordo de Alvor em 1975, foi porque o povo português rebelou-se contra o sistema fascista em vigor e se Salazar e seus seguidores como Marcelo Caetano, fossem mais inteligentes e tivessem operado alterações ponderadas para criar o princípio da democraticidade em Portugal, não teríamos conhecido um golpe militar daquela natureza por exemplo em que o povo saiu à rua, porque os militares cansados de uma guerra inútil tomaram o comando das operações, então o aparelho da burguesia se desmoronou. Sublinho que em países de capitalismo avançado, o partido no poder como em Angola, não é o MPLA, não é a União Nacional, é o exército, estrutura militar e quando esta estrutura se desagrega, tem roturas, acontece o que aconteceu.
F8 – Em Angola não é o caso, não se vai dar o que se pode imaginar, aqui a estrutura militar parece estar sólida e fiel, não!?
AN – Há fracções, há clãs e há várias identidades. O que é necessário notar é que quando isso acontece e para preservar este partido, esta estrutura tem de ter a maior franja, o maior quinhão no OGE. Significa que nesses países, 70% do OGE é para Defesa, quando devia ser para o desenvolvimento económico, a estabilidade social, educação, saúde, energia, etc.
F8 –Portugal, guerra colonial; Angola, revoluções, seu desfecho de muito dependeu da elevação da consciência dos cidadãos. Porquê que os angolanos, não fazem uso da sua consciência e tomam uma decisão para acabar com este estado de coisas. É também da mesma opinião de muitos, que impera uma cultura do medo em Angola?
AN – A pergunta devia ser colocada aos tunisinos, aos quenianos, aos argelinos, aos sudaneses, a juventude panafricana que, sabendo que estão numa situação extremamente difícil, 79% da população sem emprego, vivendo numa situação de miséria, levou-os à exasperação.
F8 – Acredita neste panafricanismo em Angola com base a consciência nacional?
AN – Acredito que quando o povo entende que a opressão chega a um patamar já insustentável, diz basta.
F8 – E o angolano um dia vai dizer basta em Angola?
AN – O angolano diz basta nos autocarros, nos táxis, nas empresas…
F8 – Mas não passam disso.
AN – É a tomada de consciência, naturalmente já não estamos em 2008.
F8 – A realidade é que, até as elites, professores, quadros em geral que se manifestam no escuro ou na clandestinidade e se queixam da dita morte social porque lhes são negados direitos básicos e essenciais para poderem existir condignamente, fogem a qualquer pronunciamento aberto sobre a situação. Que explicação isso tem?
AN – Essa inteligência que se recusa a levantar a voz para dizer que está a morrer e que eu considero como barrigas de aluguer, não pesam na história. É a juventude organizada, são os sindicatos que rompem com o servilismo vis-à-vis da instituição do poder de Estado que negoceiam e discutem com o Partido no poder. Numa discussão, num diálogo, há cedências de parte à parte, mas quando acontece que o Partido no poder não quer ceder, não pretende ceder, então em princípio a rotura tem que acontecer em qualquer sítio.
F8 – Esta imersão inesperada da juventude tanto da Tunísia que levou a fuga do Presidente da República, Ben Ali ou dos argelinos, pode-se considerar um ponto de viragem crucial da África para uma democracia semelhante à dos países que avançam?
AN – Os jovens da Tunísia na sua maioria tomaram consciência do estado de miséria em que vivem, uniram-se e espontaneamente passaram ao acto para reivindicar melhores condições de vida, que sejam tratados como racionais, reivindicaram medidas que lhes tiram do desemprego, da degradação social e da miséria em que vivem. Lembre-se daquela situação que se criou em Moçambique quando o governo decidiu aumentar sem qualquer negociação os preços dos produtos básicos; o que aconteceu, o povo veio manifestar, sem medo da repressão da polícia, desafiou as balas, houve mortos. E no seio do próprio governo, houve posições contraditórias. O governo foi forçado a fazer marcha atrás porque reconheceu que estava num caminho errado. Por isso, em Angola, naquilo que chamam o Executivo, as posições não são convergentes. Por este motivo é que há as demissões ou exonerações em continuidade.
F8 – Esta metodologia encontrada em colocar um Executivo para se pronunciar em nome dos ministros, ou termos de esperar que passe quatro meses para que tenhamos explicações do porquê dos problemas e das insuficiências, acha ser a mais acertada?
AN – Não é. Ele escuda-se nos funcionários ou seus auxiliares que utilizando os procedimentos das comissões e quando não conseguem fazer o trabalho o que acontece é a demissão. Não é normal que um PR não seja responsável de nada. Mas quando há uma situação difícil, por exemplo, no domínio da TAAG, da Energia, da Água, da Educação, da Saúde, são apontados os dedos aos assessores. No fundo sabemos perfeitamente que as orientações que vêm de cima são para ser cumpridas e essas orientações são erradas.
