Cerca de um ano e meio depois, estou aqui novamente, já não no mesmo local que era o das Quintas da Omunga, mas para mais uma Quinta da sempre viva Omunga, trasmudada apenas para local diferente, como que a atestar a afirmação, aqui somente parafraseada de Lavoisier, de que na Natureza nada se perde, mas tudo se transforma. Há um ano e meio, discorri aqui sobre o tema “A Ética, a Política, o Direito e o momento constituinte”, no intuito de alertar que a forma como o Presidente José Eduardo dos Santos estava a induzir todo o país, a começar pelo seu próprio Partido, a aprovar uma constituição à sua imagem e semelhança, não se coadunava com as lições da História, nem com as prescrições do Direito interno e internacional que, bebendo sempre da História, tem por função essencial contribuir para a harmonização e estabilização das sociedades politicamente organizadas.
As minhas observações e as observações de toda uma gama de entidades e instituições formais e informais, onde a Omunga ocupou um lugar proeminente, não foram tidas em conta. Eu, pessoalmente, tive as minhas convicções de cidadão e de académico postas a prova, com ameaças veladas, e algumas quase directas, de diversa natureza. Mas, mantive-me firme pela justeza que penso encerrarem as minhas ideias, mesmo que as não quisesse impor a ninguém, até porque não possuía e não possuo até hoje poderes formais muito menos materiais para que isso pudesse acontecer.
Hoje estou aqui porque a Omunga me pede para me pronunciar sobre o tema “ Os conflitos actuais no Norte de África: que lições para Angola?”
Se com isso se alude ao que se passa hoje na Tunísia, Egipto, Líbia e Costa do Marfim, a resposta está na ponta da língua de todos os que têm acompanhado essas convulsões árabo-africanas. Eu próprio, tenho acompanhado esta verdadeira concretização do que acontece quando não se respeitam as lições da História e do Direito, com comentários subsequentes, no meu site www.marcolinomoco.com, depois dos meus textos intitulados “Por linhas tortas, o Direito”, publicados no agora “adquirido” jornal semanário “A Capital”, no rescaldo dessa conferência de há um ano e meio, aqui; nas Quintas da Omunga.
Para sermos sintéticos, as lições que podemos retirar dos conflitos a que nos referimos, como lições da História da Humanidade a repassar neste momento diante dos nossos olhos, destaco, entre outras as seguintes:
1ª lição- Definitivamente, em todos os lugares da Terra, o poder pertence ao povo. Os governantes são escolhidos transitoriamente para prestarem um serviço e não para se tornarem donos do poder. No chamado Terceiro Mundo, em que a África ocupa o lugar central, a tendência é pensar-se que o Povo ainda não está preparado, por isso pode abusar-se um tanto quanto. A verdade porém diz que isso não dura sempre, porque os povos fartam-se de determinados abusos. Desde finais dos anos 80 que penso que qualquer partido ou responsável no poder em Angola devia entender isso. Ainda hoje, acho que os responsáveis vão a tempo de mudar o rumo do pensamento e da prática, antes que o pior aconteça, mais cedo ou mais tarde.
2ª lição- Como disse Obama, no discurso de Acra, que alguns líderes africanos fazem hoje de contas que não ouviram, os países e Estados devem construir-se em torno de instituições e não em torno de pessoas, por mais extraordinárias que elas possam parecer. Quando me lembro da pompa e circunstância em que andava rodeado o Presidente Mubarak, que me recebeu em 1989, como Ministro da Juventude e Desportos de Angola, uns dias antes da queda do Muro de Berlim, onde se falava em surdina, dos métodos antiéticos com que ele e o seu partido dominavam tudo, à custa do afunilamento da oposição e da perversão das instituições nacionais, mal consigo imaginar a forma como terminou a sua carreira e o seu regime políticos, já na sua bem avançada idade.
