sexta-feira, 10 de junho de 2011

Depoimento dum padre inconformado. VATICANO DISPENSA TRES SACERDOTES EM CABINDA


Paulo J. Balazaba*

No dia 19 de Maio de 2011, o Bispo de Cabinda, D. Filomeno do Nascimento Vieira Dias, convocou para o Paço Episcopal os sacerdotes Jorge Casimiro Congo (vinte e sete anos de ministério), Alexandre Chuculate Pambo (vinte e cinco anos de ministério) e Raul Tati (vinte anos). As audiências ocorreram entre as 10:00 e as 11:00 horas. Durante as mesmas o Bispo, recém-chegado de Roma, informou aos sacerdotes, cada um à vez (à excepção do P. Raul Tati que não compareceu à audiência), que a Santa Sé os dispensou do estado clerical, exibindo, acto contínuo, o texto do decreto papal forjado pela Congregação para a Evangelização dos Povos (vulgo Propaganda Fide), o dicastério romano que superintende as chamadas terras de missão.

Os três textos ostentam invariavelmente o mesmo conteúdo, mutatis mutandi, desembocando fatalmente no afastamento compulsivo destes três padres de Cabinda.

No dia 22 de Maio, foi feita a publicação do decreto papal nas igrejas sob autoridade do Bispo Filomeno. Os fiéis reagiram com manifesta indignação e revolta. Houve inclusive casos de desmaios de alguns fiéis, tal foi o impacto da notícia.

As questões que se levantam hoje giram em volta das razões de fundo desta decisão. Neste sentido é preciso contextualiza-la no âmbito da actual crise da igreja de Cabinda.

Os três sacerdotes foram figuras proeminentes do clero cabindense com grandes responsabilidades pastorais; o Padre Raul Tati foi Vigário-Geral e Reitor do Seminário Maior de Filosofia de Cabinda, o Padre Alexandre Pambo foi Pároco da Sé Catedral de Cabinda e o Padre Jorge Casimiro Congo, Pároco da Imaculada Conceição.

Os três são subscritores da carta do clero de Cabinda publicada aquando da nomeação do sucessor de Dom Paulino com o título MEU DEUS, MEU DEUS POR QUE ME ABANDONASTE?

Por conseguinte, o leitmotiv deste desfecho foi essencialmente o facto de terem manifestado a sua apreensão e preocupação em relação à vinda do Bispo Filomeno para Cabinda, vaticinando tempos difíceis para a igreja de Cabinda.

Os mesmos passaram inicialmente por sanções canónicas menores. O Padre Jorge Congo fora suspenso das suas funções de Pároco após a agressão do Bispo Eugénio Dal Corso na igreja paroquial da Imaculada, tendo sido reabilitado seis meses depois.

Os Padres Raul Tati e Alexandre Pambo foram suspensos juntamente com mais cinco colegas seus depois da missa polémica celebrada na Sé Catedral contra as ordens do Padre Milan, um checo que também veio mandar em Cabinda. Ao padre Pambo nunca mais foi levantada a suspensão apesar de reiteradas vezes o próprio Prelado o ter convidado para escrever para Roma a fim de se resolver a sua situação, o que fez por duas vezes.

O Padre Jorge Congo foi afastado desde a chegada de Dom Filomeno Vieira Dias sem qualquer procedimento canónico nem único pedaço de papel incriminatório.

O Padre Raul Tati viu a sua suspensão levantada, mas recusou-se a trabalhar com D. Filomeno diante do escândalo duma igreja dilacerada e dividida e sobretudo por ter já visionado nas suas atitudes que o Bispo não estava interessado em reconciliar esta igreja.

Foi então suspenso pela segunda vez e desta expulso da residência eclesiástica onde habitava. Apenas dois dias depois de se efectivar a sua mudança de residência, foi encaminhado para uma residência que nunca esteve nos seus planos: os calabouços do regime onde permaneceu durante onze meses.

Portanto, para os observadores e para os próprios actores de tudo que se passa em Cabinda nestes últimos tempos não há duvida que essa decisão é o corolário dum conluio entre o Vaticano e o regime opressor de Luanda pois existem fortes indícios das negociatas (e muito dinheiro que entrou para os cofres do Vaticano!) que pesaram muito na nomeação e imposição dum Bispo rejeitado pelas ovelhas.

