domingo, 21 de novembro de 2010

Interior mistura alhos com bugalhos. Agentes do SINFO torturam polícias presos, violando a Lei e a Constituição



Hoje vamos pegar na nossa lupa para ver de muito perto o que se está por ora a passar no caso referente às vicissitudes que afectaram a carreira do comandante Quim Ribeiro. Numa das nossas últimas edições opinámos no sentido moralizador, argumentando que os acontecimentos referentes ao caso em que ele está implicado, o do desaparecimento de um magote de dinheiro vivo, cerca de USD 3.500.000,00 subtraídos aos cofres do BNA, dão uma vaga ideia do descalabro em que se encontram, não só a mentalidade dos nossos responsáveis, mas também a dos nossos banqueiros, dada a extrema facilidade com que se movimentam massas monetárias de milhões de dólares, dos cofres dos bancos para os sacos dos ladrões e destes para o bolso de agentes da autoridade que ficam encarregadas de os encurralar.

Kuiba Afonso & Arlindo Santana*

Mas o mal não é só esse, pois o F8 está em posse de documentos reveladores de uma curiosa e inédita estratégia de investigação criminal, que mistura alhos com bugalhos ao confiar a investigação de um caso de direito penal aos Serviços de Informação ex-SINFO, e agora SISE, num evidente atropelo aos foros reservados à DNIC e à Polícia Nacional (PN). Não de qualquer modo, mas sim com uns às turras com os outros.

A ideia genial vem, segundo parece, enfim, não pode ser outra coisa, do novo ministro do Interior, Sebastião Martins, e a decisão foi apresentada como consequência lógica e inevitável de os principais suspeitos do processo a que aqui aludimos serem dois pesos pesados da Polícia Nacional, Quim Ribeiro, comandante provincial de Luanda, e Augusto Viana, superintendente e comandante da 7ª Divisão da Polícia Nacional de Viana e os homens da PN e DNIC serem “seus miúdos”.

Por ora, o primeiro foi suspenso das suas funções e o segundo já foi detido, com mais dois oficiais seniores da Direcção Provincial de Investigação Criminal de Luanda (DPIC), todos eles conotados ao comandante suspenso.

O despoletar desta suculenta história de milhões, data de fins de Maio e Junho do ano em curso, talvez mesmo já tivesse começado no mês de Abril, com o alegado desaparecimento misterioso de 3 milhões e meio de dólares depois de este ter sido localizado por agentes da PN de Viana numa residência situada alegadamente no Km 8.

O dinheiro foi confiscado pela Polícia Nacional, segundo uma carta-denúncia, alegadamente, escrita por um agente assassinado e com perfeito conhecimento dos dois chefes grandes, “Quim” e Augusto. Depois disso mais nada, sumiu, desapareceu na natureza.

Actualmente, por causa desse sumiço, o inquérito em torno do comandante “Quim” Ribeiro & comparsas está alegadamente a ser feito por uma comissão que tem à cabeça o comissário Fernando Torres da Conceição “Mussolo”. Mas, segundo a documentação em nossa posse, este processo foi num primeiro tempo confiado a um superintendente chefe da Polícia, Domingos Francisco João, que fora encarregado, ainda antes do mês de Junho, de investigar com o máximo de perspicácia em que condições, por quem e qual seria o paradeiro desse dinheiro, antes disso escondido no terreno duma propriedade situada no quilómetro 8 da estrada de Viana.

Porém, a sua pesquisa foi de curta dura, pois apareceram-lhe pela frente obstáculos que o impediram de levar avante a sua missão, e não só, juntaram-se aos obstáculos os maléficos intentos de pessoas, alegadamente da PN, que o importunaram, perseguiram e chegaram mesmo a encarcerá-lo. E essa perseguição foi levada até às suas últimas consequências, pois teriam sido certamente essas pessoas que mais tarde o encurralaram perto de Viana e o assassinaram.

Um dos documentos a que o F8 teve acesso é precisamente uma comunicação que o falecido Domingos Francisco João teria escrito ao então ministro do Interior, general Alberto Leal Monteiro “Ngongo”.

Nessa missiva dramática, o superintendente chefe Domingos João queixa-se de ter sido vítima duma cabala organizada, por trás da qual oficiaria o…. o comandante “Quim” Ribeiro. Este ter-lhe-ia dado ordens destinadas a o comprometer – por exemplo, “em Abril, no dia em que o presidente da República inaugurava o edifício Atlântico, o comandante ordenara pessoalmente” que ele fosse “ao largo do Baleizão comunicar às forças lá estacionadas que deixassem passar as viaturas e outros meios rolantes, na mesma via em que deveria passar a comitiva do Presidente da República”.

