TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ACUSADO DE DESQUALIFICAR TRIBUNAL INFERIOR
A justiça em Angola parece não se desprender das teias partidocratas que a conformaram no tempo da ditadura e, agora, da democracia encoberta do mesmo pai da criança: o MPLA. Se antes a justiça era revolucionária, com o seu espelho nos campos de fuzilamento sem “perca em julgamentos”, hoje é partidocrata e a bíblia é a mesma: “falsear”, nos julgamentos a realidade dos factos no interesse de quem manda. É o retrato de uma carta de juízes democratas, chegada a redacção de F8, denunciando o que consideram irregularidades devidas ao poder de nomeação dos mais ilustres magistrados das cortes supremas, por parte da Presidência da República. A reclamação vem da própria classe profissional de juízes de todo o gabarito, que se insurgem contra os métodos praticados por algumas instituições de justiça, particularmente o recentemente criado Tribunal Constitucional.
Sílvio Van Dúnem & Ankara Sankara
O Tribunal Constitucional está a causar um clima de mau estar nos tribunais comuns devido a sua inusitada interferência, quando em causa estão razões subjectivas e de tráfico de influência em questões aparentemente “da competência do Tribunal Supremo, como única e soberana instância de recurso em matéria criminal”.
E o que seria abrenúncio na mais corriqueira democracia é normalíssimo entre nós, e constatamos então que essa ingerência tem vindo a ser aplaudida, face a omissão cúmplice, pelo Tribunal Supremo, ao remeter-se à condição de mero espectador, com pleno e visível prejuízo para a imagem e consequente descredibilização não só de si próprio mas também de todos os outros Tribunais.
Na carta – denúncia lê-se: “há conhecimento de parcialidade na decisão do Tribunal Constitucional, recaída em dois ou três casos, sob alegação de VIOLAÇÃO DOS PRAZOS DE PRISÃO PREVENTIVA”, desqualificando sem justa causa, os tribunais de 1ª instância, onde decorrem ou decorreram os processos”.
Não estando em causa o papel fiscalizador do Tribunal Constitucional, quanto a violação das normas constitucionais, o estranho é de muitos destes processos estarem na alçada de advogados ligados directa ou indirectamente ao escritório RGT (iniciais de Rui, Guilhermina e Teodoro).
Um juiz contactado por F8, dá o beneficio da dúvida ao presidente do TC, Rui Ferreira.“Acredito que ele, por vezes, nem saiba, mas os seus pares ficam coagidos na tomada de certas posições, convictos que um parecer contrário poderá ferir susceptibilidade do presidente do Constitucional. Mas em todo caso é preciso que o dr. Rui Ferreira, tenha maior rigor, na fiscalização dos acórdãos, para o seu bom nome não ficar ligado a suspeição”.
Por ironia do destino, diz o documento, “todas as causas respeitantes à desqualificação, prendem-se com desvios de elevados montantes por funcionários do Estado em instituições públicas onde exercem cargos de direcção. Sendo legal o recurso à providência do HABEAS CORPUS para justificar a restituição à liberdade de cidadãos detidos com ou sem culpa formada com fundamento em excesso de prisão preventiva, a verdade é que se tem preterido a salvaguarda dos interesses patrimoniais do Estado e, privilegiado em contrapartida, os interesses de alguns cidadãos que sendo comprovadamente criminosos, têm a representá-los no pleito judicial, mandatários de escritórios de advogados já mencionados”.
Os juízes que se consideram apartidários e distantes de ideologias comprometedoras apontam o facto de ter sido uma advogada do escritório RGT, alegadamente, também, assessora do Tribunal Constitucional, a conseguir que este órgão alterasse o processo dos Serviços de Migração e Estrangeiros, SME, onde os réus após condenação e com recurso em vias de reapreciação pelo Tribunal Supremo, foram todos postos em liberdade, por interposição de um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, onde o TC alegou ter havido, por parte do juiz da causa, no tribunal de primeira instância, alguns direitos fundamentais dos condenados.