O Vaticano só não recuou passado um ano e seis meses porque havia compromisso com o regime. O rosto visível desse cenário foi o Núncio Ângelo Becciu. Este não hesitou em pôr em causa a sua dignidade diplomática nas várias viagens que fez a Cabinda e diante dos fiéis para a todo o custo salvar o compromisso com o governo de Angola.

Como recompensa pelos serviços prestados ao regime saiu de Angola com os bolsos cheios e com uma homenagem de reconhecimento que lhe foi brindada por um regime opressor que tem as mãos manchadas de sangue dos filhos e das filhas de Angola e de Cabinda.

A vinda inesperada do Papa a Angola em 2009 veio selar o pacto satânico entre os dois poderes. A sua visita foi fechada com uma chave de ouro com o anúncio da intenção do regime de Luanda em erguer uma basílica no santuário da Muxima.

Foi apresentada para o efeito uma maqueta da mesma cuja construção estaria avaliada em cerca de 400 milhões de dólares. Céus! Que loucura! A igreja tem uma história prenhe de anátemas, revanchismos, eliminação física dos seus próprios membros. Há quem pensa que a inquisição é apenas uma reminiscência medieval.

Ledo engano!

A inquisição não terminou ainda; hoje está mais sofisticada, mas muito actuante. Tudo é feito em nome de DEUS e da integridade da fé dos costumes. A igreja-instituição nunca hesitou em destruir o homem quando os seus interesses estão em causa. O PODER e o DINHEIRO são os dois pilares que sustentam toda essa máquina deletéria. As intrigas palacianas e as rivalidades entre os seus dignitários são prato do dia-a-dia.

João Paulo I, O Papa Luciano que pontificou apenas durante 33 dias, é um dos exemplos mais sombrios das linhas que o demónio tece dentro dos muros do Vaticano.

Portanto, aos nossos padres Congo, Pambo e Tati queremos dizer que deixastes de ser padres do direito canónico acorrentados a uma instituição caduca e vil; continuais a ser padres do evangelho da libertação.

Temos certeza que o vosso sacrifício é uma semente lançada à terra, cujos frutos um dia serão degustados quando raiar também para nós a madrugada da liberdade e podermos também sorrir no concerto das nações como nação binda emancipada.

Com esta decisão fica definitivamente clara a verdadeira missão que Dom Filomeno veio cumprir em Cabinda. Por altura da sua tomada de posse no meio das palavras conciliatórias proferidas nas suas entrevistas aos midia deixou escorregar este lapso: «Quanto aos anticorpos, veremos que tratamento havemos de lhes dar…».

A quem se referia D. Filomeno?! Nos últimos dias a sua segurança pessoal foi reforçada pelo regime contando agora com quatro guardas. Desde que tomou posse já se ausentou mais de uma centena e meia de vezes da Diocese.

É um Bispo ausente mesmo quando está na Diocese. Conjectura-se nos bastidores da igreja que está iminente a sua transferência para uma outra diocese. É bem provável que isto aconteça ainda no decorrer deste ano pois já cumpriu cabalmente a sua missão anulando os ditos anticorpos.

Humanamente falando já não tem condições para continuar em Cabinda, pois, no nosso seio (o clero ainda activo) vive-se um ambiente pesado e de revolta recalcada dentro de nós.

Não estamos em comunhão plena com o Bispo. Tudo o resto é apenas uma fachada para salvar as aparências. Fica entretanto aqui um alerta à opinião pública sobre a sorte dos nossos colegas ora «despadrados».

Sabe-se que o Padre Raul Tati foi praticamente entregue aos seus algozes pela própria igreja. Tememos agora que se venham a repetir episódios graves contra os mesmos, já que a igreja - mesmo consciente da perseguição sistemática movida sobretudo contra os Padres Congo e Tati por causa das suas posições críticas contra o regime opressor de Luanda – não hesitou em dispô-los literalmente aos abutres.

Estes provavelmente já estão a maquinar planos macabros contra estes verdadeiros servos de Deus e filhos amados deste povo. Que Deus lhes seja propício em todos os momentos.

*Padre de Cabinda

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