segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A descoberta do tio Dino Matross. Angola não é o Egipto e o MPLA não ameaça, mata


Será que alguém ainda duvida de que estamos a chegar ao fim duma aventura política em Angola? Será que alguém pode hoje assinar um despacho de boa governação global ao nosso “Executivo”? Será que as ditaduras são eternas? O Secretário Geral do MPLA, Dino Matross (DM), respondeu a todas estas questões com um “NÃO” intuitivo mas abafado, um “NÃO” que não lhe saiu boca fora – o medo das predicações respeita-se em África - mas sim como um espirro do fundo da alma e que, pela espontaneidade manifesta, só lhe podemos estar agradecidos

William Tonet*

Para começar, o secretário-geral lançou um alerta aos angolanos quanto a não confundir o que se passa nos países da África do Magreb e Médio Oriente, com a realidade de Angola. E tem toda a razão. O Egipto não é Angola, que não tem pirâmides nem o nível de turismo nem as infra-estruturas daquele secular país, mas o que Dino Matross queria sobretudo salientar é que num eventual levantamento popular em Angola não teria um tratamento semelhante ao que os tumultos da agora emblemática Praça egípcia, a Tahrir Square, tiveram por parte das forças militares desse país. Em Angola os manifestantes “apanhavam”, o que "emepeladamente" falando eram e serão ASSASSINADOS, com os tiros das armas e dos canhões do PODER. Não teve pejo em reconhecer estarmos diante de um regime, que para se manter não se importa que seja através do DERRAMAMENTO DE SANGUE DO PRÓPRIO POVO! Mas, mesmo a ameaçar mortandade, o seu discurso não foi tanto uma ameaça directa como um reconhecimento, esse sim, aterrador, da insensibilidade de quem nos dirige e diz defender os povos e a Constituição, da qual, caricatamente, foram únicos subscritores.

Angola é uma ditadura
Ao ter vindo a público aos microfones da RNA, DM lembrou os horrores das guerras que quase iam destruindo Angola – guerra em que o MPLA, tal como a UNITA, os mercenários cubanos e sul-africanos, têm larga responsabilidade no cartório histórico –, lembrou o sofrimento causado por confrontos entre irmãos e relembrou que neste momento “em que estamos a trabalhar para a estabilidade do país”, seria muito bom ter cuidado e ninguém confundir as coisas.

Para DM, as “COISAS” resumem-se por um lado, à reacção conciliadora das tropas egípcias, que assumiram a nobre e corajosa responsabilidade de recusar perpetrar uma chacina, matando friamente os manifestantes em nome de uma repressão absurda ordenada por um ditador com mais trinta anos no poder totalitário no seu curriculum. Por outro, que o secretário-geral do MPLA quis dizer é que em Angola não há LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO, contrariando a sua consagração no art.º 47.º da CRA (Constituição da República de Angola): "1. É garantido a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da Lei".

Ora, contrariar esse postulado, demonstra, não existir democracia nenhuma, mas sim um GOVERNO TOTALITÁRIO, para além de ser considerado pelas ONG's e muitos governos internacionais, como um dos mais corruptos do mundo (isso ele não disse, mas é verde verdade) e pautar pela violência para se manter no poder.

Dino Matross disse ainda nas entrelinhas que a liberdade de expressão era uma realidade em Angola, mas só desde que ela fosse a expressão do pensamento do chefe e dos seus acólitos.

Disse também que, de qualquer modo, tudo estava sob controlo, na comunicação social do Estado e arredores, com excepção da imprensa privada considerada radical, não bajuladora e não vendida, que o regime só de pensar nela até lhe dá arrepios...

Dino Matross disse ainda que não tinha medo de ser levado ao extremo de assassinar angolanos por estes se manifestarem contra o regime. E o mais espantoso neste discurso-ameaça-confissão é esse alto dirigente não se ter dado conta de que ao proferir as enormidades que lhe iam saindo boca fora ele dava contínuos pontapés ao texto da nossa Lei Magna, nos seus artigos, 40.º, 41.º, 44.º, 47.º e 48.º, portanto todo da CRA, pese embora ela ser realmente Presidencialista – Par (a) lamentar, coincidência ou não, igual às constituições dos regimes com mais de 30 anos de poder e que estão a ser contestados.