Com este parágrafo fica a nu uma enorme contradição que não pode caber na cabeça de um membro da PN, por ser por demais consabido que, quando o chefe de Estado está na rua, compete a sua segurança pessoal à UGP, assim como regular o Trânsito. Sendo este o esquema há muito, muito tempo, esta informação parece sair da boca de alguém que não está ao corrente dos usos e métodos policiais. Portanto, é descabida.

Adiante diz: pouco tempo depois o seu nome foi retirado da escala de serviço de permanência do CGPN sem nenhuma explicação válida; foi vítima de assaltos à sua residência, pelo menos por duas vezes (em Maio deste ano); atentaram à sua vida com recurso a perseguição urbana a bordo de viaturas (3), também a pé e uso de armas de fogo; foi encarcerado, espancado, humilhado e torturado à frente de agentes da PN; Mantiveram-no incontactável com o CGPN por três dias (do 4 à madrugada do dia 7 de Junho de 2010, algemado numa cela, para ser apresentado em julgamento sumário de um tribunal municipal; foi retirado da cela às 6H00 horas da manhã par um julgamento a ser realizado às 16H30, para evitar um possível contacto com o PGR João Maria, nesse dia de visita à prisão de Viana; foi condenado a prisão de 4 meses e 15 dias de encarceramento, graças à intervenção de falsas testemunhas; ao sair do cárcere, foi assassinado à queima-roupa por volta das 19H00, perto de Viana, ao volante da sua viatura.

Assim sendo, não se entende, como a sua carta sendo do conhecimento das autoridades, mais concretamente do Ministro do Interior, este não tenha chamado as partes, para uma acareação. E mais grave, que isso é de Quim Ribeiro, aparecer na carta, não como comandante provincial de Luanda, mas como se fosse o verdadeiro comandante geral da Polícia Nacional, pois sendo ele provincial, não pode interferir em competências de órgão superior, a quem compete movimentar os seus quadros. Esta é outra confusão com o facto de se pretender agora fechar-se por esta via os acessos à verdade dos factos, pois, aparentemente, essa via agora está sob controlo exclusivo do SINFO, que pretende apresentar a sua verdade, mesmo que seja sob coacção ou muita pancadaria aos já detidos, agentes da Polícia Nacional, que estão a pagar o processo de afirmação da tomada de posse de um novo ministro, que como vem acontecendo ao longo dos anos, tem de tirar do caminho homens ligados ao seu antecessor. Isso mostra claramente não haver respeito pela carreira no funcionalismo público e, mais grave, o desnorte que está a ser implantado nos meios castrenses, cujos resultados poderão ser incontroláveis. Domingos João, esse, já não pode dizer mais nada, mas a carta cuja autoria lhe é atribuída, tem de ser bem analisada, pois este caso não pode ser posto, digamos em banho-maria, para que a culpa morra solteira e sejam inocentes a pagar no lugar de assassinos. Se isso vier a acontecer, seguramente, o início do consulado do recém-nomeado ministro do Interior o vigoroso Sebastião Martins, nunca mais vai esconder a nódoa que agora se auto-coloca.

Métodos d’antanho
Desde essa data, houve o que se poderia denominar como uma revolução no Ministério do Interior, rolaram algumas cabeças, outras estão prestes a rolar e a vida dos que pensavam fugir às suas responsabilidades passou a ser um “Ai Jesus!”.

O problema é que os agentes do SINFO que foram escolhidos por Sebastião Martins, não deviam ser da DNIC ou da Procuradoria-Geral da República, pois com os seus métodos “nazistas”, podem vir a comprometer a sua imagem, ao extrapolarem às suas responsabilidades e competências, por vezes nem sequer responsabilidade emprestam á própria investigação.

Vejamos agora um outro documento revelador de acções violentas, incluindo tortura, numa repetição de métodos em voga há cerca de 50 ou 100 anos atrás, mesmo em democracias que hoje se dizem defensoras dos direitos humanos.

O director provincial adjunto da Investigação Criminal de Luanda, António Paulo Lopes Rodrigues enviou uma comunicação ao Procurador - Geral da República, dando-lhe a conhecer o tipo de sevícias de que tinha sido vítima da parte do sr. Muhongo, agente sénior dos SINFO e homem de confiança do actual ministro do Interior que se toma realmente como sendo Director Nacional de Investigação Criminal, “segundo promessas que lhe foram feitas”, especifica o documento, coadjuvado por um chamado de Ventoinha, que, depois de terem submetido dois colegas seus, João Lango Coricoco Adolfo Pedro (filho do ex-Presidente do Tribunal Popular Revolucionário, Adolfo João Pedro. O famoso juiz que julgou os mercenários) e Domingos José Gaspar, empregando meios coercivos para os obrigar a dizer a verdade e apontar o nome do comandante Joaquim Vieira Ribeiro como responsável não só deste caso dos milhões de Viana, mas também por ter forçado confissões no caso “Frescura”.