“Mais grave foi tomarmos conhecimento de terem desaparecido algumas folhas, quando o processo subiu ao Tribunal Constitucional, por implicar alguns advogados e juízes que desempenharam, no caso, um papel de jogador e árbitro, logo até deveriam declarar-se impedidos, na assinatura do Acórdão, mas preferiram ignorar a realidade, além de violarem o art.º 312º do Código Penal, que faz alusão a - « subtracção, descaminho ou destruição de documentos por empregado público a quem tenham sido confiados”.
Noutro processo em que também houve, para os juízes tráfico de influência, “foi aquele em que é acusado o médico António Bento ex-director Provincial da Saúde de Benguela, por alegado desvio em comparticipação criminosa do valor correspondente a mais de 20 milhões de dólares, aos cofres do Estado e cuja defesa esteve a cargo do escritório FF (Fátima Freitas), pessoa próxima ao presidente do Tribunal Constitucional”, lê-se na denúncia, acrescentando, ter sido aqui, também avocado o “habeas corpus”, que permitiu estar o réu em liberdade a mais de um ano e sem ressarcimento do Estado”.
Mas o que terá tocado mais os magistrados apartidários e que se recusam a pertencer aos comités de especialidade dos juristas e juízes do MPLA, está relacionado com o caso da cidadã bancária, Maria Lucrécia Sabino Silva, julgada e condenada, após confissão, a uma pena de prisão maior de 8 anos, pelo crime de peculato, por alegado desvio de 5 milhões de dólares, enquanto funcionária do Banco Nacional de Angola.
“Ela já tinha sido condenada, foi admitida o recurso e o processo havia subido ao Tribunal Supremo, quando não se sabe porque engenharias o Tribunal Constitucional, concede, nesta fase, o “habeas corpus”, evocando a violação de direitos fundamentais consagrados na Constituição, quando a cidadã confessou o crime e isso está registado em acta de julgamento. Inclusive, ainda em pleno julgamento a ré, havia solicitado a liberdade provisória mas o Tribunal Supremo indeferiu o pedido”.
É estranho que a uns cidadãos, talvez os de segunda classe, vejam-se o caso da FNLA e outros, não existe sensibilidade do Constitucional, mas noutros, como este, o juiz da causa, dr. Januário da 5.ª secção, caricatamente, teve conhecimento da decisão do Tribunal Constitucional, de libertar a ré, quando já não poderia intervir no processo, por se encontrar em análise de recurso no Tribunal Supremo devido ao recurso interposto e admitido.
“Ensina-nos o Direito, o Direito de Todos, pese a redundância, que depois de proferir uma decisão, no caso o Acordão, o juiz da causa, já não pode intervir no processo, excepto se lhe forem exigidos esclarecimentos em termo do prescrito no artigo 669º do Código de Processo Civil. Mas neste caso foi mais grave, pois o Tribunal Supremo, que tinha a tarefa de defender o juiz do tribunal condenatório, encolheu as unhas, em total submissão ao TC e encostou-o as cordas, como é comum dizer-se, sendo obrigado a cumprir a decisão, soltando a ré sem ter o processo sob o seu domínio, numa santa ilegalidade”, denunciam.
Mas o caso só foi possível, apontam o dedo a Cristiano André, “por imposição do Tribunal Supremo, que escudando-se no dever de obediência a decisão de um Tribunal Superior, afiançou o cometimento de tão grosseira ilegalidade pelo julgador do processo, quando se esperava que outra postura do Supremo e não limpar as mãos como Pôncio Pilatos, deixando o “vassalo” entregue a sua sorte, encorajando-lhe a meter a cabeça na guilhotina, como fez Egaz Moniz nos tempos áureos da monarquia portuguesa. Que respeito é reconhecido a um juiz que é tratado dessa forma? Nenhum, para desconforto da justiça que se pretende revolucionária”.
Agora, lembram os juízes, “bom seria que o dr. Raul Araújo viesse a terreiro denunciar estes escritórios que fazem tráfico de influência ao mais alto nível, mas seguramente ele não poderá atirar-se contra os chamados do grupo, como RGT, FF, FBL, MVIP e outros, por razões óbvias. Basta que também se pergunte como saiu em liberdade o ex-administrador municipal de Benguela, Manuel Francisco, para o quadro ficar completo”.
