Uma democracia autocrata só pode existir na mente de um pensador utópico, pois nunca poderá ser vista como sendo o poder do povo para o povo. No entanto, nós, angolanos, teimamos em chamar democracia ao nosso regime autocrata. Aliás, se os gregos da antiguidade vissem aquilo a que chamam em Angola democracia, com certeza pensariam que estamos a brincar aos regimes entre irmãos.
Angola para desgraça colectiva dos autóctones continua à deriva, não obstante fruir uma relativa estabilidade governativa, conquistada ao preço do monolitismo governativo e do petróleo. O mal todo é que não estamos longe duma estabilidade de fachada, do tipo da Tunísia de Ben Ali ou ainda do Iraque de Saddan Hussein, países governados a pulso por homens todo-poderosos, aparentemente adorados pelos seus e que só trouxeram alegria aos seus respectivos povos quando foram escorraçados definitivamente do poder político.
Realmente, o que suportava esta aparente idolatria era o enorme aparato militar que rodeava esses homens, que, manipulando todas as engrenagens do Estado, em cada processo eleitoral chegavam a arrebatar números recordes que se aproximavam dos 90, 99, ou mesmo 82.3 por cento como alcançou o MPLA em Angola.
Neste momento os angolanos vivem numa encruzilhada depois de aprovada a constituição de Fevereiro de 2010, onde se deu mais um golpe violento a ameaçar mais um pouco a morte na nossa democracia incipiente e assim fazer emergir uma ditadura camuflada e rigorosamente polida, com alguns partidos políticos mais decorativos que políticos, algumas ONG e uma sociedade civil timorata, e com razão de o ser, mas, sobretudo, sem os fundamentais constituintes duma democracia que se preze: instituições verdadeiramente do Estado. Em Angola, vergonhosamente, as instituições estão comprometidas, tal como nas democracias comunistas, ou com um só partido no poder….
Assim, quando em 2012 os angolanos forem chamados para o provável pleito eleitoral, veremos que eles serão confrontados com a monotonia de um processo que de relevante apenas terá a recondução, ou melhor, a fixação no cadeirão presidencial de José Eduardo dos Santos, um eterno candidato, que sem que nos demos conta do facto, está a criar todos os alicerces de uma monarquia, ao mesmo tempo que em seu redor se vai implantando um clima de insegurança, com os exemplos da Côte d’Ivoire e da Tunísia a servir de (mau) exemplo.
Considerado por muitos como factor de estabilidade, Dos Santos nunca conseguiu provar isso, quer a nível interno, quer externo, pois os seus mais fortes argumentos para vencer contrariedades têm sido sempre a razão da força com base no enorme aparato que dispõe e que o cerca. Além disso, a sua trajectória está semeada de dissensões graves, de rupturas bruscas, esquecimentos voluntários e outras atitudes humilhantes.
Vamos a uma retrospectiva
Quando subiu ao poder, Dos Santos contou com o apoio de alguns antigos companheiros, mais velhos, como Alexandre Rodrigues Kito, Luís Neto Xietu (que dormiam inicialmente com o chefe no Futungo de Belas) Mendes de Carvalho, Lúcio Lara, Iko Carreira, Paiva Domingos da Silva, Imperial Santana, entre outros. Mas com o passar do tempo, com a consolidação paulatina do seu poder, ele foi desprezando estes homens que se bateram para que ele tomasse o lugar de Agostinho Neto e, um a um, foi-se afastando deles para enfim pouco a pouco os levar a afastarem-se dele.
A forma como actuou com Lúcio Lara foi marcante, quase se poderia dizer que o colocou no domínio do esquecimento, e a cada vez maior distanciação entre os dois homens não se coaduna com o estatuto de Lara. Este sentiu a amargura de lhe serem retiradas friamente algumas alavancas do poder político que ele ainda controlava.
Com Alexandre Rodrigues Kito, seu amigo, o caso é muito mais grave, é um caso sério! Ainda hoje está por saber a razão fundamental que o levou a acusar o seu amigo de tentativa de golpe de Estado… não lembra ao diabo
Votado por vários anos ao ostracismo, depois de muito tempo foi nomeado embaixador na África do Sul e Namíbia, logo distante do centro da política….
Armindo do Espírito Santos, durante muitos anos atravessou o deserto, tal como Ambrósio Silvestre, por alegadas questões passionais e intrigas que Dos Santos acolheu e levou em consideração. Penalizou ambos por razões pouco claras. Armindo, que havia chegado a comandante da Polícia Nacional foi exonerado e com a sua exoneração, face ao fechar de portas, começou a dedicar-se á pesca com uma pequena chata, tendo todas as manhãs de ir contabilizar o produto da pesca. Ambrósio, teve mais sorte, foi afastado mas acabou por ser indicado para uma petrolífera, num penoso exercício de ter que engolir cobras e lagartos para se manter viável. Marcas de dor ficaram pelo caminho.
Estes são apenas alguns exemplos do carácter do chefe, a par de muitos antigos combatentes, do próprio MPLA, reclamarem um abandono e dificuldade em falar com o seu líder.
