Como soe dizer-se que Angola é Luanda e a capital é a Mutamba, o F8 lembrou-se de fazer uma pequena viagem ao estrangeiro.
A descoberta que fizemos ao longo do nosso périplo em terras do Zaire, que, afinal de contas não é país estrangeiro, mas simples colónia de Angola, redundou num constato que foi uma das grandes decepções da nossa vida de jornalista, uma surpresa triste, chocante, que nos revelou até que ponto está desenvolvida a técnica de enganar a gente da nossa terra, lançando-lhe areia para os olhos de maneira ininterrupta e baixa, mas magistral.
William Tonet*
Na viagem que fizemos, constatamos que nos tínhamos enganados ao sair de Luanda, de facto não entramos em país estrangeiro, ficámos, sim, a conhecer o que se pode considerar uma região ao abandono, apesar de ser uma das províncias de Angola que mais proveito acarreta para os cofres do Tesouro Nacional.
O nosso destino era Mbanza Kongo, capital da referida província, e, como aperitivo ao que iríamos viver, fizemos um trajecto deveras inconfortável, numa estrada de péssima qualidade, nem sequer era de terra batida, mas de BURACOS BATIDOS e na melhor das hipóteses, esbatidos, aos milhares, ao longo de cerca de 400 km de um percurso caótico, ao qual nem o melhor dos jipes resiste.
Uma vergonha, transformada nos spots publicitários da TPA em magnífica realização do executivo.
A província do Zaire, vaca leiteira fecunda da indústria petrolífera, que contempla o Estado com coisa de 70% do PIB nacional, é, sem tirar nem pôr, a mais pura demonstração da incompetência da gestão do presidente da República e chefe do Executivo.
O ministro da Construção, por exemplo, teve o desplante de se deslocar de Luanda aqui há uns dias atrás para inaugurar um ponteco de meia-tijela, a unir duas margens de um riacho para kabwenha e “joaquinzinhos”, quando deveria tranquilizar as populações sobre o que está a ser providenciado para minimizar os problemas causados pelo péssimo estado das estradas de ligação da capital provincial, não só a Luanda, mas também ao Soyo, a Maquela do Zombo e outros municípios, sem esquecer Matadi, do outro lado do rio, uma estrada internacional que nem cavalos nem burros gostam de frequentar.
Uma região esquecida
O Zaire, região que, como sobredito, é das maiores produtoras de petróleo do nosso país, tem, não nos espantemos isto é Angola, em todo o seu desespero e desesplendor, tem, dizíamos, uma única bomba de combustível. UMA! Cujo reservatório comporta o suficiente para um abastecimento normal de 5 a 10 dias e é abastecida em combustível uma vez por mês. Assim, durante 5 a 10 dias, os automobilistas da região são abastecidos, depois, todo o resto do mês ficam à espera, enquanto o petróleo, que está ali à beira a sair da mãe terra às golfadas, como que em vómitos a jorrar do fundo do mar e a poluir imensas áreas do oceano, são embarrilados, tanto ao próprio como ao figurado, e o lucro dos seus barris, também embarrilado, poderá servir para os empreendimentos que são inaugurados e os dinheiros esbanjados em obras e organizações que estão fixadas em Luanda.
Neste figurino de profundo desdém, com relentos e resquícios de centralismo étnico, geograficamente fora do lugar, a pretendida mais-valia que o Governo augura, mais valia que só ficasse circunscrita aos miríficos projectos de Luanda, com as suas novas torres e ilhas artificiais, e deixasse o resto das províncias ao cargo da gestão de pessoas mais competentes.
Má gestão e incompetência ao rubro
O Zaire é um país triste. Vive às escuras a maior parte do tempo. É uma terra abastecida em electricidade por geradores, que, sem ser por mero acaso, também ficam por vezes sem combustível. E não havia necessidade desta critica situação, caso existisse interesse, pelo bem estar das gentes daquele território, por parte de quem de Luanda, pensa que governa, bastando que fossem construídas pequenas hidroeléctricas nos rios Briz e Lueje, que seguramente dariam para fornecer energia a toda província.
