quinta-feira, 16 de junho de 2011

Investimento em terras “abre novo capítulo da colonização de África”


O investimento estrangeiro em terras “abre um novo capítulo da colonização de África”, afirmou no 07 em Lisboa um dos responsáveis do think-tank Coligação para o Diálogo Sobre África (CoDA). “A nova corrida por África”, como é apelidada pelos especialistas, atualiza no século XXI e num contexto de globalização a lógica de exploração de colonizadores como Cecil Rhodes, criador das duas Rodésias no fim do século XIX.
As oportunidades e os riscos da aquisição de milhões de hectares de terras em África por investidores estrangeiros está a ser debatida durante a reunião anual do Banco Africano de Investimento (BAD). “Estamos a assistir a um novo capítulo da história secular de exploração de África, depois da escravatura e da exploração direta no solo africano”, denunciou o diretor executivo interino da CoDA, o historiador Abdoulaye Bathily.
Países como o Mali, a Libéria, Moçambique, a República Democrática do Congo e a Etiópia estão entre os alvos preferidos da “cobiça” do investimento estrangeiro, explicou Abdoulaye Bathily.
No mapa dos investidores, aparecem a Índia, a China, a Alemanha, a Suécia, entre um grupo menos óbvio de países que estão a apoderar-se sob diversas formas de terra africana, como a Arábia Saudita, a Líbia, o Egipto, a Coreia do Sul, os Emirados Árabes Unidos, ou, no próprio continente, a África do Sul.
O Egipto, por exemplo, assegurou o controlo de terras no Sudão para a produção anual de dois milhões de toneladas de trigo e o Kuwait assinou uma “parceria gigante” no mesmo país cujos contornos não são conhecidos.
Ponto comum das muitas parcerias, estatutos jurídicos e utilização das terras, é característica geral “a grande opacidade dos contratos, feitos à margem das comunidades envolvidas mas também as opiniões públicas africanas”, acrescentou Abdoulaye Bathily.
Uma das situações mais graves analisada no debate promovido pela CoDA é a convenção entre o Mali e a Líbia, apresentado por um investigador da Universidade de Bamako, Moussa Djiré.
A convenção, “que na cópia de que dispomos nem sequer tem data”, foi assinada em 2007 pelo ministro da Agricultura do Mali e por uma entidade líbia, a Malibya, “que poderíamos supor que é uma empresa mista, mas não, é uma derivada da Agência de Investimentos Líbia”, o fundo soberano criado pelo regime de Muammar Kadhafi.
“A convenção atribui à Malibya cem mil hectares de terras agrícolas, o que representa dez por cento do potencial arável do vale do Rio Níger” e num país em que a superfície média das explorações familiares não ultrapassa os três hectares.
Moussa Djiré denunciou ainda que “a entrega de terras à Malibya é gratuita, embora o texto esclareça que ‘não é oferecida’. A Líbia, segundo a convenção, paga a água”.
O caso da Malibya foi motivo para um debate aceso e um representante do governo maliano, Tiébilé Dramé, acabou por reconhecer que “o Mali é um condensado de tudo o que se passa de mal em África” quanto à concessão de terras a investidores estrangeiros.
“Estes investidores não passam, afinal, de salteadores de estrada e é preciso coordenar esforços para controlar esta corrida a um recurso precioso”, comentou um outro representante do CoDA.
O debate da CoDA recordou também o caso da Etiópia, onde oito milhões de pessoas dependem de assistência alimentar que evita uma nova situação de fome generalizada.
Apesar disso, 3,5 milhões de hectares de terra em África passaram para controlo estrangeiro nos últimos sete anos e outros 3,5 milhões passarão para as mãos dos investidores até 2015.
“A Etiópia planta rosas e o povo morre à fome”, resumiu uma interveniente.

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