No dia 08 de Dezembro de 2010, três forças políticas da oposição ao defunto governo de Angola, hoje Executivo, endereçaram uma missiva ao presidente da República sugerindo-lhe uma intervenção relacionada com a crise que nessa altura eclodiu na Côte d’Ivoire, depois de os resultados das eleições que davam a vitória a Allassane Quattara terem sido transformados por iniciativa de uma instituição de estado afecta a Laurent Gbagbo no seu contrário, quer dizer, considerando que foi este último que ganhou as eleições em detrimento do seu declarado vencedor pela declaração da delegação da ONU.
Nessa altura a situação criada por este contencioso gerou um clima de revolta a ameaçar a eclosão duma guerra civil. E não tardou que se multiplicassem os mujimbos assegurando que tinham chegado mercenários angolanos a Abidjan, capital do país. Luanda desmentiu imediatamente e com a devida indignação essa informação, considerando-a como sendo mais um atoarda visando denegrir o bom(?) nome de Angola.
Mas, logo a seguir, veio de lá não se sabe de onde, um jornalista português especialista em assuntos francófonos, um chamado Rui Newman, que disse à VOA que os angolanos presentes na Côte d’Ivoire, não eram mercenários, mas sim tropas das FAA - Forças Armadas de Angola!
Pior a emenda que o soneto! Vergonha nossa se fosse verdade. Tanto mais que o porta-voz de Allassane Ouattara afirmou peremptório ao correspondente da VOA em Abidjan que os mercenários angolanos e liberianos tinham sido contratados “para matar apoiantes de Ouattara”. Até hoje essa questão não foi esclarecida, estamos todos, portanto, à espera que a verdade, como o azeite na água, venha ao de cima.
Enquanto a situação em Abidjan se ia degradando malembe malembe, em Angola, observava-se uma tomada de posição superiormente dirigida por JES, que se resumia a não dizer nada sobre esse assunto, o que condicionou com toda a certeza a resposta que foi dada pelo Executivo aos três subscritores da missiva a que fizemos referência no início deste artigo.
Essa resposta, exarada pela Casa Civil do Presidente da República por intermédio da sua Secretaria para os Assuntos Políticos e Constitucionais, dizia exactamente o seguinte:
«Exmos. Senhores,
Servimo-nos da presente para acusar recepção da vossa carta datada de 8 de Dezembro de 2010, dirigida a sua Excia. O Presidente da República. No documento sugerem que o Poder Executivo da República de Angola emita uma declaração oficial do Estado sobre o que consideram ser uma “crise política” na Côte d’Ivoire.
O assunto levantado por Vossas Excelências mereceu a atenção dos órgãos componentes do Estado, tendo sido objecto da análise que se mostrou necessária.
Destarte, Sua Excelência o Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil imcumbe-nos de vos informar que não poderá ser feita a referida declaração, tendo em conta que o Estado angolano respeita o princípio da não intromissão nos assuntos internos de outros Estados e respeita as instituições de outros Estados.
Sendo tudo de momento, aceitem as nossas cordiais saudações.
Secretaria para os Assuntos Políticos e Constitucionais
Luanda, aos 20 de Dezembro de 2010
O Secretário
Francisco Queiroz
Foi deste elegante modo que se manifestou o presidente José Eduardo dos Santos, sem se manifestar, mas manifestando-se mesmo assim, por nele repousarem ou se agitarem todos os bens e todos os males das suas decisões, assim como as que os seus colaboradores mais próximos ousam por vezes tomar. A Côte d’Ivoire é país soberano, Angola não tem nada que se meter nos seus assuntos internos.
Ponto final.
O Chefe decidiu que seria assim, assim seja (Amém, em latim)
Mas, passados pouco mais de 15 dias, duas semanitas e um “cochito”, sobre a data patente neste documento da Casa Civil, mas precisamente no 14 de Janeiro, que vemos nós, de olhos esbugalhados, ouvidos estonteados, boquiabertos?
Ouvimos um discurso arrasador, como que vindo do âmago de um ivoiriense, mas era de um amigo do executivo angolano, como se o país se devesse colocar em bicos de pés contra todo mundo, como referência incontornável de democracia, onde não se prende, nem se assassinam opositores, jornalistas e intelectuais da sociedade civil.