E isso poderia ser um bom impulsso para o desenvolvimento da indústria que tirando a petrolífera e pequenas padarias, tudo o mais é miragem.
O Tribunal provincial do Zaire, em Mbanza Kongo, não tem uma única sala para realizar audiências e as instalações onde ele funciona são uma vergonha para os fazedores e operadores de justiça, os próprios presos engavetados e uma humilhação para aquilo a que se dá, indevidamente, o nome de palácio da justiça.
Por outro lado, em 35 anos de patinagem legislativa e executiva, o governo não construiu um único hospital, e a esse respeito, vive ancorado ao herdado do tempo colonial, que não dá, já desde o século passado, para as encomendas. A evolução verificada, cingiu-se a um vergonhoso e mini-bloco pré-fabricado, que tem engafinhado a maternidade, a pediatria, clínica geral e um bloco operatório deficiente.
Assim sendo, no Zaire, cerca de 60% da população recorre aos serviços da medicina tradicional, pois a pública encontra-se numa situação do culpado por ter cão e culpado por não ter, isto é, quando não faltam médicos e enfermeiros os medicamentos escasseiam.
A casa mortuária, com apenas quatro gavertas, que é uma miragem que só seitas de baixa estirpe poderiam imaginar. As escolas do Zaire, província rica em petróleo, fazem lembrar os nossos antepassados, muitas delas ainda têm latas e pedras para os alunos se sentarem e poderem escrever.
O ensino médio e universitário, também enferma a discriminação. Existe o INE (Instituto Nacional de Educação), que funciona numa ex-escolça primaria que cai aos pedaços e é emprestada; o PUNIV, que não tem estrutura própria e funciona num antigo armazém, dividido em quatro salas; e o Instituto Médio de Administração Gestão e Marketing, único que funciona em estrutura própria.
Quanto ao universitário, resume-se a um núcleo da Escola Superior Polítécnica 11 de Novembro de Cabinda, que funciona junto ao Hospital Provincial, numa instalação pré-fabricada, com oito salas, administrando os cursos de Matemática, Psicologia, Física e Gestão. Caricatamente, não tem curso ligado aos petróleos, tão pouco a agricultura, riquezas da região.
Mas a discriminação atinge também a docência, como o exemplo do professor duma cadeira nuclear, que, para ser aceite e poder leccionar no universo universitário de Mbanza Kongo, tivesse que se desenrascar para tratar da aquisição do cartão de militante do MPLA.
O Zaire, em princípio, pelo seu acesso ao mar, devia poder comer peixe todos os dias, a verdade é que ele escasseia, porque as políticas governamentais matam todos os dias esta indústria de subsistência e os empregos dos pescadores, com o mar muitas vezes assolado com o óleo que vasa das sondas das petrolíferas, não se presta a grandes pescas. Isto perante o olhar cândido e sereno das autoridades, que não mexem uma palha quando se verificam graves atentados ao meio ambiente por exclusiva culpa das multinacionais petrolíferas instaladas confortavelmente nos mares do Zaire.
No meio de toda esta mostra de desdém pelos proprietários reais da riqueza petrolífera do Zaire, fica uma pergunta no ar: mas onde raio é que o governo aplica os biliões de dólares que são extraídos do petróleo dessa província?
A resposta, infelizmente é evidente: esse dinheiro beneficia, primeiro Luanda, segundo Luanda, terceiro Luanda, quarto as outras províncias e só as migalhas regressam ao Zaire, que parece uma terra abandonada.
Dizer que a região tem petróleo é até vergonhoso e pode ser uma demonstração, e uma verdadeira denúncia, da má gestão a que o pais está votado com dirigentes sentados nas poltronas de Luanda, apenas interessados no dinheiro das regiões e borrifando-se para o sofrimento das populações.
O Zaire é tratado, tal qual como muitas outras províncias, como região colonizada, pois esta forma desprezível demonstra um profundo desinteresse pelo bem-estar das suas populações, logo, a melhor opção ainda seria o governo de Luanda deixar a gestão para outras inteligências e concentrar-se exclusivamente em Luanda. Há ainda tanta torre por construir.
*Com Arlindo Santana, em Mbanza Kongo
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