domingo, 9 de janeiro de 2011

Aguinaldo Jaime, o homem dos americanos



O actual presidente da ANIP, Agência Nacional de Investimento, Aguinaldo Jaime, é, até ao momento, o dirigente angolano que pode estar quase proibido de viajar para os Estados Unidos sob pena de lá ficar retido para responder a um processo-crime por tentativa de falsificação (destino suspeito dado a um documento). No caso vertente, trata-se de um cheque de 50 milhões de dólares. A ocorrência remonta a 2001, e vamos, portanto, fazer uma retrospectiva dos acontecimentos para melhor compreender o que se passou. Comecemos pela parte final da história

Como tudo já ia mais ou menos a periclitar no Reino do Ngola, no que toca à sua imagem no estrangeiro, no dia 5 de Fevereiro de 2010, uma comissão do Senado americano ouviu atentamente detalhes palpitantes, cuja apresentação fora exigida por ela, sobre a movimentação de milhões de dólares de vários países africanos, incluindo Angola, em esquemas relacionados com o desvio e lavagem de fundos dos respectivos governos.
Nessa audiência, vários casos envolvendo Angola foram abordados, nomeadamente a transferência de milhões de dólares para e por Pierre Falcone, o empresário a cumprir pena de prisão em França por tráfico de armas para Angola e que, juntamente com os seus familiares, terá usado qualquer coisa como 29 contas diferentes, só no Bank of America, é obra, entre 1989 e 2007 para movimentar milhões de dólares em fundos que o relatório considera de suspeitos.

O comité do Senado que investigou a questão tinha de facto localizado 60 milhões de dólares em actividades repletas de pontos de interrogação sobre a qualidade, limpeza e transparência dos seus destinos, o que na realidade não passava de um acréscimo considerável ao que tinha acontecido entre 1999 e 2007, espaço de tempo em que Pierre Falcone esteve envolvido em inúmeras transacções mais que suspeitas.

Recorrendo ao lendário pragmatismo norte-americano, o ainda venerável Bank of America (pelo menos até ao desvendar do WikiLeaks) encerrou as contas de Falcone em 2007. Para ser mais preciso no que se refere a esta fatia do colossal bolo monetário em jogo, veio a público William Fox, do Bank of America a fazer uma espécie de mea-culpa, admitindo que o banco deveria ter actuado ante e de muito melhor maneira no caso de Pierre Falcone, muito antes, teria sido mesmo muito mais eficaz se tivesse começado a agir em 1999 e 2003, quando recebeu em diversas das suas contas mais de seis milhões de dólares de clientes que não foram identificados.

Ora, como toda a gente sabe, esse Monsieur Pierre Falcone estava nessa altura unido, como unha à carne, nas negociatas bélicas de JES e às suas transferências bilionárias, o que certamente criou algumas cócegas nas orelhas dos investigadores americanos quando se depararam com um outro caso envolvendo uma tentativa do antigo governador do Banco Nacional de Angola e antigo vice-primeiro-ministro, Aguinaldo Jaime, o qual, fazendo um “bras d’honneur” à legislação americana, transferiu 50 milhões de dólares para uma conta privada através de bancos americanos.

Não é um banco, atenção, foram várias transferências e vários os bancos que serviram para realizar essas transferências.

A partir desse momento tudo se complicou. Eis que entra então em jogo a ONG Human Rights Watch, e o que vemos é o seu dirigente, Arvind Ganesan, vir a público dizer que neste caso dois bancos americanos o Bank of America e o Citibank consideraram a operação de suspeita. O Citibank acabou mesmo por fechar os seus escritórios em Angola.

Esse homem, director para questões empresariais na organização de direitos humanos Human Rights Watch, disse também que Aguinaldo Jaime "tentou transferir 50 milhões de dólares do banco central para os Estados Unidos sob pretexto de que se tratava de fundos para ajuda humanitária". E acrescentou, "O banco, nos Estados Unidos, considerou a operação de suspeita e devolveu o dinheiro. Dois meses depois em Agosto de 2002 ele tentou a mesma coisa em conjunto com vários outros indivíduos. Mais uma vez o banco considerou isso de suspeito, disse aquele especialista. Outro banco que teria estado envolvido nas tentativas de Aguinaldo Jaime para transferir dinheiro foi o HSBC que teria sido também usado para a compra de títulos do tesouro americano por entidades angolanas.

O “Pára o Baile!” do Tio Sam
A propósito deste contencioso, o senador Carl Levein disse que a corrupção deve ser combatida em todos os locais porque destrói a lei, o desenvolvimento económico e a sociedade civil, juntando a sua maneira de ver à de Arvind Ganesan, segundo o qual “a transferência ilícita de fundos afecta também o bem-estar das populações dos países visados”.

