quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O alerta que vem das Lundas. Os diamantes angolanos controlados pelos generais são mortais


O investigador Rafael Marques abriu o saco, tirou de lá toda a sujeira acumulada em informações colhidas desde há coisa de quatro anos a esta data e fez queixa contra empresas mineiras que não se fartam de abusar da sua prepotência para molestar as populações autóctones da Lunda-Norte. Do seu notável livro, “Diamantes de sangue, corrupção e tortura em Angola”, foram reunidos os fundamentos da sua acção actual, que por enquanto assentou arraiais numa queixa-crime, cujo texto o referido activista pesquisador enviou por email ao F8 depois de ela, a queixa-crime, ter sido apresentada à Procuradoria-Geral da República (PGR), em Luanda.

Sílvio Van-Dúnem & Ankara Sankara

O enfoque fundamental da sua pesquisa sobre os actos denunciados, «actos quotidianos de tortura e, com frequência, de homicídio» contra as populações dos municípios englobados nas concessões, que configurarão a prática de crimes contra a humanidade» - em particular nos municípios do Kuango e Xá-Muteba - são directa e claramente apontados como sendo da responsabilidade da sociedade Lumanhe Extracção Mineira, Importação e Exportação, Lda., com sede na Rua Comandante Dangereux, n.º 130, Luanda, que integra um consórcio constituinte da Sociedade Mineira do Cuango (SMC), com uma participação de 38%.
A queixa-crime engloba as seguintes personalidades, todas elas generais, tidas como sócios da incriminada sociedade LUMANHE: GENERAL HÉLDER MANUEL VIEIRA DIAS JÚNIOR “Kopelipa”, Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente da República; GENERAL CARLOS ALBERTO HENDRICK VAAL DA SILVA, Inspector-Geral do Estado-Maior General das FAA; GENERAL ARMANDO DA CRUZ NETO, governador de Benguela e ex-chefe do Estado Maior-General das FAA; GENERAL ADRIANO MACKENZI MAKEVELA, Chefe da Direcção Principal de Preparação de Tropas e Ensino das FAA; GENERAL JOÃO BAPTISTA DE MATOS, ex-chefe do Estado Maior-General das FAA; GENERAL LUÍS PEREIRA FACEIRA, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército das FAA; GENERAL ANTÓNIO PEREIRA FACEIRA, ex-chefe da Divisão de Comandos.
A LUMANHE é parte integrante de uma organização mais ampla, a Sociedade Mineira do Cuango (SMC), que contratou para serviços de segurança a TELESERVICE – sociedade de te lecomunicações, segurança e serviços, sita nas Avenida 4 de Fevereiro nº 208.
Estas três organizações interligadas na mesma empreitada de extracção de diamantes em larga escala, estão ligadas a uma organização off-shore, a SOCIEDADE ITM-MINING LIMITED, com sede em Corner House, 20, Parliament Street, Hamilton HM 12, Bermudas, e escritório de representação em Angola na Rua Joaquim Kapango, nº 19-B, r/c, Luanda. Sabe Deus para que fins!
Montado este esquema, a empreitada passou a ser funcional do seguinte modo: A SMC controla e fiscaliza toda a acção, a Limanhe é o elo forte de ligação ao terreno, com responsabilidades, portanto, no que toca às relações estabelecidas com os autóctones das zonas de extracção diamantífera, relações essas “milimetricamente”, como diria Bento Bento, seguidas pela empresa de segurança privada, a TELESERVICE.
Neste cenário mil vezes repetido, mil vezes milhares de vezes realizado na história da humanidade, num guião de exploração do homem pelo homem, Rafael Marques empreendeu de forma regular, desde 2004, uma apurada pesquisa e monitoria sobre a violação sistemática dos direitos humanos e actos conexos de corrupção, na região diamantífera das Lundas, em particular nos municípios do Kuango e Xá-Muteba.
A 15 de Setembro de 2011 apresentou publicamente o livro Diamantes de Sangue, no qual ele denuncia todas as práticas dolosas de tortura, humilhação e assassinatos cometidos por este consórcio de predadores insaciáveis, de que a empresa privada de segurançaTELESERVICE, contratada pela SMC, para protecção da área de concessão, tem sido a executora.
Segundo Rafael Marques, a LUMANHE, ao abrigo do Contrato de Exploração, é responsável, ao nível da SMC, pelo asseguramento da relação “com a comunidade local, contribuindo para a estabilidade social e o desenvolvimento harmonioso do Projecto na Área de Contrato” e assume a gestão de logística e segurança.
