quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Angola, o suicídio ou os sequestrados da Constituição


O homem que não lê bons livros não tem vantagem alguma sobre aqueles que não podem lê-los. Mark Twain
Com a nova Constituição e sem energia eléctrica, Angola será reduzida a pó.
Por aqui não são as Leis da Gravitação Universal que nos governam. É a atracção universal de alguns corpos desumanos. Que insituáveis, nos permanecem nas cadeias dos regimes totalitários. As cadeias dos queridos guias imortais que iluminam os caminhos da fome. Não há condicionantes. Há as condições aprazíveis… só para aventureiros e bajuladores.

Gil Gonçalves
http://patriciaguinevere.blogspot.com/

Abel e a Belita enamoraram-se e namoravam-se. Não como aqueles que namoram e fazem disso uma mera ocupação para passarem o tempo. Amavam-se para além das montanhas aladas das suas almas. Muito para além da atracção universal duma Constituição que eterniza um santo poder eleito por Deus. Os seus corações eram atípicos. Estavam possuídos pela também espoliação da alta voltagem de Tesla que lhes provocava curto-circuitos amorosos. De tão enlevados, não notaram o logro constitucional do voo da sua nave divina. E nela embarcaram num universo paralelo longe das nossas imutáveis leis desumanas.
Abel presenteava-se com vinte e um anos e Belita com dezasseis. Vizinhavam-se e aproximavam-se muito bem nos dois anos que floresciam como enamorados do amor. O pai da Belita não sabia, saber não podia. Estudavam e assim o futuro preparavam. Abel vivia com um tio que o apoiava, como num mar de rosas imenso. Distraíram-se e a Belita engravidou. Coisa mais natural e não atípica nos que se amam. Aquele que se dá ao outro, o que recebe o sémen que dizem consagrado, que depois germina como vida premiada, num bonito ou numa bonita, sempre à espera dos ternos e eternos olhares fecundos de carinho que o espreitam antes e depois do brutal contacto com os predadores humanos. Desabrochavam-se no seu amor que já se sentia em maturidade. A responsabilidade que aceitavam do infiel quotidiano da inconstitucionalidade. Abel muito romântico, cheio de responsabilidade mas amargurado obriga-se a um lamento:
- Querida… acho melhor desfazeres a gravidez.
- Sim… também já pensei nisso meu amor!
- Sabes… alguns remédios que vendem por aí na candonga… acho que são eficientes.
- Já tomo alguns… com a ajuda das minhas amigas… tudo correrá bem. Assim o espero!..
- Concordo imenso contigo. Estudamos, e neste momento não temos condições para suportar um ser que nascerá, e para o qual não temos meios de o sustentar, alimentar. Será mais um esfomeado sem apoio da novel constituição da inconsideração. Quem nos apoiará? Decerto serás escorraçada de casa. Para onde? Para algum casebre e depois os martelos demolidores dos estupores destruírem-no?! E eu?! Que estou na casa de um tio?!.. Deixaremos de estudar. Será o nosso fim… se o reino agendasse uma agenda de consenso nacional… um programa de apoio a jovens como nós, isso seria óptimo, como isso não existe, nunca existirá... até um nobre da universidade real quase a destruiu por causa de uma amante. Não concebo que o nosso ensino possa ser como um passatempo tão enganador, tão desalentador.
Abelzinho… compreendo perfeitamente. As tuas preocupações são a eternidade da fortaleza… da certeza do nosso amor. Apesar de retirar a sementeira do meu ventre, que jurei só a ti pertencer, ele continuará sôfrego de liberdade para nele de novo te exercitares. Planta neste jardim das delícias acolhedor, a semente do nosso universo. Verás depois os frutos saborosos e acolhedores que cairão no paraíso das tuas mãos.
E a vida no laboratório da Belita expandia-se, sentia-se como peixe na água, que crescia, remexia, renascia. Preocupada, mas sempre muito romantizada, como se dos seus lábios nascessem torrentes de jasmins, e o seu perfume incinerasse o seu amado num lago de lágrimas de amores-perfeitos. E insistia desfeita no paraíso do seu amor:
- Abelzinho, beneditino, bendito, meu bento amor… não me sinto bem. Acho que estou com paludismo.
- Vou procurar ajuda.
- Não vale a pena. Com esta Constituição ninguém nos ajudará. Somos apenas jovens que se amam algures num reino perdido do Golfo da Guiné. Quem se preocupa com isso, com jovens? Ainda se de nós jorrasse petróleo! Pensa nisso minha ternura, minha essência pura, e tudo se enaltecerá!
- Confio em ti, na tua raiz celestial, matriz deste amor ainda sob o jugo imperial.
Belita sentiu-se navegar num mar confuso que não lhe corria de feição. Como mangais que oprimem, atapetam a margem da alma marítima da natural protecção. A juventude do seu corpo fortalecido, sempre adequado e programado para saltar qualquer obstáculo, em maré de rosas sempre cuidada, regada, e que no esquecimento se seca, sem rega. Mas que depois recebe a água da vida. Então reergue-se e canta a ária do Coro dos Caídos. Não esquece a representação final ao Criador do amor. A flor com e sem dor, sempre feminina, uterina, apta para a fecundação.
Belita sentiu a sua flor jasmim-manga murchar-se. Apesar de muito aromatizada não conseguia resplandecer. Lançou talvez o último pedido de socorro.
- Por favor… leva-me para a maternidade.