Longa lista de filhos, enteados e odiados
Um dos métodos a que recorre com relativa frequência Dos Santos reside na distribuição de “Tachos para aqueles por quem ele tem algum apreço, afecto. A competência passará quase sempre para não dizer sempre para segundo plano. Assim sendo, todas as empresas de vulto, absolutamente todas estão a ser dirigidas por homens da sua confiança. Esses homens sabem que podem ser apeados e fazem muito atenção ao que dizem e ao que fazem. Sobretudo não melindrar o chefe, se possível fazer tudo para lhe agradar
Para começar, os filhos. Dos Santos “ofereceu” um canal de televisão a dois filhos seus, em todo o caso eles por ali entraram como se a TPA fosse deles, presenteou com uma empresa de telecomunicações a sua filha mais velha, ISABEL DOS SANTOS a mais rica mulher africana aos 36 anos detentora de uma milionária fortuna -, um negócio fabulosos (UNITEL) hoje com mais de 6 milhões de clientes ao que diz a publicidade, ao mais velho tudo indica que lhe reservará o cadeirão de chefe de Estado para condignamente lhe suceder; quanto ao mais novo, esse canta, bem, e não se lhe conhece ainda nenhum negócio apadrinhado pelo seu pai. Isto sem falar da, MOVICEL, também organizada para controlo a favor dos filhos
Os “enteados”, entre aspas pois não são forçosamente da família, esses são apreciados, recebem benesses que se fartam, mas também lhes acontece ter problemas no tortuoso percurso de agradar ao chefe. Alguns tiveram sorte:
JOSÉ LEITÃO, bateu com a porta depois de vários anos como homem de confiança e director de gabinete, reconciliaram-se mais tarde e como compensação foi o único privado do regime a beneficiar de um largo quinhão do financiamento da China, cerca de 500 milhões de dólares para o shopping do Gika, uma ex-unidade militar dada a custo zero
JOÃO DE MATOS, exonerado de forma pouco cordata de chefe do Estado-maior General das FAA, foi compensado mais tarde com facilidades em negócios no domínio dos diamantes e não só.
Outros não tiveram sorte nenhuma:
ELISIO DE FIGUEIREDO embaixador dos mais ricos no exterior e amigo pessoal, ao que parece estão de costas viradas
MIALA de homem de confiança passou a persona non grata e foi muito humilhado.
O ministro das Obras Públicas, José Ferreira que foi exonerado sem saber que tinha sido exonerado
Isto sem falar de Serra Van Dúnen, Lopo da Nascimento, Marcolino Moco e muitos outros que foram totalmente postos de lado quase sempre com azedume deixado no caminho.
Enfim temos os odiados. Esses que não o querem ver mais no poder, a começar pelo falecido JONAS SAVIMBI, seguido do outro pai da nação, HOLDEN ROBERTO, que nunca foi considerado digno combatente da Pátria. Dos Santos tirou-lhe as casas, cortou-lhe as asas e as contas bancárias, até ele ser votado à fome, mas mantendo-se opositor, morreu com honra e glória de homem honesto, o que muitos do regime jamais conseguirão
O político, líder do PDP-ANA e deputado, MFULUPINGA LANDU VICTOR foi barbaramente assassinado, defronte a sede do seu partido, num crime que nunca foi explicado.
RICARDO MELO, jornalista morto para com a sua morte se calar a imprensa livre a renascer das cinzas do partido único, e cujo resultado foi exactamente o contrário, ou seja, o nascimento da imprensa privada em Angola o que teve como consequência aparecerem dezenas de outros jornalistas, uns perseguidos, outros também assassinados, outros ainda, cooptados ou comprados pelo regime
Isto sem esquecer os herdeiros das vítimas do 27 DE MAIO de 1977, a quem nunca foi dada uma voz. Considerados vencidos, filhos do alheio, foi-lhe aconselhado calarem-se, engolir as lágrimas e nem sequer terem o direito a uma certidão de óbito dos seus familiares mortos pela mais asquerosa das razões: pensarem diferentemente.
Dos Santos já vai numa jogada de pseudo democrata com mais de TRINTA ANOS NO PODER, apoiado por uma BANCA partidarizada e controlada por senhores do regime, com todas as riquezas de Angola oferecidas aos da sua preferência, a um ponto tal que se pode dizer que nenhum empresário tem sucesso ou opera se não estiver filiado no MPLA – discriminação que se estende mesmo à escolha das DATAS NACIONAIS que são só as do MPLA - com a oposição a se desfazer em pesares por ter sido roubada nas eleições com Jonas Savimbi a virar-se na tumba, porque o quadro do país não mudou, a situação económica e a discriminação das bandeiras antes hasteadas por Savimbi, continuam a ser as marcas do regime.
Nesse 35 anos, Dos Santos esqueceu a oposição. Na comemoração da independência não convidou os lideres dos partidos e as fotos exibidas no estádio 11 de Novembro, local onde decorreram os festejos foram as de Agostinho Neto e a sua, quando foram três movimentos que se bateram pela independência de Angola.
E uma pergunta impõe-se: será que Dos Santos não vê que está, do mesmo modo, Ali, o chefe tunisino fugitivo, não vê que se acumulam dores, se acumulam rancores, se acumulam ódios? Será que não vê? Estamos em crer que sim. Não foi sem razão que Dos Santos criou um aparato militar descomunal e a UGP transformou-se não numa guarda presidencial, imprescindível e essencial para a protecção de um chefe de Estado mas num exército particular.
*Voltaremos com mais detalhes
Bem visto, Sr Tonet
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