quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sentença do Tribunal Supremo desrespeitada há seis anos


Advogado Michel acusa juiz Caetano de Sousa de defender infractora burladora

O Tribunal Supremo proferiu em Abril de 2004 uma sentença em que atribuiu a titularidade do imóvel da antiga Cervejaria Angolana, situado no gaveto formado pela Avenida Deolinda Rodrigues e D. João I, no bairro da Terra Nova, aos herdeiros do ex-preso político e antigo combatente pelo MPLA, António André Maurício. Hoje ainda, esses herdeiros continuam à espera que seja executada a sentença que esta instituição judicial lavrou.

Antes disso, já há vários anos atrás, António André Maurício tinha pleiteado junto dos tribunais com a empresária Elisabeth da Graça Isidoro, representante da firma J.F Comercial, pela posse do imóvel, depois de ter recebido o mesmo reconhecimento junto da 3.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda em 2003. Mas, infelizmente nada se passou e a situação permaneceu num estado de estagnação lamentável.

Assim, em virtude da conjuntura se manter inalterada, em 2008, o próprio Tribunal Supremo requereu força pública à Polícia Nacional para que se fizesse o despejo dos que eram então ocupantes da cervejaria, nomeadamente algumas empresas de comercialização de materiais de construção, entre as quais a TECOMAT.

O despejo não foi consumado porque, a meio do caminho, o oficial do Tribunal Supremo, alegadamente, recebera um telefonema do vice-presidente desta instituição, Caetano de Sousa, solicitando o cancelamento do acto, apesar de a decisão ter sido tomada inicialmente pelo plenário dos juízes da mais alta instância judicial do país, que tinha requerido uma intervenção em força à Polícia Nacional.

Segundo informações fornecidas pelo filho de André Maurício, depois deste curioso cancelamento, exactamente uma semana depois da interrupção do despejo, os advogados das duas partes e a juíza da primeira instância reuniram-se numa das salas do Tribunal Supremo, onde um dos responsáveis desta instituição sugeriu a desanexação da cervejaria do resto do imóvel. Quer dizer, daqui não saio daqui ninguém me tira.

A sugestão foi rejeitada pelos representantes dos herdeiros, na medida em que tal anuência significava que eles renunciavam a uma parte importante do imóvel, o que teve como resposta eles terem sido posteriormente confrontados com um pedido de indemnização de quatro milhões de dólares pela reparação do imóvel (!), algo que também foi negado.

Retorquiram que a representante da J.F Comercial não tem contrato de arrendamento, nem com o Estado, nem com os herdeiros. Para se apurar o valor do imóvel, tinha sido sugerida uma inspecção ao imóvel, que aconteceu posteriormente, concluindo valores inferiores ao sugerido pela representante da J.F Comercial.

A inspecção chegou a ser obstaculizada, segundo uma nota do próprio Tribunal Provincial de Luanda em posse deste jornal, onde a instituição alertava, em 2008, que o facto de ter “colocado novo cadeado e correntes no portão à revelia do Tribunal, denota que a embargante estava “a agir de má fé, em total desrespeito a esse tribunal, no intuito de obstaculizar a realização da inspecção judicial de modo a ganhar tempo”.

O anterior advogado da família, Francisco Brandão, alegou, num documento enviado também ao Conselho Superior da Magistratura, que “ a ré tirava, há cerca de 10 anos, avultadas somas de dinheiro com a exploração ilegal do estabelecimento comercial, sem pagar nada ao Estado, tendo, para o efeito, firmado contrato com a TECOMAT”.