Especialmente o que se passa na Costa do Marfim é consequência, entre outros aspectos, do construir todo o devir de um país e de um Estado em torno de uma pessoa. Era assim que o víamos, na nossa juventude, mesmo nós que não comungávamos da sua ideologia do tipo liberal capitalista: o grande Ouphouet Boinhé, fundador e líder vitalício daquele então esplendoroso país, produtor exuberante de cacau. Mas, hoje, é o que vemos: um país a sucumbir em pedaços, há mais de uma década
3ª lição- Com as novas tecnologias de informação e com o aconchego cada vez mais estreito do Mundo, é ilusório pensar que a “atrasada África” e, concretamente, o povo obediente de Angola, ou os povos obedientes de Angola, vão manter-se no estádio actual por muito tempo, cheios de medo por causa dos acontecimentos do passado. A manifestação virtual do dia 7 de Março e a real do dia 2 de Abril em Luanda, são pequenas amostras de como jovens, quase imberbes, podem derrotar políticos veteranos acomodados em seus pensamentos dos anos 50 e 60, mesmo que já passados em testemunho a mais novos um tanto quanto incautos, porque rendilhados com novas roupagens. Eu me rio quando um jurista, a sair dos trinta anos me vem dizer que as cláusulas pétreas da antiga Lei Constitucional, que salvaguardavam consensos nacionais essenciais, elaborados para defender o futuro da democracia angolana, foram destruídas porque não se deve prender as novas gerações ao passado.
4ª lição- Desprezar as lições da História e desrespeitar o Direito, especialmente os direitos humanos, com a ideia pouco avisada de que durante a nossa vida não nos vai acontecer nada por isso; ou deixar as coisas andar, mesmo quando podemos dar o nosso contributo para mudança, por medo, comodismo ou pela ideia de que as revoluções vêm aí para castigar os prevaricadores, é uma grande ilusão, porque, sobretudo aqui em África, quando as revoluções chegam é uma razia total, em que quase ninguém ganha e todos perdem.
À custa de alguma pressão, as autoridades angolanas tem dado, ultimamente alguns passos a denunciar alguma razoabilidade. Entre eles destaco a abolição do inconstitucional artigo 26º da Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado, que permitiu a libertação de prisioneiros de opinião de Cabinda e do Leste do país e a permissão da manifestação do dia 2 de Abril sobre a liberdade de expressão e informação, como exemplos. O problema é que isso não deve ser considerado como um favor especial feito aos titulares desses direitos. Aliás, os nossos magistrados têm que começar a rejeitar, desde a primeira instância judicial, que a dignidade das pessoas seja posta em causa perante normas notoriamente inconstitucionais.
Todos só temos a ganhar se estes pequenos passos não significarem apenas algumas formas para adormecer “a malta” e logo voltarmos às proibições, às fechaduras e a intimidações veladas ou expressas. Agora mesmo estamos a assistir a um movimento legislativo preocupante nesse sentido, onde se pretende, por exemplo − se é verdade o que eu oiço − que sem autorização judicial, possam cidadãos serem incomodados na sua privacidade electrónica, contra normas constitucionais e contra o direito internacional dos direitos humanos. A ser verdade é um mau sinal e um gesto escusado porque inválido, perante o direito interno e internacional.
5ª lição- Para não ser longo, termino com aquela que considero a mais importante lição dos acontecimentos que estamos a analisar: o Estado moderno não se constrói sem uma comunicação livre, embora, naturalmente responsável. O regime angolano actual está a incorrer numa prática grave de cerceamento ao direito à liberdade de imprensa, de forma discriminatória e acintosa. Se o problema é impedir que se toque em assuntos delicados, então que resolvamos estes assuntos delicados, pedindo a compreensão de todos e iniciar uma nova era da construção de uma sociedade aberta. Há exemplos disso.
(Obs.: No texto idêntico constante no blogue da Omunga, na 4ª lição, onde lê “abolição do inconstitucional artigo 25º da Lei da Segurança Nacional”, deve ler-se como consta neste texto corrigido: “abolição do inconstitucional artigo 26º da Lei dos Crimes contara a Segurança do Estado”.
*Moco Produções
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