quinta-feira, 9 de junho de 2011

Alterar 2008 ou manter a batota. Ó Povo, onde é que está a tua vitória?


O tempo corre, mas em Angola pouco muda. F8 alertou e escreveu, ainda em 2008, o que havia ocorrido na condução do processo eleitoral. Denunciou as irregularidades, em nome da transparência, da verdade política e da manutenção da democracia. Como em Angola, do partido no poder, apenas MUDA O QUE NADA MUDA, vamos rememorar um texto de então, para se ter a noção do que espera aos angolanos se nada for feito para alterar o jogo das instituições da BATATA NA LÓGICA DA BATOTA.

Arlindo Santana

Havia muita coisa em jogo nestas eleições legislativas que tiveram lugar nos passados dias 5 e 6 de Setembro. Só no que diz respeito à entourage do Presidente da República podemos citar a TPA2, a UNITEL, a MACON, o BNI, a Cimangola, a Odebrecht, o recém-privatizado terminal aéreo de carga a favor de Isabel dos Santos, isto sem esquecer toda uma série de privatizações em carteira, tais como a da TAAG, que está na mira de um parente muito próximo de Dos Santos, de resto já um dos administradores da empresa, pelo que não haverá muito que explicar o porquê.

Sabe-se também, por fonte próxima do partido no poder, que a VODACOM e a CELTEL, além de outras operadoras de telefonia móvel, gostariam de se instalar em Angola a fim de fazer concorrência directa à UNITEL e MOVICEL. Mas isso já são outros quinhentos e é de crer que não haverá outra empresa para além das duas supracitadas, a não ser que as pretendentes aceitem sociedade com a “família real”, que, evidentemente, não entrará com dinheiro, só dará autorização com alguma contrapartida em retorno. A não ser que algo de surpreendente se passe.

Neste cenário financeiro super-organizado, controlado de A até Z, com “Happy Ends” sistematicamente preanunciados nos casulos familiares da “Jet Society” angolana, numa espécie de Comédia Della Arte ao contrário, de facto uma verdadeira tragédia para a esmagadora maioria do povo de Angola, certo é que as eleições foram metodicamente programadas, com maestria, e o resultado está aí, à vista dos boquiabertos angolanos e aos olhos da África e do mundo.

Sem grande risco de errar pode-se dizer que a campanha eleitoral do MPLA começou com a divulgação de paióis de armas para fazer crer que o Galo Negro tinha uma estratégia subversiva, inaugurando assim uma estratégia de précampanha em que a UNITA era apontada como principal responsável e destruidor das infra-estruturas do País. Essa maneira de agir permitiu manter em banho-maria o medo que a guerra inspira e reavivar ódios recalcados, ao mesmo tempo que eram minimizados junto da opinião pública nacional e internacional os actos de intolerância praticados, de forma metódica e coordenada, superiormente inspirados, sobretudo no interio.

O Folha 8 tem em sua posse provas cabais desse modus operandi.
Depois deste primeiro passo, a dar o mote da campanha do partido no poder, foram enviadas para a frente eleitoral todos os trunfos capazes seduzir o zé-povinho, quer dizer, os mais desfavorecidos e menos escolarizados dos autóctones, precisamente os mais humildes e os que mais sofreram com a guerra e que mais facilmente podiam ser manipulados. Para tal, o MPLA não teve dificuldade alguma em comprar influências, jogar com a tradição africana de modo a levar sobas, régulos e subrégulos, chefes de aldeia e chefes de família, de grandes linhagens, a aderir pelo menos verbalmente ao partido, mediante auspiciosas contrapartidas monetárias ou ofertas de bens materiais.

Isto sem esquecer que, já muito antes de a campanha eleitoral ter começado, o partido no poder tinha desenvolvido acções, que nem sequer eram secretas, de desintegração de partidos que a seu ver poderiam trazer alguns contratempos à sua hegemonia (na realidade foram descobertas e divulgadas pelo Folha8), estamos aqui a referir-nos à sistemática diabolização, sabotagem e cometimento de actos de violência contra a UNITA, ataques físicos violentos contra o PADEPA, tentativas de desintegração da FNLA, jogo de influência a complicar a vida do PRS, nada foi deixado ao aleatório, tudo foi cuidadosamente controlado com a ajuda dos órgão se comunicação social do Estado e do SINFO.

Portanto, ao fazer, como fizemos aqui atrás, uma retrospectiva sobre os antecedentes da campanha eleitoral, apercebemo-nos de que, enquanto o MPLA agia nas calmas, por um lado apelando à tolerância e por outro tudo fazendo para colocar os seus opositores sob pressão, atirando contra eles «os lambe-botas, para atearem as intrigas, roupas sujas, explorando as diferenças de opinião, como clivagens internas, empurrando uns contra outros e para, naturalmente, explorarem os seus dividendos», os seus adversários políticos, ultrapassados pelos acontecimentos, pouco mais faziam do que debaterem-se com problemas de toda a ordem, a começar pelos financeiros até aos que lhes eram criados por franco-atiradores manipulados por elementos exteriores às sua fileiras, e mesmo internos.

