A onda de insatisfação está a crescer pese alguns continuarem a advogar que nada se deve fazer, para alterar o actual quadro de injustiça social, discriminação e má distribuição da riqueza nacional. Os jovens, os velhos, as mulheres e os homens no geral, por todo país clamam por mudanças significativas. Nas Lundas o povo saiu a rua numa grande manifestação popular por vários municípios. A imprensa estatal, como era de se esperar e bem no seu papel partidocrata silenciou os acontecimentos, mas a história registou.
Ngalula Katwui*
No dia 17 de Dezembro houve uma das maiores manifestações populares nas Lundas, cerca de 18 mil pessoas, foram para às ruas contestar contra a presença da empresa de segurança; Teleservice, dos generais, que dizem ser mais um exército particular camuflado, às ordens do partido no poder, para assassinar, violar e prender os cidadãos.
O povo está farto e quer esta empresa fora de todo território, pois eles impedem a livre circulação de pessoas e bens, para além de atentarem contra os direitos humanos, disse em exclusivo ao F8, Inácio Brandão, secretário provincial adjunto do PRS, na Lunda Norte.
“A Teleservice não respeita nem as nossas mulheres que são violadas e nada lhes acontece. Por exemplo nas áreas mineiras a partir do Kuango, Kambulo, Lukapa e nas localidades Luo, Kalonda, Kassanguide, Luxilo, Fukauma, são regiões que a Teleservice monta controlo para impedir a circulação de poessoas mesmo familiares e até matam e violam, para além de senhoras, também jovens e a Polícia não faz nada, por ser cúmplice“.
A maior reivindicação de todos é: “Teleservise fora das Lundas”; “Deixem de matar os nossos filhos”; “Deixem de violar as nossas filhas”, entre outras foram as mais escutadas, porque esta empresa, ainda continua a montar controlos com armas pesadas, como Kastor, RPG 7, AKM 47, entre outras.
“Como é que uma empresa de segurança, se temos polícia e exército não anda desarmada?”, questionou Brandão, acrescentou que “o governo sabe o sítio onde eles têm os controlos, que são locais da Polícia e esta cede o seu lugar”.
O caso mais caricato é; quem está a sair de Luanda via Saurimo, querendo vir para o Lucapa e quiser visitar as comunas de Capaia e Chakasau, localizadas a margem do rio Chicapa ou ainda quem sai de Calonda para Capaia, uma distância de cerca de 130 quilómetros, por uma antiga via colonial, depara-se com um controlo da Teleservice. “Eles aqui revistam as pessoas, que têm de sair das viaturas ou autocarros, mostrar os pertenças e via de regra, eles dividem os produtos, dizendo tratar-se de uma multa”.
Para muitos Tchokwes isso é um abuso do poder por parte desta empresa ligada a generais, pois a maioria das minas até estão paralizadas, assegurou, o secretário provincial adjunto do PRS.
A manifestação decorreu em simultâneo nas localidades de Lukapa, 5 mil populares, Kuango com 3 mil, Cafunfo, com 5 mil, Saurimo com 3 mil, Luo, 3 mil, Calonda, 3mil Fukauma, 4 mil e Cambulo, com cerca de 3.500 manifestantes.
“A manifestação em Saurimo, em que eu estive pessoalmente a cabeça e noutras localidades foi um êxito retumbante e uma clara demonstração do povo estar saturado com as políticas do governo de Eduardo dos Santos, nas Lundas, onde as suas tropas, prendem, assassinam e violam cidadãos e mulheres indefesas. Eles praticam crimes contra a humanidade e isso tem de ser denunciado”, assegurou ao F8, Tito Tximona, deputado parlamentar do PRS.
A manifestação exigiu o fim da acção “das forças paramilitares ao serviço dos generais, principalmente, a Teleservice, empresa de segurança privada, que desenvolve acções que deveriam estar na esfera da Polícia Nacional e das Forças Armadas”.
“Eles fazem tudo, mas nas barbas das autoridades e com o beneplácito do MPLA, pois nos seus controlos, cobram emolumentos e praticam roubos e não só, sob o olhar silencioso das autoridades”, denunciou, acrescentando: “agora o povo cansou e não quer mais ver estas forças militares privadas que o MPLA tem escondidas, para aparecerem como fantasmas no período eleitoral”.
Vejamos agora, o texto de Rafael Marques sobre as acções desta empresa, inserido no seu livro Diamantes de Sangue, Corrupção e Tortura em Angola, que será lançado no dia 26 de Dezembro, no Restaurante Jacaré, na Rua dos Mareantes, 47/49, no Prenda, em Luanda.
*No Território Lunda-Tchokwe
Teleservice: morte à catanada
Rafael Marques
A 5 de Fevereiro de 2010, a camponesa Linda Moisés da Rosa perdeu o seu segundo filho, Kito Eduardo António, de 33 anos, morto à catanada por um guarda da Teleservice, em Cafunfo, sua terra natal.
A mãe explica o sucedido. Tendo notado a ausência do seu filho, ante o regresso dos seus colegas de garimpo, decidiu procurá- lo juntamente com outros membros da família, sem sucesso.