F8 – Sobretudo esta forma de informe, em que não se dá o espaço de debate, está-se a dar uma imagem ao mundo que em Angola está tudo bem.
AN – Mesmo na Assembleia Nacional havia de ter espaço para o debate aceso e contraditório. Vejamos o que se faz noutras democracias, é isso que eu pretendo, mas que não se passa em Angola. Deviam debater chamando a oposição para dar sua opinião. Mas os partidos políticos que não têm tal assento no Parlamento, não são, nem tidos, nem achados. Eu gostaria de debater com quem quisesse para que observássemos as situações no domínio socioeconómico e outras questões referentes a actualidade, mas naturalmente isso não é feito, porque não há vontade política.
F8 – No seu ver, existe patriotismo angolano, sobretudo no aspecto identitário?
AN – Este patriotismo está muito deficitário.
F8 - E acredita que nesta situação, Angola existe como tal?
AN – Naturalmente quando o patriotismo é mal feito, é mal gerido pelos dirigentes que deviam dar o exemplo, o que é que quer que se faça? Não devíamos nos esquecer que o patriotismo é uma ideologia que deve fomentar a unidade nacional.
F8 – O que mais parece é que Angola é cosmopolita. Normalmente acontece a nível das capitais, mas no contexto angolano é na sua dimensão quase global. Que opinião tem sobre isso e que legado vocês pretendem deixar?!
AN – O legado que o Executivo está deixando é o sistema da corrupção que a juventude vê. Há a possibilidade de mudar este estado de coisas, mesmo a nível das terras que é um problema sério em que se prefere manter as terras ao abandono, em que as populações são desapossadas, em tudo isso quem manda, quem governa é uma elite que não deixa que o fruto das nossas riquezas seja redistribuído para as populações, que se contenta com a propaganda do género: “construção de um milhão de casas”.
F8 – Mas o Executivo jamais fez menção a isso!?
AN – Mas tínhamos dito que isso era inviável, mesmo para a juventude quando se diz que vocês vão ter uma casa, uma casa que custa 35 mil dólares, onde é que vai encontrar esse dinheiro se o Micro-crédito funciona ao nível de 500 dólares, se por outro lado não se lhes dá a possibilidade de poder pagar as casas que são anunciadas. Isto é um episódio, um paradoxo.
F8 – Mas a juventude pára por aí, algumas lamentações, alguns cochichos e nada mais.
AN – Penso que não, ela tem a sua maneira de reagir. A organização da contestação política e ideológica, isso é importante.
F8 - Dizem que a reacção é mais imediata e intensa quando for em questões de tribalismo, conflito Norte/ Sul.
AN – A rotura para um regime democrático em Angola não pode passar pelo tribalismo, mas pelo contrário por uma unidade de acção política em que os valores democráticos devem ser preservados e é o apelo que lanço à juventude para que, de uma maneira ponderada fazer a unidade a volta de princípios democráticos e não a volta de princípios retrógrados.
F8 – Quando se fala de nacionalismo, é xenofobia?
AN – Não é. Em Angola até diz-se que nós temos várias nações.
F8 – Inclusive a chinesa?
AN – Sim. Até hoje já se pode ver que há desempregados chineses que afluem para encontrar emprego em Angola e eu não vejo juventude desempregada que vai para China trabalhar. Pode ir um ou dois, mas não em massa. E por outro lado gostaria de tirar a atenção que em situações de eleição, nós temos que pedir ao governo a não importação de mão-de-obra que sobre capa de trabalhadores de uma empresa, são no fundo soldados. Isto aconteceu em 2008. Havia chineses e brasileiros que não eram trabalhadores, eram soldados para defender, não sei o quê. Agora eles foram-se embora e pergunto: como ficaram as estradas? Esburacadas.
F8 – Há dados e factos para comprovar? Também é uma acusação muito grave.
AN – Continuo a desafiar que me venham desmentir.
F8 – Uma das consequências é o índice de suicídios dos jovens, que não se faz nenhuma referência. A que se deve isso?
AN – É o desespero de uma parte da sociedade. Uma forma de demonstrar que, já que estão cansados, então eu vou meter fim à minha vida.
F8 – Será isto um acto de desespero ou cobardia? Por exemplo, a Revolução Social agora na Tunísia, começou com a imolação de um jovem, mas diante de uma instituição de Estado.
AN – E isso criou um mecanismo de rotura e revolta colectiva. Houve situações desta natureza em Angola que foram facilmente abafadas, estou a referir-me daquele caso da Mingota, diante do Hospital Américo Boavida.
F8 – Mas não houve sequência!
AN - Isto demonstrou que a mentalidade ainda não cresceu.
F8 – Acredita que o PR vai convocar as eleições para 2012?
AN – Que tipo de eleições? Em princípio nós pensamos que deveria ser criada uma Comissão de Revisão Constitucional.
F8 – Nessa altura, a convocar-se as eleições, qual é a opinião do PDA nesse sentido?