Vingou pois, na sua comunicação musculada, o que já dissemos, o desrespeito TOTAL pela Constituição com cara do próprio MPLA, ao qual acresce uma mostra de força bruta pronta a intervir para, eventualmente, ASSASSINAR O POVO num também total desprezo pela vida humana e pela democracia.

Com as declarações de Dino Matross parece ter ficado a nu o que foi e quem instigou o 27 de Maio de 1977, cujo resultado se saldou por cerca de 80 mil assassinatos. E a maneira de o dizer, "quem manifestar, apanha", como se os angolanos fossem crianças de bibe, "Se fizeres tolice, tau-tau!"…

Francamente, somos tomados por que tipo de gente? Crianças? Atrasados mentais? Não! Nós somos tomados por aquilo que somos: um povo eminentemente pacífico de quem se abusa já lá vai mais de 500 anos de colonialismo e 35 anos de regime partidocrata! Será que os eventuais manifestantes vão apanhar por estar tudo bem em Angola com 40% de desempregados, mais de 50% de analfabetos e índices de pobreza, esperança de vida e bem-estar nos últimos lugares do ranking mundial?!!. Será que vão apanhar por a riqueza nacional estar concentrada num minúsculo grupo do poder, que representa 0,95% da população? Será que vão apanhar por o património do Estado estar a ser partidarizado, sem critérios, veja-se o Luanda Center de Saúde, os hotéis de Luanda e agora mais o Turismo? Vão apanhar por o primeiro centro de jogos ser da FESA, num terreno público, o do Eixo Viário, sem qualquer concurso público...

Desengane-se, Dino Matross, o Senhor foi fiel a uma realidade minúscula, a que cobre apenas alguns, cerca de 1% da população, mais os que pensam pela bajulação entrar nesse clube privado de “Happy fews”.

O secretário-geral do MPLA foi longe demais a nosso gosto e cremos mesmo a seu gosto. E esse é apenas o resultado de uma cega obediência a dogmas políticos. Mostrou que em Angola a única, a verdadeira instituição do Estado é o MPLA, que tem na polícia e nas FAA os seus instrumentos de repressão. E ainda conta com a justiça para julgar e condenar, não com base na lei, mas nas ordens superiores e do partido, que transformou as leis em normas de cumprimento partidário.

Ademais, DM deixou a nu, também, mais outra grande fragilidade. O país está saturado e já não aguenta mais a contínua má distribuição da riqueza nacional. A corrupção campeia e não se pode tapar o sol com peneiras. É que, afinal, a verdade é o MPLA não controlar nada do ponto de vista da governação, e assim, ao invés de dizer que vai realizar jornadas para pensar verdadeiramente na alteração dos símbolos nacionais, a maior vergonha de um país democrático, que deixa de ser visto como tal pela idolatria a um homem, decidiu fazer jornadas de exaltação ao chefe e, ao invés de analisar a situação política que arrasta os países onde existem líderes há mais de 30 anos no poder, numa similaridade com o que se passa em Angola, afirma entrelinhas que somos iguaizinhos a esses regimes, ou piores.

Isso mostra uma certa fragilidade, tal como ter realizado, tempos atrás, uma marcha de apoio a um discurso, que tinha pouco sumo e não trouxe nada mais do que isso mesmo... Portanto comportamentos como estes só acontece em regimes de ditaduras, não em democracias.

