As crises políticas que estão a ocorrer no norte de África e em alguns países do Médio Oriente “podem parecer o fim de uma civilização” e serão “imparáveis”, sobretudo porque o movimento vem do povo e não de militares", esta é a conclusão de Manuel Brito-Semedo, historiador e investigador cabo-verdiano, que na Cidade da Praia, adiantou que o que se está a passar naquelas duas regiões “é pior” do que se passou no final da década de 1980, com a queda do Muro de Berlim e o desmembramento da então União Soviética.
O também professor universitário, escritor, contista e politólogo defendeu que as crises em curso são reflexo de anos e anos de regimes ditatoriais, receando pelo futuro, porque não se sabe onde tudo vai parar. “Eu não sei se é forte dizer, mas até parece que estamos no fim de uma civilização. Não sei o que vem aí. A verdade é que as coisas estão a mudar e muito rapidamente. Durante muito tempo, com todo o sistema árabe, não esperávamos que isto acontecesse. Parece um vulcão e agora há essa erupção”, sustentou.
“Acho que é ainda pior do que aconteceu no final dos anos 80, porque acaba por ser o povo a reclamar, da rua para dentro, e não são os militares que tomam o poder. Os militares estão a ir atrás dos populares”, comparou. Questionado sobre se há igualmente uma comparação com os “tradicionais” golpes de Estado em África, Brito-Semedo defendeu que não, sublinhando tratar-se de algo “completamente diferente”, insistindo no fator “povo”. “É completamente diferente. É o povo. Os militares ou reagem ou aderem, pois não conseguem parar uma erupção dessa natureza. E o epicentro vai mudando, pondo fim a muitos anos de ditaduras”, sustentou, considerando “imparável” o momento em curso.
“Isto é imparável. Cada vez que vai acontecendo, vai tendo mais força. Não se esperava que o poder caísse nesses países. Daí o receio dos outros ditadores que estão no poder. A visão da democracia que temos no Ocidente não é a mesma, mas o povo percebe que não tem liberdade”, referiu.
Para Brito-Semedo, um dado positivo vem também da Suíça, que tem estado a congelar os bens e contas bancárias dos ditadores em causa e que, nalguns casos, está a devolvê-los a esses países. “Isto dá força” aos movimentos, defendeu. No entanto, e questionado se o mesmo poderá acontecer em Cabo Verde, Brito-Semedo riu-se, lembrando que, no arquipélago, as instituições, bem ou mal, funcionam e o povo tem apenas “muita garganta”.
“As coisas contestam-se, sim. Há o aumento dos preços, não há emprego, o salário não chega. Mas o cabo-verdiano é muito de boca. Não tem uma tradição de guerra. Ascendemos à independência de forma pacífica. As pessoas manifestam-se mais de boca, nós temos muita garganta, mas quando chega a hora nós fugimos”, acrescentou.
Mais a mais, referiu Brito-Semedo, Cabo Verde acabou de sair de uma jornada eleitoral, em que houve a oportunidade de as pessoas se manifestarem, optando pela manutenção do partido que está no poder há dez anos.
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