Mas naquilo que se passa realmente, sendo disso numerosos e concordantes os testemunhos e as provas, esses generais, sobretudo os que se encontram no activo, “têm usado o seu poder institucional para dar cobertura, por acção ou omissão, ao poder arbitrário que a Sociedade Mineira do Cuango exerce na região, o que, segundo a Constituição da República de Angola (Art. 61º, a) remete para a Lei Penal Internacional a definição e interpretação dos crimes contra a humanidade, de acordo com o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional (TPI), que define como crimes contra a humanidade (Art. n.º 7º, 1º, a), e), f), 2º, a), e) os actos generalizados ou sistemáticos de homicídio, sérias privações de liberdade, em violação das regras fundamentais do direito internacional, e a tortura contra qualquer população civil de que se tenha conhecimento”.
Ora, é exactamente isso que acontece, o que compromete até ao pescoço o Estado Angolano, que é signatário do TPI desde 7 de Outubro de 1998, tendo reafirmado o seu compromisso voluntário em ratificá-lo, a 3 de Maio de 2007, na sua bem-sucedida candidatura a um assento no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
De relembrar que na sua recandidatura ao referido Conselho (2010-2013) Angola reiterou, mais uma vez, a 5 de Maio de 2010, o seu compromisso voluntário em acelerar o processo de ratificação da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
Portanto, os accionistas da SMC (38%), operadora do projecto, pela posição que ocupam de supervisão, têm de assumir a responsabilidade directa na instrução das medidas de segurança na área de concessão, cujas consequências dão lugar à presente queixa-crime (tortura, assassinatos, etc.).
Os sócios da sociedade TELESERVICE, empresa privada de segurança contratada para prestação de serviços à Sociedade Mineira do Cuango, executora directa dos actos de violência ora expostos, são directamente responsáveis nem que seja apenas por serem os executantes dos crimes que podem ser cometidos por ordem superior ou não. Quanto aos lucros derivados da exploração de diamantes, por via da concessão atribuída à SMC, os sócios incriminados sempre tiveram conhecimento dos actos generalizados e sistemáticos de violação dos direitos humanos na região.
Em 2005, publicou-se o relatório “Lundas: As Pedras da Morte”, sobre o mesmo assunto. Ao tempo desta publicação, a Polícia Nacional, que também era denunciada como parte do problema, tomou uma série de medidas que, desde então, tem prevenido o envolvimento dos seus agentes em actos hediondos e usado mecanismos institucionais e legais para disciplinar ou punir os agentes que os cometam.
O relatório subsequente, “Operação Kissonde: os Diamantes da Miséria e da Humilhação”, de 2006, relatou a prevalência quotidiana de actos de homicídio, tortura, espoliação, trabalhos directamente executados pela Teleservice, Alfa-5 e K&P Mineira, empresas privadas de segurança contratadas, respectivamente, pela SMC, Sociedade de Desenvolvimento Mineiro e Luminas, todas a operar na mesma região.
Por sugestão da Polícia Nacional, a 1 de Abril de 2006, durante a recolha de testemunhos, para a elaboração do referido relatório, Rafael Marques apresentou uma queixa-crime contra os chefes da TELESERVICE na Secção de Investigação Criminal de Cafunfo, onde voltou a comparecer a 11 de Abril de 2006 para a prestação de mais depoimentos.
Um terceiro relatório, “Angola: A Colheita da Fome nas Áreas Diamantíferas”, veio a público em 2008 e, no processo de elaboração de todos estes relatórios, todas as relevantes entidades, oficiais e privadas têm sido contactadas e têm recebido casos ilustrativos para a tomada de medidas, independente da publicação dos relatórios.
“A factualidade descrita no Livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, que aqui se dá por integralmente reproduzida, (bem como a factualidade descrita nos três relatórios acima mencionados) configura a prática, por todos os Denunciados, de vários ilícitos criminais previstos e punidos pelo Código Penal Angolano. As condutas criminosas descritas foram praticadas pelos Denunciados de modo doloso, intencional e consciente, bem sabendo os seus agentes que as mencionadas condutas são punidas por lei”.
Neste caso denunciado por Rafael Marques é tudo tão claro que nos dá vontade de chorar por ser finalmente muito mais claro ainda que nada acontecerá a estes agentes do crime organizado ao abrigo da validade nula das leis de Angola.

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