Outrossim, não se pode negar que o MPLA fez uma campanha como Partido-Estado, com meios financeiros do Estado, com instrumentos, viaturas, casas, material do Estado.

Por outra, foram evitados todos e quaisquer debates de ideias, e a oposição fartou-se de bater em ferro frio na esperança de obter armas de combate, para apenas conseguir desgastar o seu próprio martelo de ferreiro inoperante.

Enfim, a coroar o tudo, os angolanos puderam aperceber-se do que é realmente a opulência, no alarde de riquezas que não se podiam contar tantas eram, de bens de toda a ordem, a aparecer por toda a parte, obras programadas, desde dois, três, quatro anos antes e mais, para serem materializadas em forma de maratonas de sucessivas inaugurações mesmo antes das eleições.

Era também o tempo da distribuição de terras, carrinhas, tractores, ambulâncias, dinheiros, casas, pontes, escolas, hospitais, estradas, edifícios, ofertas generosas por toda parte, sobretudo nas áreas de influência da UNITA. Na sua grande maioria para quem se mostrasse aberto às aberturas do MPLA.

A luta continua (dentro do MPLA)

O MPLA mostrou-se, mesmo assim, pouco seguro de si mesmo. A sua estratégia política eleitoral, a provocar divisões assustadoras que diminuem o respeito pelos valores da classe política, nada tinha de ingénuo. Havia muita coisa em jogo, como de início referenciámos, mas o que estava ainda mais em jogo do que a supremacia política em relação aos partidos da oposição - por esse lado o MPLA estava aparentemente à vontade -, era a vitória sobre os números de 1992, pois o resultado que saísse das eleições apresentava-se como um referendo a respeito do Presidente José Eduardo dos Santos. E isso porque a luta parece ser muito mais renhida dentro do próprio MPLA do que contra os partidos da oposição.

À porta está o 5º Congresso Ordinário, e, diga-se, este resultado foi pão abençoado à mesa de JES. Se o MPLA perdesse a maioria de que desfrutava há dezasseis anos no Parlamento, e porque existe hoje uma clara divisão entre os camaradas, silenciada apenas pela necessidade de vitória contra o adversário comum: a UNITA, os dias do reinado de José Eduardo dos Santos poderiam estar contados.

Agora, só falta ver que tipo de legitimidade será outorgada a este resultado das eleições, e ainda, esperar que não se concretizem as denúncias que circulam pelos bastidores, de ter havido, pelo menos em preparação, uma monumental fraude organizada.

Pistas históricas duma vitória histórica
Quando me deparei de rompante, face à estrondosa vitória do MPLA nas eleições legislativas dos dias 5 e 6 de Setembro, tentei compreender de onde podia vir tamanho fluxo de votos a favor desse partido e lembrei-me de um outro facto histórico que ficou para sempre gravado como uma das viragens mais radicais da história de África e foi determinante para o seu futuro, na realidade o seu trágico destino, fundamentalmente consubstanciado em cerca de três séculos de escravatura. Leia com atenção até ao fim.
António Setas

Em princípios do século XVI (provavelmente entre 1507 e 1509, a escassez e/ou a pouca credibilidade dos documentos sobre este período não permitindo estabelecer a data exacta) faleceu em Mbanza Kongo o rei Nzinga a Nkuvu, o primeiro soberano do reino do Kongo a encontrar-se com mandatários do rei de Portugal dessa altura, D. João II.

A sua morte criava uma situação inédita no reino, na medida em que a tradicional lei bantu de sucessão se encontrava então ameaçada, sob influência do credo anunciado pelos “mundele” (homens brancos) vindos “do outro lado do mar”, como os autóctones denominavam o reino de Portugal. Sim, porque segundo a lei bantu devia suceder ao defunto rei o seu sobrinho, filho da sua irmã mais velha, e pela nova lei dos cristãos, que os Portugueses queriam ver implantada no reino, quem devia suceder ao rei era o seu filho primogénito do ventre a sua principal esposa.

Ora o rei tinha um filho, que de imediato tinha aderido ao cristianismo (Mvemba a Nzinga, de nome cristão, D. Afonso), mas também tinha sobrinhos, entre os quais se contava Mpanzu a Kitimu (ou Kitina), o pretendente à sucessão ao trono segundo a lei bantu. O primeiro, a avançar como exemplo e representante da tendência da nobreza do reino, que aderira na sua maioria ao cristianismo (inclusive o próprio rei, Nzinga a Nkuvu), o segundo, representante de milhões de autóctones que por nada no mundo desejavam renegar as suas tradições religiosas, embora ainda não tivessem manifestado hostilidade aos cristãos.