São estes regimes que matam e Dino Matross não teve contenção para deixar subentendido isso mesmo, os adversários e opositores político partidários, aliás não é por mera coincidência que um dos vices da Comunicação Social, Miguel de Carvalho Wadjimbi, foi um dos principais carrascos do 27 de Maio de 1977, com um discurso idêntico ao de Dino Matross, quando no final das tardes dizia: "HOJE ESSA MINHA ARMA VAI CANTAR" e para ele a música era assassinar mais uns tantos angolanos, por sinal, todos, absolutamente todos eles do MPLA, de cujos parentes até hoje, ainda não têm as suas certidões de óbito. Isso são crimes contra a humanidade que não prescrevem e um dia alguém os pagará ou no Tribunal da Haia ou noutra latitude qualquer....

O dia do discurso de Dino Matross é histórico: a partir dessa data caiu o dogma de "O MPLA É O POVO E O POVO É O MPLA", pois quem mata, sem julgar e sem dar a possibilidade de o condenado se defender, conota-se como integrante ou mentor de um regime atreito a genocídios.

Reconciliação interna e externa, precisa-se
Neste momento em que a situação se afunda cada vez mais, o MPLA deveria propor a si próprio fazer uma revolução interna, mais do que jornadas que não trazem nada de novo, pois elas não conseguirão travar o vento. A situação está mal, muito mal e a cada dia o MPLA cava mais fundo a crença das pessoas, com este tipo de políticas só assente na ponta do fuzil, numa clara demonstração dos regimes fracos que se julgam fortes, apenas por terem canhões.

O MPLA deveria começar a pensar em reunir as suas várias correntes e exigir que o Presidente aceite alterar as instituições do Estado de partidárias para outras, de cidadania; que aceite alterar a MOEDA NACIONAL, substituindo a sua cara e a de Neto, por a de heróis ancestrais: Nginga Mbandi, Ngola Kiluange, Mandume, Ekuikui, entre outros; aceite alterar A BANDEIRA NACIONAL, na qual por ora não cabem todos, por ela se confundir com a do MPLA, mudá-la por uma verdadeira BANDEIRA ANGOLANA, com cores representativas de todos os povos autóctones. O MPLA deveria, sim nessas jornadas, ao invés de bajular, ter a coragem de apontar o dedo e aconselhar o Presidente José Eduardo dos Santos a ser o verdadeiro reconciliador, agora, a proceder a reformas ousadas e corajosas, a proceder a uma limpeza geral no seu governo, integrando competências nacionais de todas latitudes, a realizar eleições verdadeiramente livres, justas e sem fraudes. Recomendação pertinente seria, também, a exoneração da actual comissão nacional das eleições, marcadamente partidocrata, por uma outra independente, integrando figuras de reputada imparcialidade e independência de pensamento. As jornadas deveriam ainda aconselhar o MPLA a enfrentar o futuro verdadeiramente unido, falando com todas as franjas internas em pé de igualdade, coisa que nunca foi feita desde os tempos de Agostinho Neto, também idolatrado, mas que, como líder, nunca conseguiu a unidade dessa formação política; a queimada por feitiçaria em 1966, na frente Leste do comandante Paganini, acusado de feitiçaria, a Rebelião da Giboia de Katwvua Mitue, em 68, a Revolta Activa, a Revolta do Leste, o Congresso de Lusaka, a Facção Chipenda, o 27 de Maio, estão aí como prova, do consulado tumultuado de Neto e, depois, seguiu-se-lhe na mesma senda o seu sucessor.

A vantagem nisso, deve-se ao facto de terem sido mais bafejados pela sorte do que por alguma ousadia política, de gestão competente e conciliadora.

Seria urgente, para enfrentar o próprio futuro, que os membros do MPLA impusessem, agora, uma nova página ao seu líder, de mais respeito ao partido, possibilitando que todos os seus membros desavindos, pudessem ter voz diferente entre os iguais. Ao não fazerem isso demonstram uma grande falta de visão, pois o que a história regista e registará, mesmo hoje, é de a maioria da actual direcção e o líder do MPLA, no poder há cerca de 32 anos sem nunca ter sido eleito pela maioria dos cidadãos autóctones com capacidade eleitoral, não terem feito nada para uma verdadeira reconciliação, mas sim terem fomentado a não integração e submissão a ala mais forte.