No dia seguinte, os colegas de Kito, identificados apenas como Russo, Fezadeiro e Smith, que, entre si, formavam um grupo de garimpo, «dirigiram-se ao bairro e contaram a verdade sobre a morte de Kito», afirma Linda Moisés da Rosa.
Segundo a camponesa, e de acordo com depoimentos das testemunhas oculares, os guardas da Teleservice enfureceram-se com Kito Eduardo António quando este revelou não ter dinheiro para lhes pagar o acesso à mina, insistindo em continuar a lavar o cascalho, para poder depois efectuar o pagamento. «Mataram-no com um golpe de catana na nuca, outro na testa e um terceiro no rosto, do lado direito, e atiraram o corpo ao Rio Cuango», revela a mãe. «Os [guardas da] Teleservice costumam receber dinheiro dos garimpeiros [...] e autorizam-nos a retirar o cascalho da lavaria», denuncia a entrevistada. Linda Moisés da Rosa lamenta: «O Kito não tinha o dinheiro. Pediu para lavar o cascalho e pagar depois. Por isso, mataram o miúdo.»
A mãe acrescenta que, para comprarem o silêncio e a cumplicidade dos outros garimpeiros, os elementos da segurança da Teleservice «entregaram quatro baldes de cascalho aos rapazes [Russo, Fezadeiro e Smith]. Os guardas disseram-lhes que o cascalho servia de pagamento para não descobrirem a verdade».
Juntos, familiares de Kito e colegas dirigiram-se à lavaria do Dunge, na área do Pone. «Os rapazes [sobreviventes] vivem no Pone e acompanharam-me até ao posto da Teleservice, na lavaria, onde o meu filho foi morto», diz a mãe. «Eles [guardas da Teleservice] perguntaram-me o que eu fazia aí. Eu expliquei que procurava o corpo do meu filho que eles mataram», afirma Linda Moisés da Rosa.
A camponesa relata que os guardas a convidaram a entrar no seu acampamento e com ela se reuniram no jango. Informaram-na de que estavam a cumprir ordens superiores e levaram-na até à zona da lavaria industrial onde os garimpeiros têm feito a recolha de cascalho.
«Eles [guardas da Teleservice] ligaram ao posto do Tximbulaji. O gerente deles ordenou que os seguranças me acompanhassem à beira do rio para procurar o corpo.»
Vencidos pelo cansaço e pelo cair da noite, familiares e guardas regressaram ao jango depois de muita procura. Quando os guardas afirmaram terem cumprido com a parte que lhes cabia, Linda Moisés da Rosa resolveu permanecer no jango. «Eu disse que não sairia daí sem ver o corpo do meu filho. Então, o chefe autorizou a guarda a conceder-me cinco dias para localizar o corpo.»
Segundo a camponesa, «no terceiro dia de buscas, os guardas disseram-me que estavam a cumprir ordens. Era uma missão mandada. Diziam ‘se não matarmos, o governo vai dizer que combinamos com os garimpeiros para dividirmos o dinheiro’».
A camponesa afirma ter informado pessoalmente a Polícia do seu infortúnio. De seguida, soube que as autoridades já estavam a par do caso e que consideravam o seu filho e os outros garimpeiros como culpados pelas suas próprias mortes. Para além da Polícia, a mãe também contactou a administração local e diz que esta se manifestou incapaz de tomar quaisquer medidas, «porque é uma missão mandada».
«Eu disse, está bem! Então assim o governo vai governar com quem, se está a matar os jovens?
Eles respondiam que o governo não conta connosco [Tchokwe]. ‘Quando dizem o povo, vocês [Tchokwe] não estão incluídos. O governo não vos conta. O governo conta o povo de fora. Vocês [Tchokwe] não.’
Nós não sabemos agora o que somos. Nós nascemos aqui. O rio dos diamantes está aqui, na nossa terra, onde dei à luz o meu filho. O meu Kito bebia a água do Rio Cuango. Foi desta água que lhe dei banho.
Os estrangeiros estão a apoderar-se dos diamantes. Os nossos filhos não podem beneficiar dos diamantes, são mortos.
Os [guardas da] Teleservice disseram-me: ‘O teu filho é um zé-ninguém.’ Disseram que eu sou ninguém na sociedade e que o meu filho não faz falta em Angola.»
A 4 de Março de 2011, a direcção-geral da Teleservice teve um encontro comigo. Houve discussão aberta e cordial sobre os direitos humanos, mas off the record, por solicitação da empresa. Finalmente, a meu pedido, no mesmo dia, Linda Moisés da Rosa pôde expor directamente a sua tragédia familiar a Valentim Muachaleca, director- geral da Teleservice. Este solicitou à camponesa que relatasse o sucedido por escrito e agendou novo encontro. Enviei-lhe por e-mail, a 8 de Março de 2011, o relato que redigi sobre o caso. No dia seguinte, Muachaleca conversou com Linda Moisés da Rosa. No mesmo e-mail, em prol da transparência e da resolução dos actos de violência, descrevi grande parte dos restantes casos. Não obtive retorno.
«Ele disse que os garimpeiros se mataram entre si e que a empresa dele não tinha nada a ver com o assunto», revela a mãe.
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