Face ao silêncio que se verificava na execução da referida sentença, o advogado da família, Miguel Francisco “Michel” escreveu à Comissão Permanente do Conselho Superior da Magistratura no dia 30 de Março de 2009 mas, um ano depois, ainda não obtivera qualquer resposta. Na carta dirigida ao Conselho Superior da Magistratura, presidida pelo juiz-presidente do Tribunal Supremo, Cristiano André, o advogado reclamava que “o mais grave no meio desta clara afronta a um órgão de soberania que é o Tribunal pondo em causa a credibilidade do Sistema de Justiça do Estado angolano – a ré (no caso Elisabeth da Graça Isidoro) contou com o apoio de uma entidade que, pela função que exerce na estrutura do sistema judicial angolano, devia ser ela o garante da sua lisura e impolutabilidade. Esta entidade é o Dr. Caetano de Sousa”. E prosseguia deste modo: “Porque não se consegue compreender como é possível o Dr. Caetano de Sousa, enquanto vice-presidente do Tribunal Supremo, interferir numa decisão do tribunal nos moldes em que o fez, para travar o cumprimento de uma decisão de um órgão de que ele é co-titular. Salvo entendimento diferente de Vossas Excelências, algo estranho se passa, que escapa à compreensão dos herdeiros e do seu mandatário”, lê-se na missiva endereçada há um ano ao Conselho Superior da Magistratura, mas ainda não obteve resposta.

“Michel” realça na carta que reitera a sua confiança no sistema judicial angolano, “daí que não ousam”, segundo ele e os herdeiros, “admitir, nem mesmo nas profundezas do seu inconsciente, que as suspeições que hoje se levantam contra certos agentes do sistema judicial angolano sejam algo que possa pôr em causa a sua credibilidade”.

Juíza afastada
Bernardino Maurício explicou a este jornal que a juíza Luizette, que inicialmente acompanhava o caso, acabou por ser suspensa do processo que já tinha tido uma sentença. No seu lugar foi colocado o juiz Inácio Paixão, que acabou por ser contestado pelos herdeiros.

Uma carta em nossa posse relata que o advogado Francisco Brandão sugeria a sua transferência “por nítida presunção de parcialidade, dependência de terceiros nos seus actos e decisões. Quando ele chegou já havia acórdão no próprio Tribunal Supremo. É irrevogável, por isso não entendemos o que se está a passar”, desabafou o filho de André Maurício que, antes de perder a vida, celebrou um contrato com o Estado para gerir a Cervejaria Angolana.

A nossa fonte avançou que tiveram conhecimento da existência de um inquérito dentro do Tribunal Supremo, dirigido pelo juiz Gabriel Lundungo, mas desconhecem os resultados. O representante dos herdeiros contou que terão sido ouvidos alguns resultados, mas, até hoje, não tiveram mais informações, à semelhança das missivas que enviaram ao Conselho Superior da Magistratura, presidente do Tribunal Supremo e Provedoria da Justiça.

Recurso ao Presidente da República
Sem resposta da Comissão Permanente do Conselho Superior da Magistratura, Ministério da Justiça e de outras instituições do Estado, o representante da família de André Maurício, “Michel”, antigo militante do MPLA e veterano de guerra, recorreu ao Presidente da República, José Eduardo dos Santos, o mais alto mandatário da Nação, para que se encontre uma solução para o caso.

Na carta, datada de 28 de Abril de 2010, o advogado adianta que, decorridos cerca de oito meses, não foram notificados de qualquer decisão tomada pelo Conselho Superior de Magistratura, razão pela qual escreveram novamente ao venerando juiz conselheiro do Tribunal Supremo na qualidade de presidente deste conselho, sem, no entanto, obterem qualquer pronunciamento.

O advogado acrescentou que enquanto mandatário dos herdeiros solicitou uma audiência, em Janeiro, junto do gabinete de Cristiano André, “com o propósito de ouvir desta entidade máxima do poder judicial as razões que justificam tamanha dilação do tempo para a solução de uma questão que há muito transitou em julgado. Mas até a presente, tal pretensão não teve qualquer resposta. Face ao exposto, salvo entendimento diferente de Vossa Excelência, senhor Presidente, entendem os exponentes que, pela gravidade que o assunto encerra, era tempo de o Conselho tomar uma decisão relativamente ao assunto, tendo em conta que o comportamento das entidades envolvidas coloca em dúvida a certeza e a segurança do Direito, abalando assim, a credibilidade do sistema judicial angolano, interna e externamente”.

O Advogado
Miguel Francisco “Michel”.

A secretária para os Assuntos Judiciais e Jurídicos do Presidente da República, Florbela Rocha Araújo, respondeu: “a mesma foi submetida para apreciação e decisão do venerando Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo, por se tratar de assunto da sua competência”.
Até hoje.

Imagem: blogdotioted.com.br

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