A verdadeira questão que se colocava a ambos os pretendentes era muito simples: seria rei, o primeiro que chegasse a Mbanza Kongo depois de anunciada a morte do rei (ou que já lá estivesse, explicarei mais adiante a razão). E, no que diz respeito a este ponto preciso, D. Afonso, o filho, tinha um trunfo precioso em seu exclusivo favor, a mãe, D. Leonor, esposa do falecido rei convertida ao cristianismo, que atempadamente o avisou e permitiu que ele rapidamente entrasse na cidade.

Mas aqui, abordamos uma situação inextricável, as versões são muitas e contraditórias, a pontos de nem sequer ser possível determinar a partir da documentação histórica, qual dos dois estava ou não estava em Mbanza Kongo, quem chegou primeiro, quantas batalhas se travaram entre eles, de que maneira se terminou o processo de conquista do trono por D. Afonso e que destino foi reservado ao vencido Mpanzu a Kitimu. Por isso, recorro à tradição oral, esperando o primeiro historiador que, senhor de sabedoria que eu não reivindico, me possa mostrar que estou errado, mas só depois de me apresentar provas. Da boca para fora não, não chega para provar que estou a divagar.

A tradição diz que o príncipe D. Afonso, tinha sido antecipadamente avisado pela mãe da possível morte próxima do rei. Na altura em que este faleceu, encontrava-se em Kuimba. Depois de ter recebido a missiva que a mãe lhe enviara, lavrada em latim, tinha-se posto a caminho da capital, acompanhado por amigos e mulheres com kindas à cabeça com ervas, legumes e frutas para Sua Majestade. No total deviam ser menos de quarenta cristãos (Paiva Manso diz 37 pessoas, Damião de Góis diz 36 cristãos).

Avançaram, chegaram à cidade de noite, altas horas, conforme Dona Leonor tinha aconselhado, e foram direitos ao Palácio. A comitiva pôde passar sem entraves de maior e atingiu o objectivo alvejado, chegar ao Palácio Real antes de Mpanzu a Kitimu.

Na manhã do dia seguinte, o povo ficou enfim a saber do falecimento de Sua Majestade, el-rei D. João I, aliás Nzinga a Nkuvu. Logo a seguir foi anunciado que o príncipe D. Afonso passaria a ser, a contar desse dia, el-rei D. Afonso I, do Reino do Kongo.

As lições da História
A primeira lição da história começa pela dicotomia das representações políticas: D. Afonso é claramente chefe do “partido” da nobreza (como o MPLA é o partido, queiramos ou não, da elite financeira e latifundiária de Angola), enquanto que Mpanzu a Kitimu é o chefe do “partido do povo humilde (como a UNITA, que diz ser defensora dos sempre explorados “sulanos” e dos mais pobres em geral).

A segunda lição da história é dada pela importância que tem em lutas políticas o facto de uma das partes, em confronto com qualquer outra, ocupar e controlar o essencial do espaço urbano da capital do reino (ou do país, como foi o caso do MPLA ter ocupado sozinho a cidade de Luanda em 1974 e 75, à exclusão de todas as outras forças políticas de Angola).

Mas a lição mais importante, a que explica o estrondoso sucesso de D. Afonso sobre Mpanzu, é a fundamental importância que tem em luta política o prestígio do rei em África e a força que ele tem, ou dá mostras de ter, pelas armas e pelo dinheiro e bens em sua posse. Estas duas noções vão de par sem separação possível, pois chefe político que não tenha a supremacia das armas, vê constantemente o seu prestígio e os seus bens ameaçados serem posto em farrapos por um adversário mais fortemente armado. Isto sem falar do facto de antigamente o rei ser teoricamente o proprietário dos bens do reino!

Que vemos nós nesta luta pelo trono do reino do Kongo? Segundo a tradição oral, D. Afonso conseguiu chegar antes do seu irmão inimigo a Mbanza Kongo; foi ele quem declarou a morte do rei, seu pai; foi ele quem mostrou ao povo estar em posse das insígnias reais e anunciou sem contraditório por perto (nessa altura não havia jornais privados!...) que a partir desse dia o rei do Kongo era a sua pessoa e assim passava a ser o senhor de todos os bens do reino; e o povo, que sempre tinha sido educado a considerar o rei como uma personagem superior, como um não-humano, rendeu-se à sua áurea mal ele apareceu, ou, na pior das hipóteses, desde que foram dados os primeiros tiros de morteiro (dos portugueses) que matavam soldados sem sequer lhes tocarem!!!

Vemos isso e não só, vemos que só o facto de ele se apresentar como sendo o REI, bastou para que mais ninguém, entre os presentes na capital do reino, demonstrasse veleidades de defender a causa de Mpanzu!

Enfim, isto parece não ter absolutamente nada a ver com regimes democráticos, porém, penso que o que se passou em Agosto e Setembro em Angola, no decorrer de todo o processo eleitoral, foi a criação de condições para transformar uma augurada vitória de um partido democrático, em estrondosa vitória de um Partido-Estado, graças à áurea e à riqueza do seu chefe.

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