terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CRÓNICA. Um livro novo


Marta Fernandes de Sousa Costa*
Entre as mensagens recebidas, no final de dezembro, uma despertou atenção especial: referia-se ao novo ano como um livro em branco, onde cada um poderia escrever o que lhe apetecesse. Seria interessante se, a cada trezentos sessenta e cinco dias, tivéssemos oportunidade de recomeçar do zero. Imagine a possibilidade de esquecer tudo o que se fez de errado, as baboseiras proferidas, as injustiças que se sofreu. Livrar-se das mágoas e das culpas, renascer e encontrar um mundo novinho à disposição. Contando com a experiência já adquirida, que maravilha seria.

Mas a má notícia (de vez em quando há alguma) é que não há recomeço do zero. As páginas do nosso livro começam a ser escritas quando nascemos. Dali em diante, páginas podem ser acrescidas, mas cada uma das anteriores conserva o seu significado e a sua importância. Às vezes a gente tenta arrancar alguma, fingindo que nada daquilo aconteceu, mas em geral descobre que o livro não era em espiral, por isso as páginas arrancadas ameaçam a estrutura.

Rasga-se uma folha, cortando relacionamentos, por exemplo, mas sempre sobra uma parte, fazendo-se presente, quando menos se espera. Também descobrimos, ao longo da vida, o peso de todas as decisões anteriormente tomadas. Cada escolha feita traz consigo um leque de conseqüências. A escolha dos amigos, dos parceiros sexuais, do marido ou da mulher, do curso para o vestibular, de estudar ou vadiar, do local onde morar, de ter filhos ou não, do tipo de educação para proporcionar aos filhos, cada uma dessas escolhas é determinante do futuro que nos aguarda.

Geralmente, no momento de decidir, não nos apercebemos do peso da decisão. Principalmente quando somos jovens, a tendência é acreditar que temos o poder, podemos resolver pelo mais cômodo (vestibular para o curso mais fácil, por exemplo); depois tudo se arranja, sempre se arranjou _ a gente acredita. A vida ensina o contrário, mostra que teremos que nos responsabilizar pelas nossas decisões, quando menos esperarmos. A profissão escolhida, por exemplo, pode não ter o mercado desejado ou tê-lo assoberbado.

Embora seja possível, em alguns casos, reverter a situação _ como quando alguém cursa outra universidade, por compreender que está na profissão errada, ou quando tem a coragem de mudar de emprego _ nem sempre essas mudanças são possíveis.

Se nos descuidamos, as escolhas feitas podem aprisionar, fechando o cerco. Certo dia, percebemos que perdemos o poder de decidir, agora é seguir em frente, acomodar-se. Por isso, talvez, a mensagem de final de ano perturbou: pela impressão transmitida de que, facilmente, a cada início de ano se teria a oportunidade de recomeçar do zero. Não é boa a idéia de cultivar a ilusão de que se recomeça do zero. Não existe essa possibilidade. A vida é feita de um passo atrás do outro e cada um é importante, nessa caminhada. Pensar diferente é arrumar confusão.

Levar alguém a crer, ingenuamente, que seus atos presentes não têm importância, pois sempre é hora de recomeçar, é induzir ao erro. Mas pode-se acreditar, com plena convicção, que, mesmo arcando com as conseqüências, precisamos ter a coragem de mudar, quando nos sentirmos inconfortáveis em alguma situação que compreendemos jamais mudará. Porque a vida também ensina que cabe a cada um batalhar pela sua felicidade e paz de espírito.

*www.martasousacosta.com

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