Abel não sabia como lhe obedecer. O que fazer do e no tempo, o que pensar. Sentia o sol apagar-se. Mecanizou-se como adivinho talvez ao último desejo da amada nebulosa.
- Está bem… não deixes o jasmim da nossa primavera da vida murchar.
- Não! A tua fumbalelê nunca murchará. Está rejuvenescida… já rejuvenescia a ecologia. Sempre bem desperta… e para ti aberta.
Chegou na maternidade e entregou-se aos cuidados intensivos. Suspirava, procurava a vida que lhe faltava, e do único que a amava. No exterior, Abel aguardava impaciente. Talvez fosse apenas mais um daqueles trejeitos, um daqueles sintomas que normalmente as mulheres sentem durante a gravidez. O tempo passava, e as notícias, ele sentia, eram desconfortáveis. Sentiu uma faísca no cérebro. Como se alguém lhe estivesse a enviar uma mensagem. Que estranho... era a primeira vez que sentia tal no seu pensamento. Parecia um pesadelo. Despertou sobressaltado. Não esperou, correu pelas escadas empurrando, não se importando com quem lhe aparecia à frente. Sabia onde ela estava. Estacionou e perguntou desordenado:
- A Belita…
O semblante da médica augurava que o ser de crer não se amoldava. Sentiu-se deslocar para a época glacial. A geografia física entonteceu-o com os seus fenómenos físicos, biológicos e humanos. A médica conseguiu descartar-se:
- Faleceu!
Infelizmente é apenas com esta palavra que as pessoas de todo o mundo, que trabalham nas áreas de saúde respondem. Habituaram-se demasiado às leis da morte. Como se comprassem qualquer produto num qualquer estabelecimento comercial. Parecem saborear com o maior à vontade um bom petisco na companhia de cadáveres. Como se saborear a morte fosse a sua profissão. Será que já perderam os sentimentos? Apenas sentem as pessoas como qualquer objecto que enquanto funcionais são prestáveis? E quando já não servem, o destino é o caixote do lixo, vulgarmente chamado de cemitério. Triste realidade e fim deste perecer.
Abel evadiu-se, afastou-se da realidade. A querida da sua vida… sem ela?! Será engano? Não! Viu, sentiu que ela se despediu do muro de suporte da vida que ruiu. Já não respirava. Lembrou-se que quando deixamos a dinastia da vela vivencial não respiramos. Sentiu a ténue chama que restava da alma do seu amor, já nos idos sempiternos.
Abel! Sonharam-me que descobriria o Caminho. Que tudo me seria revelado. Lamento! Não consegui. Deixo-te os meus últimos suspiros. Vão para ti. Vejo tudo tão escuro, parece noite. Que luar, neste tão estranho lugar! E contudo tão bonito. Vejo alguém muito longe que se apressa. Levita para mim. Abel! Sinto muito medo! Ah!.. És tu! Não te demores. Vêm meu ardor. Acolhe-te nos meus braços ainda abertos. Ainda desejava viver muito, mas não me deixaram. Com esta Constituição não deixarão ninguém viver. Apenas nos resta o sono do sonho eterno da nossa infelicidade.
Um tremendo fogo interior percorreu-lhe o corpo. A decisão da morte tão cruel para expiar o sentimento de culpa que sentia… a vingança nesta sociedade tão desumana. Uma vingança a este Governo que não os soube acolher. Adquiriu a certeza que assim não adianta mais viver. Mas, não foi ele que cometeu o crime. Infelizmente no reino epidémico é proibido amar. Tudo é proibido. Os nobres têm autorização legal, inquisitorial. Apenas uma coisa não é proibida… a morte. No reino da casa da mãe joana permite-se tudo. Viver para espoliar e abandonar todos ao reino da fome.
Pegou num recipiente. Foi numa bomba de combustível da Sonangol e encheu-o com gasolina. Entrou em casa normalmente para que ninguém suspeitasse das suas intenções. Fechou-se no seu quarto bem trancado. Ensopou o colchão com a gasolina do nosso desenvolvimento, deitou-se e pegou-lhe fogo. As chamas rapidamente tomaram conta do seu corpo. Entretanto um familiar sente cheiro a fumo. Tenta abrir a porta do quarto, não consegue. Gastaram-se quinze minutos para derrubar a fortificação. Levaram-no rápido para o hospital. As queimaduras eram intensas. Dificilmente escaparia. Pouco depois veio o fim do que nos resta. O convite da morte que foi atendido. Contente por roubar mais um jovem, transportou-o para o seu abismo eterno. Os últimos momentos foram uma mensagem de esperança para a sua Belita. A quem amou como poucos o sabem fazer. Ao maior, mais puro e único amor da sua vida.
Belita! Estou prestes a consumir-me nas chamas da gasolina da nossa Sonangol e na escuridão dos seus cofres públicos gelados. Onde guardam as fortunas invisíveis, insensíveis que nos conduzem à morte. O meu, o nosso clamor não será em vão. Alguém escutará, redobrará este apelo! Na noite mais sombria dos tempos voltarei, e juntos encantaremos, espalharemos o perfume humano, a esta desumanidade do nosso Amor. Oh!.. Querida… voltaremos..! Para aniquilar estes tiranos que extinguiram o amor. Vejo para sempre finalmente a tua beleza e o teu amor que me seguem. Vem! Para a nossa morada eterna! Onde não existem noites mas apenas o nosso glorioso Amor. Se fortuna não tivemos nesta Angola a do céu será o nosso tesouro. O teu silêncio será como uma enciclopédia. Ó Glória! Ó Glória! Segue-nos, acampa-nos sempre amor vitorioso, virtuoso. Levo comigo o nosso anel, o símbolo da iniciação dos mistérios do nosso culto, do casamento que inventaram e com a morte nos casaram. Este enlace que jamais alguém apartará.

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