AN – A criação de uma Comissão de Revisão Constitucional para um diálogo construtivo e para o esclarecimento da Nação, afim de 1º - Rever o procedimento da eleição democrática do PR.
F8 – Mas perca de tempo e só vantagens para o Partido no poder. E qual a modalidade a inovar sobre o escrutínio, contagem dos votos, anúncio dos resultados, para se evitar uma situação análoga a da Costa do Marfim?
AN – Eu proporia uma Comissão Eleitoral Independente. E mais: como nós estamos no grupo da CPLP, SADC, esta Comissão poderia ser dirigida por um influente de uma outra organização africana.
F8 – E se fosse convidado a dirigir a Comissão Eleitoral, aceitaria ou vai se candidatar?
AN – Não aceitaria porque o meu Partido no Congresso 2007, deu-me o voto para me candidatar afrente do PDA.
F8 – Há aqui uma contradição, diz que o Presidente Eduardo dos Santos não foi eleito, por isso não tem poderes tanto para promulgar uma Constituição, como para convocar as eleições, mas é ele que continua nas vestes de PR e vocês forçados a cumprir.
AN – Repito, um presidente não eleito não pode convocar eleições. Nós estamos num Governo completamente ilegal e é só por causa do facto que o aparelho do poder que se baseia na ilegalidade rasgou a Constituição de 92 e a partir daí, é um Governo de facto e não de júri.
F8 – Terminamos as nossas questões. Entretanto, em três palavrinhas, como terceiro mais votado nas presidenciais de 92, como Presidente do PDA e consequentemente futuro candidato às próximas eleições, que mensagem deixa para os angolanos e não só?
AN – Angola é um país que precisa de se reencontrar. Ao Presidente da República e como disse Voltaire: “O rancor é uma despesa improdutiva”! Sabe que a falta de diálogo, a falta de comunicação e o rancor que o governo tem, não serve os interesses dos angolanos.
F8 – O rancor também é violência?
AN – Sim.
F8 - Mas o Presidente Eduardo dos Santos, pugna pela não violência.
AN – Apenas na teoria. Em relação a minha própria pessoa, é esquisito o rancor que ele tem por mim, não percebo.
F8 – Como é que nota. Soube que um desses dias foi escorraçado no portão do Palácio quando pretendia pedir uma audiência com o PR?
AN – Vê-se na maneira como por exemplo, quer me afastar. Não é porque protocolarmente me queira instalar. Por exemplo, isto aconteceu em 2008, houve uma orientação directa dada ao Tribunal Constitucional para que eu não concorresse nas eleições. “Alberto Neto? – Não. Não pode concorrer”.
F8 – Isto foi expresso?
AN – O PR pode confirmar isso.
F8 – Provavelmente a documentação estava omissa?
AN – Tinha a documentação toda completa. Simplesmente quando se dá uma orientação a um Tribunal lambe botas é isso que acontece.
F8 – O Executivo ainda agora disse que vai trabalhar para refinar o aparelho de justiça, finalmente não é independente, como garante da Democracia?
AN – É uma justiça de facto, não é uma justiça que é verdadeira. O direito de exclusão é algo de negativo para o desenvolvimento da Democracia em Angola. Por isso, para as zungueiras, os jovens, trabalhadores, sindicalistas e tudo mais, exorto que tomem consciência que estão a ser excluídos e é a partir dos seus rendimentos que podem verificar e avaliar este movimento de exclusão.
F8 – Um breve comentário sobre a política de requalificação das cidades.
AN – Em princípio isto é um crime. Não se percebe com o dinheiro que se tem, até agora não é possível se fazer eleições autárquicas para se determinar dirigentes autarcas em determinados municípios e tomarem conta dos seus próprios cidadãos. As populações que estão a ser empurradas para lugares inóspitos, naturalmente é uma violação dos direitos humanos. Mas um dia isto vai acabar. Mais tarde esse será o cadinho que vai fazer despoletar uma revolta. É necessário que o governo pondere seriamente essas expropriações e as consequências que daí resultarão.
F8 – Mais alguma coisa?
AN – Queria também dirigir-me aos colegas dos partidos da oposição. Nesta sala tem entrado dirigentes com quem temos trocado opiniões e acho que é necessário que continuemos, que o figurino para as próximas eleições legislativas ou presidenciais transcorra de maneira que haja unidade para que consigamos então obter os resultados que o nosso eleitorado muito espera.
F8 – Acha que há muita dispersão e apela para uma união de esforços?
AN – Não é que haja muita dispersão. Há pouco empenho da oposição em realizar as situações de preparação das eleições.
F8 – Diz-se que a UNITA não consegue apontar o Norte para o conjunto da oposição. É da mesma opinião?
AN – Por exemplo, não é fácil falar-se com o Presidente Samakuva.
F8 – Já alguma vez solicitou um encontro; acha que este “a parte” de Samakuva favorece o MPLA?
AN – Eu telefono para conversarmos e não há resposta. Isto pode favorecer o senhor José Eduardo dos Santos, sim senhora.
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