Pese esta nebulosa situação não se pode descurar o facto dos tribunais em Angola estarem afectados pela gritante falta de infra-estruturas de base, 36 anos depois de proclamada a Independência, pelo MPLA, com muitos tribunais a funcionarem em anexos ou mesmo garagens, como os do Uíge, Mbanza Kongo, Kuando Kubango e outros. A falta de magistrados e de condições de trabalho, para responderem em tempo oportuno às distintas e inúmeras causas que dão entrada, todos os dias nos tribunais, agravados ainda pelo facto de existirem poucas salas de julgamento, são também questões a ter em conta. “Há secções, por exemplo, em Luanda, com três juízes e só uma sala, cabendo a cada magistrado, dois dias de julgamento, insuficientes para se cumprir com as metas estabelecidas pelo Supremo”
Neste quadro não parece de bom-tom e é mesmo desprovido de patriotismo, que venerandos juízes conselheiros, sejam apontados como suspeitos de aproveitarem a debilidade de instituições públicas, no caso concreto os tribunais comuns, enquanto órgãos de soberania, para encorajar, através do tráfico de influência, a continuidade da delapidação de dinheiro do Estado, usando um meio lícito; as decisões jurídicas, para se encobrir práticas delitivas, cometidas por certos cidadãos e com provas irrefutáveis vertidas nas audiências de julgamento.
Uns como atrás verificamos, conseguem obter a sua libertação, pese terem sido, devidamente condenados a penas de prisão maior, ou, que não tendo sido ainda julgados e estando preventivamente presos, o desfecho dos respectivos processos tende para a condenação em pena de prisão maior, vêm o Constitucional impor aos tribunais comuns a sua ordem.
Há milhares de cidadãos nas cadeias, muitos deles envolvidos em crimes de natureza patrimonial de que é lesado o Estado Angolano, mas o reduzido valor por eles defraudado, tem desmerecido, acusam os juízes, a atenção do Tribunal Constitucional, que é por excelência a instituição criada para prosseguir e assegurar a observância dos direitos fundamentais dos cidadãos.
“Por que razão, vemos casos de fraudes de avultados montantes a serem levadas à estampa pela informação pública e privada, sem que isso seja impedimento para que lhes seja dado um tratamento privilegiado, ordenando a sua soltura como se nada tivessem feito, enquanto outros casos menos delicados os seus responsáveis são mantidos nas cadeias”?
E neste patamar os reivindicadores têm uma resposta.
“A resposta a esta questão tem a ver exclusivamente, de um lado, com a necessidade de restauração do nome do criminoso, que é regra geral, pessoa socialmente bem conceituada, e, de outro lado, o entrosamento entre o seu mandatário e o Tribunal Constitucional. A consequência de tão elevada infâmia salta à vista de quem quer que seja. Assim sendo, dada a curiosa postura que vem patenteando o Tribunal Constitucional e pela dignidade institucional que é mister reconhecer-lhe no contexto da Constituição da República, questiona-se qual é o órgão do Estado que deverá assumir a protecção dos interesses da Nação”.
Para quê a existência dos tribunais, para os cidadãos de primeira, se mesmo considerados criminosos têm as cadeias como colónias de repouso, de onde pouco tempo depois são postos em liberdade, vindo com a maior das impunidades desfrutar de forma faustosa daquilo que indevidamente se apropriaram?
Que Estado Democrático e de Direito se almeja construir com tão elevada promiscuidade? Ou ainda que créditos ficam reservados aos tribunais comuns perante tão aberrante desqualificação.
F8, acredita que ao tomar conhecimento desta situação, seguramente, o dr. Rui Ferreira, pessoa de competência reconhecida se vai pronunciar e esclarecer os factos e não ter necessidade de chegar ao ponto sugerido pelos juízes democratas.
“EXCELÊNCIA
Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, fazemos vénia rogando que desminta o que ficou escrito se não é verdade. Coloque o cargo a disposição se tiver consciência da verdade apresentada, como bom democrata que julgamos ser!”
Para bem da nossa justiça, dos fazedores do direito, pensamos que tudo ficará esclarecido, para que um tão importante instrumento de um Estado de Direito não seja totalmente descredibilizado.
*Voltaremos
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