E mais confrangedor e vergonhoso para a história do regime é o facto de mesmo agora que Jonas Savimbi, Holden Roberto e Mfulumpinga Landu Victor morreram, José Eduardo dos Santos, querer ficar referenciado na história apenas como presidente dos angolanos do MPLA – a Constituição actual, personalizada, é disso o mais recente exemplo –, e isso é muito pouco para quem está e estará, não se sabe por mais quanto tempo no poder.

Ademais, no capítulo da reconciliação, pese a propaganda do regime a nível interno e alguns dependentes líderes africanos, esta Angola não tem exemplos de Reconciliação a dar a ninguém, pois se em casa não conseguiram fazê-la, com os demais muito menos. Pelo contrário, aponta-se a UNITA e a guerra como causa de todos os fracassos na governação, isto para além de ser de lamentar não se terem morto alguns dos seus dirigentes.

É verdade, não se mataram todos, mas talvez isso levasse mais anos de guerra. O que aconteceu é este partido ter sido “perdoado. O mesmo se passou com a FNLA, cujos ex-militares até hoje, não estão registados como pensionários legítimos nos serviços sociais das Forças Armadas Angolanas. Por outro lado se reconciliação houvesse, o MPLA teria no seu último conclave proposto a devolução do património da FNLA e, ou, uma indemnização. Mas na cultura actual do poder é mais fácil devolver património aos antigos colonialistas do que aos angolanos, ora isto são os motivos da insatisfação e de uma manifestação de protesto, previsto, repito na Constituição que o próprio MPLA elaborou e aprovou...

Outras pertinências na conferência do MPLA deveriam ser as razões por que o presidente e o seu staff não conseguem encontrar inteligência bastante, para se reconciliarem com os intelectuais de Cabinda, optando por uma política de terra queimada, contra os que querem dialogar em pé de igualdade com o governo, sendo esta atitude a causadora do actual clima de instabilidade e tensão.

O presidente não consegue reconciliar-se com os Lunda, opta pela prisão dos seus mais ilustres filhos. Não consegue aderir ao jogo democrático, alterando a Constituição para se perpetuar no poder e não ter adversários credíveis e com recurso para se baterem em pé de igualdade nas eleições.

Estas são entre outras as grandes questões que o MPLA deveria debater e aconselhar a sua direcção e, também, o presidente. O resto, por mais que nos arrastemos e tentemos tapar o sol com peneiras, mesmo das mais modernas, os ventos da história hão-de chegar e seria bom que depois o muito forte MPLA, sobranceiro até ao desprezo, não tenha que se ver obrigado a negociar com as vozes da rua.

Olhe que é aí que nasce o poder político, caro Dino Matross!
Veja-se agora com o que se passa no Huambo: o MPLA não fala com os demais, humilha, espezinha, despreza, trata os adversários como cidadãos de segunda e mobiliza a máquina de propaganda para os destratar e ofender. Isso são sinais de um partido forte, mas fraco e que não está preparado para se perpetuar como guia do país nos tempos futuros. Esta direcção do MPLA está a fazer tudo para mais cedo do que tarde não restar outra solução senão as pessoas terem de fechar o grande PARTIDO/ESTADO, tal como aconteceu com os todos poderosos PCUS, PIR, PCRDA entre outros… de triste memória para os seus povos.

Por tudo isso existem mais de mil razões, para dentro da legalidade constitucional os angolanos se manifestarem e não terem de "APANHAR", ou serem "ASSASSINADOS", como é prática de certos regimes, pois este povo, temperado no sofrimento e discriminação já não é CRIANÇA. Cresceu e sabe ver que o país está a descambar, por apenas existir uma força e vontade. Um partido, riqueza e oportunidades concentradas nos seus. Assim sendo existem motivos, sim para uma verdadeira manifestação em nome de Angola e dos Angolanos discriminados, humilhados, assassinados e ilegalmente presos.

*Com Arlindo Santana

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