"Somos, portanto, da opinião que qualquer intervenção militar, no caso particular da Côte d'Ivoire, teria um efeito perverso, com consequências gravosas para além das suas fronteiras. Temos apreensão quando são propostas soluções militares para resolver crises como a da Côte d'Ivoire, ignorando as normas do Direito interno e internacional e, por vezes, a própria evidência dos factos.
Os factos dizem concretamente que o presidente da Comissão Eleitoral divulgou os resultados da segunda volta da eleição presidencial, quando já não tinha competência para o fazer, uma vez que o prazo para o efeito definido por lei estava ultrapassado e que o processo tinha passado, para devido tratamento, para o Conselho Constitucional.
O representante das Nações Unidas na Côte d'Ivoire, prosseguiu, numa atitude precipitada, certificou e anunciou esses resultados, quando a resolução pertinente das Nações Unidas refere que a certificação deve incidir sobre os resultados eleitorais validados pelo Conselho Constitucional, que ainda não se havia pronunciado.
Essa declaração do representante das Nações Unidas induziu em erro toda a Comunidade Internacional, porque o Conselho Constitucional não validou os resultados provisórios divulgados pelo presidente da Comissão Eleitoral, por ter aceite as reclamações e queixas de irregularidades e fraude graves que punham em causa esses resultados.
O Conselho Constitucional é, na verdade, o único órgão com competência legal para validar e publicar os resultados finais das eleições e, nos termos da lei, deveria recomendar a realização de novas eleições no prazo de 45 dias, mas assim não procedeu e divulgou resultados que davam vitória a outro candidato. Apreciados estes factos, é difícil para Angola aceitar a existência de um presidente eleito na Côte d'Ivoire.
Consideramos, no entanto, que há um Presidente Constitucional, que é o actual Presidente da República, o qual se deve manter até à realização de novas eleições, como estabelece a lei eleitoral desse país.
A dificuldade maior agora é que os 45 dias já não são suficientes para criar o clima propício, e a actual situação de crise complica ainda mais este quadro.
Por isso a África, através das instituições competentes da União Africana, deve fazer prova da sua maturidade, experiência e habilidade, para resolver os problemas do continente, mesmo os mais complexos e delicados, não esperando soluções inadequadas, impostas do exterior”.
Vemos, ouvimos este conselho e visão de um JES, soberano vindo a terreiro com ares de profeta escolhido por deus, dar a sua opinião sobre o monstruosos erro que a humanidade inteira está a cometer em detrimento do seu amigo Laurent Gbagbo: a ONU precipitando-se no anúncio do resultado das eleições, induzindo em erro toda a comunidade internacional, o mundo inteiro arrastado para um erro sem remissão, quando em boa verdade, verdade seja dita, na Côte d’Ivoire, segundo Ele, só há, actualmente, um presidente, e esse é Gbagbo.
Lógico.
Temos de convir, JES ao falar assim agiu segundo uma lógica imparável. A seu ver, Gbagbo é o presidente da Côte d’Ivoire, como ele próprio é presidente da República de Angola sem nunca ter sido eleito. Presidentes constitucionais, eis o que ambos são. Por assim dizer, irmãos, numa mesma luta pela noção “up to date”, de Presidente Constitucional.
A única diferença entre os dois é que se Gbagbo nem sequer chegou a ser reconhecido como tal, JES já está no poder há mais de trinta e um anos. E esse, dizem uns é o grande mal de Angola, enquanto outros, do séquito, acham o contrário.
Lembremo-nos do que se passou na guerra civil. Savimbi, considerando-se espoliado nas eleições de 1992, decidiu fazer a guerra ao defunto Governo do MPLA para alcançar o poder político. Quando as coisas começaram a correr-lhe mal propôs a paz. Mas nessa altura quem quis fazer a guerra (lembremo-nos também de Marcolino Moco) dizem algumas fontes e dados, teria sido o actual Presidente da República, alegando já não mais confiar nas palavras de Savimbi, logo só havia uma saída a guerra para a eliminação do líder rebelde que viria a acontecer, em Fevereiro de 2002.
Como é que nesta sua aparição pseudo-profética vem José Eduardo dos Santos enaltecer o diálogo, incensar a aproximação entre irmãos para alcançar a paz na Côte d’Ivoire?
Estamos a brincar com quê e com quem? Infelizmente cremos que estamos é a brincar com os vários povos e etnias angolanos.
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