Por ocasião do reatamento da guerra depois das eleições fracassadas de 1992, muita gente foi obrigada a fugir das suas terras de origem por razões óbvias de sobrevivência. A cidade do Lubango não escapou às consequências dessas efémeras transumâncias humanas e viu-se a braços com a chegada de muita gente vinda das cidades, bualas e outros centros urbanos do sul do país.
Kuiba Afonso & Arlindo Santana
Entre essa massa de gente, chegou a essa cidade um grupo de pessoas que ocupou um prédio mais ou menos ao abandono e ali assentou arraiais a defeito de poder encontrar outro abrigo mais digno. Logo começou a luta para melhoras as precárias condições de vida e, malembe malembe, todo esse grupo de refugiados foi transformando o prédio, que servia de quartel-general a bandos de meliantes locais, em local condigno e minimamente confortável.
Cientes do bom trabalho que fizeram, foi criada uma comissão de moradores, dita “Comissão de Moradores do Prédio 4 Cine - nome pelo qual é conhecido o referido imóvel -, que recentemente enviou uma exposição a algumas entidades de relevo, nomeadamente Paulo Cassoma, presidente da Assembleia Nacional, António Bento Bembe, “Representante dos Direitos Humanos”, Julião Mateus Paulo “Dino Matross”, secretário-geral do MPLA e Dr. David Mendes, da Associação “Mãos Livres”, no sentido de exporem as suas preocupações a propósito de um anunciado despejo que os poderia obrigar a sair das suas moradias onde habitam, por assim dizer quase todos eles, há cerca de 18 anos.
Voltando atrás no tempo, vejamos como tudo começou.
Em 2007, o então governador da Huíla, Francisco Ramos da Cruz, fez uma visita ao imóvel, considerada normal pelos seus habitantes. O dirigente limitou-se a observar o prédio sem se mostrar interessado em estabelecer contactos directos com os moradores. Surpresa foi no dia seguinte.
No seu noticiário da 12H30, a Rádio Huíla mandou para o ar uma notícia-bomba que atingiu de chofre todos os moradores do prédio 4 Cine, segundo a qual os moradores do 4 Cine seriam desalojados depois de terem recebido atempadamente terrenos, materiais de construção e uma determinada quantia monetária a fim de suportarem encargos e despesas relacionados com o seu realojamento em local a indicar futuramente.
Dias depois apresentaram-se no imóvel os representantes da Administração Municipal para fazer o levantamento de todos os moradores do prédio. Fizeram o trabalho e depois ordenaram que fosse levantada uma vedação em chapas de zinco que viria a ser realizada pela AAPCIL.
Foi no seguimento destas movimentações inquietantes que os moradores decidiram criar uma Comissão de Moradores, que tinha por principal objectivo entabular negociações e se possível um bom diálogo com a Administração Municipal.
Em meados de 2008 a Comissão recém-formada foi então convocada pelo administrador Virgílio Tyova, que lhes confirmou que seriam desalojados mas que receberiam um terreno. Só terreno? Só terreno! Alto lá, não é que estava combinado, então os materiais de construção e o dinheiro… como é? Bom, isso ver-se-ia depois, sublinhou Tyova, e propôs que fossem inspeccionar o terreno, do qual seria atribuída uma parcela a cada um dos chefes das famílias residentes no 4 Cine.
Foram ver o terreno, a propósito do qual a “Exposição da Comissão de moradores diz: « (…) o local não é adequado», com uma explicação assustadora, «É uma mata fora, sem água, sem energia eléctrica nem estrada de acesso», a uma revelação ainda mais carregada de nuvens negras, «Estamos preocupados, porque os funcionários da AAPCIL dizem que estão a preparar tendas para preparar o nosso desalojamento, para uma área sem nenhuma condição de habitabilidade».
A medalha e o seu reverso
A medalha é bonita, pese embora o facto de ela ser imposta a pessoas que não a desejavam. O defunto governo de Angola e agora o efémero Executivo decidiram, está decidido. Sem dar a mínima explicações, RUA! Expulsam das suas moradias cidadãos respeitáveis que as ocupavam desde 1992/93, sem a mais pequena marca de consideração, como se fossem animais.
Prometeram dar terreno a todos, casas novas, materiais de construção quanto baste e dinheiro, mas na prática apenas lhes mostraram uma mata com macacos e outras bestas da selva à espreita. Os moradores do prédio 4 Cine ora tratados como cães a quem se tira a casota e são postos na rua atirando carne para o meio da calçada para eles saírem de casa!
Ora o que os moradores do prédio 4 Cine pedem não vai além do que se pode exigir de um governo responsável, quer dizer, que os cidadãos implicados nesse despejo sejam desalojados em condições dignas, com um alojamento de substituição previamente preparado para os receber e uma justa indemnização.
Dizer que todos estes atentados à dignidade se perpetram numa repetição de actos de despejo cometidos “éne” vezes desde que Angola é independente, já se tornou ladainha de pessoas que acreditam num futuro de Angola em que as coisas melhorarão, o que não passa de um simples acto de fé, à maneira de crentes que rezam para que Deus os tire da miséria. Com um pseudo-governo, a agir deste modo, nunca mais!
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