quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Lembranças que o vento traz


Marta Fernandes de Sousa Costa*

Possuo uma linda toalha de rosto, bordada com o nome da sogra. Na verdade, sendo tão antiga, entendo que a toalha deve ter pertencido a sua mãe, que possuía o mesmo nome. Como herdei da sogra, contudo, considero-a como tendo sido sua. Em ocasiões especiais, gosto de colocá-la no banheiro social. Imagino que, dessa forma, a sogra participará da reunião, saboreando companhias e sabores com o prazer de antes. Ajeito a toalha no porta-toalhas e acredito sentir a sua presença, como se pudesse chegar e participar da festa.

Depois que casei e fui morar em outra casa, invariavelmente, no dia do meu aniversário, mamãe ligava o telefone e cantava “Parabéns a você”, nas primeiras horas da manhã. Depois, vinha ajudar nos preparativos, pois, naquela época, ainda não sendo comum recorrer às quituteiras, tudo era feito em casa. Mamãe se foi cedo demais (como parece ocorrer às boas mães) e, ao partir, levou consigo a menina que considerava o aniversário como um dia especial.

Preparar o próprio bolo de aniversário não tem a menor graça. Por isso, talvez, passei a considerar a data como oportunidade de obsequiar outros, considerando o tanto que a vida já me deu. Aliás, em linguagem prosaica, posso dizer “que está de bom tamanho”; já me sei em dívida e é melhor começar a retribuir, antes que a vida se apresse a cobrar.

Como a mãe e a sogra, muitos outros deixaram marcas, em sua passagem. O tempo transformou em aprendizagens as marcas amargas. Algumas, não podendo se transformar em sabedoria, transformaram-se em anedota e passaram a produzir risos, que ainda é a melhor forma de exorcizar os fantasmas. Faz bem rir do que um dia nos fez mal: é como colocar a alma para arejar ao vento e, vendo-a tremular, compreendê-la liberta.

E é justamente o vento de Finados que traz de volta os nossos mortos, fazendo-se presentes, mesmo que já não se lhes leve as flores de outrora. Voltam de mansinho, entrando nas conversas, imiscuindo-se nas lembranças. Alguns trazem tristeza, pela certeza de que nada jamais será igual, sem a sua presença; outros enriquecem a conversa, com as histórias pitorescas, a certeza de que tiveram o seu tempo e ninguém fica pra semente, por mais que essa possibilidade parecesse boa.

Aqueles que passaram em nossas vidas e souberam se tornar importantes permanecem conosco, fortalecendo-nos com as boas lembranças. Repetimos as suas histórias, usufruímos dos seus ensinamentos, fazendo com que não sejam esquecidos. Mas a vida pede que se ande pra frente, sem olhar demasiado para trás, para não se perder o rumo. Ficar preso ao passado, sofrendo pelas mudanças ocorridas, remoendo o que se perdeu, o que poderia ter sido e não foi, as coisas que se disse ou deixou de dizer, é forma de sofrer sem resolver; apego ao passado, pela dificuldade de enfrentar o presente; acomodação ou medo de enfrentar o dia de hoje, com todas as suas exigências e tomadas de posição.

Mas, ainda que seja bom voltar ao passado (vez por outra, até precisamos disso), também é bom saber que o presente nos concede a oportunidade de desfazer, refazer, participar, construir e deixar as nossas marcas. Quem sabe, algum dia, imaginando que poderíamos estar juntos, alguém sorria com saudade, fazendo valer toda a existência.

*www.martasousacosta.com

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