Mesmo não tendo sido citado nos autos pelos dois colegas seus, António Lopes foi convocado pelo director Provincial a fim de ser interrogado por agentes dos Serviços de Informação no quadro deste caso de dinheiros do BNA, a fim de ele explicar por que razão se encontrava em Viana em um determinado dia crucial ligado ao assassinato de Domingos Francisco João, segundo os investigadores. Mas, pela descrições de torturas sofridas pelos seus colegas ”(…) sabendo da tramóia e temendo pela minha própria integridade, achei por bem não comparecer na audiência programada, e a partir daí passei de um alto funcionário” a bandido” escreve António Lopes Rodrigues, para em seguida revelar, «foram «montadas escutas telefónicas, forjadas perseguições à minha família e colegas, residência vigiada 24H sobre 24, com os camaradas do Sinfo a aterrorizar a minha família».

A verdade é que ele tinha sido chamado por um oficial da DPIC chamado Bernardo em missão encomendada, pois tinha aparecido uma viatura com dois cadáveres no interior, e o próprio Director Provincial estava ao corrente do sucedido. Visto lhe parecer que a investigação dos Serviços de Informação estava bastante viciada, António Paulo conclui, “pelo andar dos acontecimentos tudo indica que (…) a intenção não é senão atingir a pessoa do Sr. comandante Provincial de Luanda e que há Já bastante tempo vêm montando esta ratoeira”.

E não é tudo, pois como que para corroborar estas denúncias, a esposa de um dos colegas de António Paulo, Josefa Gaspar, esposa de Domingos José Gaspar, jurista e inspector da PN, colocado na DPIC/Luanda, ao chefe do Gabinete Jurídico da PN e a algumas outras altas personalidades, a dar conta da detenção ilegal e compulsiva do seu marido «no dia 5 de Novembro passado por volta das 20H30, efectuada pelos Srs. Manuel Constantino ou Dirico e Almerindo por orientações expressas do senhor conhecido apenas por Muhongo, chefe do Departamento do Crime Organizado dos Serviços de Inteligência. A senhors explica na sua carta que o marido acabou por ser detido e encarcerado durante 4 dias sem saber qual o motivo da sua detenção, tendo sido tratado “como se fosse um animal, contrariando o que espelha a nossa Constituição”, especificou ainda a Srª Josefa Gaspar, para no final perguntar com pertinência: «São legais os procedimentos que estão a ser utilizados? O Sr. Muhongo está acima da lei e de tudo?»

O que verificamos neste três testemunhos é, em primeiro lugar uma incursão cabalmente abusiva dos Serviços de Informação nas outras instituições, PN e DPIC, assim como o recurso a métodos coercivos condenados pela nossa constituição, o que leva a crer que há um pressuposto que se deseja a qualquer preço confirmar, mesmo que seja pela violência. Em nitidamente, o visado é “Quim Ribeiro”, isto sem querer dizer que ele esteja ou não esteja inocente.

Ademais, se analisarmos bem a carta enviada pelo falecido superintendente chefe Domingos Francisco João, o que podemos notar é uma certa ignorância da dinâmica da corporação, assim como uma carência de precisões topográficas e de horário que possibilitam levantar a hipótese de se tratar de um documento forjado.

Mas o que mais indigna o cidadão equidistante neste caso, é a velha mania de exercer pressão por via de pancadaria e mesmo tortura, por parte dos Serviços de Inteligência que em princípio nada têm a ver com este caso de carácter penal e não de Inteligência.

As denúncias são graves e não abonam nada a bem dos Serviços de Inteligência, SINFO, do ministro Sebastião Martins e do próprio Ministério do Interior. Pois se com agentes policiais é assim o tratamento, nada pode espantar os métodos utilizados e reclamados pelos membros da sociedade civil, da oposição e cidadãos comuns.

*Voltaremos

Um comentário:

  1. Todos os pressupostos aqui enunciados seriam verdadeiros caso em Angola existisse uma democracia. O sistema em vigor iniciou, em 1975, com a sucessora da PIDE-DGS a DISA. Desde esses tempos até aos dias de hoje, a única mudança palpável é apenas semântica. A escola é a mesma, começou com KGB, Stasi, Seguridad Cubana e recentemente juntou-se a escola da CIA, Mossad, SIS.

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