Dando como exemplo o caso de Angola, Ganesan (Human Rights) recordou que um relatório publicado pela sua organização em 2004 indicou que entre 1997 e 2002 - na altura em que Aguinaldo Jaime era ou director do banco central ou vice primeiro ministro - quatro mil e 220 milhões de dólares desapareceram. Nesse mesmo período o gasto total para questões sociais e humanitárias em Angola foi de quatro mil e 270 milhões de dólares.

"Durante esse mesmo período, todos os principais padrões de desenvolvimento caíram. Quer seja saúde, ou educação ou outro serviço essencial ou necessidade poderiam ter sido melhorados se os quatro mil milhões de dólares que desapareceram tivessem sido investidos em favor do povo angolano em vez de terem sido esbanjados, mal administrados ou roubados," disse o especialista.

Arvind Ganesan da Human Rights Watch disse ainda apoiar medidas para que os corretores de propriedades sejam obrigados a saber a proveniência de fundos usado na compra de propriedades nos Estados Unidos.

Enfim, a verdade é que em Angola anda-se a brincar com dinheiro. É uma festa! Que, neste caso foi cancelada com uma espécie de “Pára o Baile!” imposto por parte das autoridades americanas, quando decidiram no mês de Agosto de 2010 cancelar todas as contas bancárias da embaixada da Angola e dos membros da mesma nos EUA.

O caso visto do lado angolano
Quando Aguinaldo Jaime era governador do BNA, nessa altura disse ao Presidente da República que três indivíduos de origem árabe, teriam 3 mil milhões de dólares para doar a Angola, bastando tão-somente que o Governo emitisse uma garantia bancária de USD 50 milhões de dólares.

A equipa económica de então, liderada por Júlio Bessa, na altura ministro das Finanças, rejeitou a proposta por achar estranho que os homens das Arábias de pé para mão se encantassem pelos lindos olhos dos angolanos

No entanto, ao que parece, o governador do BNA teria levado também a proposta a JES e este teria anuído à proposta, uma vez os cofres do Estado na altura estarem quase vazios e ser preciso continuar no esforço de guerra.

Terá sido com esta cumplicidade de JES que Aguinaldo Jaime, à revelia do seu superior na equipa económica, Júlio Bessa, decidira ir ao gabinete e emitir por sua conta e risco uma garantia bancária.

Dez dias depois os americanos accionam a sua representante em Angola, a actual governadora do BANCO Central de Cabo Verde, que se desloca ao ministério das Finanças para questionar o ministro Bessa, sobre se este teria anuído a operação, como máxima entidade cambial. Este, antes de responder, liga ao Presidente da República, que ter-lhe-á dito que não sabia de nada.

Júlio Bessa diz isso aos americanos e estes cancelam a operação. Informam ao Departamento do Tesouro, que, por sua vez informa ao Congresso. A comissão do Congresso enviou várias cartas ao Governo e a Presidência da República e ao próprio governador do BNA e estes calaram-se, nunca responderam.

Assim sendo, com o autismo angolano a internacionalizar-se, o processo foi endereçado aos tribunais, onde ainda lá está. É que apesar de a operação ter sido abortada, ficou patente a tentativa, que nos Estados Unidos, tal como em Angola, é crime.

É neste quadro que corre um processo de suspeição contra Aguinaldo Jaime, para quem, neste momento seria muito perigoso, ir de viagem aos States e mesmo a alguns países da Europa, sob pena de vir a ser preso e deportado para as terras do Tio Sam.

“A actual administração norte-americana tem de Angola uma opinião pior que a da antiga equipa de Georges Bush. A principal razão é sem dúvida a corrupção, considerada “galopante”. Curiosamente, vale pelo momento a Angola a intervenção eficaz da China e a recomposição, em curso, de relações com países como a Rússia, que temperam, sem dúvida, os anseios justiceiros dos EUA. Trata-se, na realidade de um jogo delicado de equilíbrios em que Angola vai ficando “ligeiramente” mais exposta a pressões dos EUA e dos países ocidentais em geral, por efeito de “limitações” impostas pela China às suas anteriores políticas de concessão de créditos. “O congelamento das contas da embaixada e relatórios do Senado considerados muito críticos da situação em Angola, são já vistos como afloramentos de uma nova capacidade de pressão – ainda que velada e ditada por critérios como a de que outra, mais ostensiva, não é oportuna”, diz Xavier de Figueiredo do África Monitor.

De qualquer modo, Angola sai-se deste imbróglio com uma péssima aparência na fotografia e uma boa quantidade de penachos seus, quase todos artificiais, a perderem-se pelo caminho.


Um comentário: