Rafael Marques acusa: «Os que estão no poder detém realmente a máquina económica deste país. É uma relação íntima e saudável. Já não há separação de interesses privados e do Estado, porque são os mesmos. O ministro tal detém a empresa tal, a quem ele adjudica a obra tal e ganha duas vezes, a vantajosa comissão e o valor do seu negócio». Este tipo de situações tem vindo a agravar-se com o passar do tempo e em 1990, o Presidente da República, através do Despacho Presidencial N° 22/90, estabeleceu uma comissão interministerial para o estudo multidisciplinar sobre o fenómeno da corrupção em Angola, especialmente na administração pública e sector empresarial.
Os resultados foram mais ou menos nulos. O relatório emanado pela referida comissão, destacou que quando os principais dirigentes abusam do poder que detêm a coberto de uma impunidade que lhes é tacitamente outorgada, «não se pode esperar muito de níveis mais baixos, porque os honestos se sentem frustrados e os menos ou não honestos se sentem estimulados pelo comportamento dos de cima». Um eufemismo, porque de facto não se podia é esperar nada!
Como o resultado nem resultado era, o presidente mesmo assim deixou passar nove anos inteirinhos e a 5 de Agosto de 2009 criou, «através do Despacho N.° 20/09, outra comissão para a elaboração e sistematização da legislação com vista a garantir uma conduta exemplar por parte dos servidores públicos, quer a nível profissional e político quer privado».
Infelizmente, a comissão de 2009 enfermava de um vício grave. É que o presidente, por distracção ou esquecimento, perdera de vista que o seu coordenador, então Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Frederico Manuel dos Santos e Silva Cardoso, também era proprietário da empresa Valleysoft, na qual detinha e estamos em crer que ainda detém a percentagem de 71,25% das acções e é co-administrador da mesma.
Ora, pergunta-se como foi possível esquecer que em 2008 a Valleysoft foi responsável pelo fornecimento de boletins de voto, pela operação logística, distribuição, recolha e aprovisionamento dos kits eleitorais, durante as eleições legislativas, consideradas de triste batota?.
«Frederico Cardoso teve um papel duplo nas eleições», refere Rafael Marques, «por um lado, geriu como empresário privado e em contravenção a várias disposições da Lei Eleitoral, o manuseamento arbitrário dos kits eleitorais, em particular boletins de voto. Por outro, como chefe de gabinete do então vice-presidente do MPLA e coordenador da campanha eleitoral do MPLA, Pitra Neto, foi instrumental na direcção da estratégia eleitoral (incluindo a parte executada em Espanha) e na garantia da vitória absoluta do MPLA, com 82% dos votos. Frederico Cardoso também concorreu às eleições e foi eleito deputado. Suspendeu o seu mandato para servir como chefe da Casa Civil do Presidente da República. (…) A nomeação de Frederico Cardoso para a coordenação da referida comissão de 2009 revela apenas o nível de falência moral do Chefe de Estado e do Governo, José Eduardo dos Santos. Não há informação pública que indique a demissão de Frederico Cardoso do cargo de administrador da Valleysoft e do Grupo Ducard, a empresa mãe que também inclui a transportadora aérea Air 26 e a companhia de prestação de serviços às multinacionais petrolíferas Ducard Energy, acusa Rafael Marques, o que não o inibe de reconhecer que proliferam as boas razões para cometer estes entorses gravíssimos, na medida em que, afirma ele, «a teia da corrupção e da governação em Angola é tão espessa, tão envolvente, que faz todo sentido o partido no poder ter medo de qualquer tipo de eleições».
Note-se que já antes da imaculada concepção da “tolerância zero”, em Junho de 2008, o presidente tinha manifestado a urgência em se pôr cobro à prática dos dirigentes em usar os cargos públicos para servir os seus interesses privados. «Todavia, a realidade demonstra que o presidente encoraja e dá cobertura a tais práticas e delas retira dividendos políticos, sociais e materiais para a manutenção do seu poder pessoal», acusa ainda Rafael Marques.
Como é possível que perante acusações tão graves, se mantenha o silêncio que consente?
A omissão da PGR
A maioria espera que o Procurador Geral da República, tome uma posição, mas fontes que lhe são próximas dizem ter o mesmo recebido ordens superiores para não mexer no caso, pelo peso dos principais implicados, enquanto, lugares-tenentes do Presidente da República.
E, como se isto, em termos legais, não violasse de forma grave a lei fundamental do país e não fosse mais que suficiente para processar legalmente estes altos dignatários do Estado, o PGR, estando de mãos atadas, os “milionários institucionais” dão-se ao luxo de exercerem duplas funções: ministros ou PCA e ao mesmo tempo, gerentes em sociedades privadas que fazem negócios com os sectores que dirigem. “Granda batota”.
Por esta razão, Rafael Marques lamenta a permissividade latente que estão por trás, e mesmo à frente de tais práticas e refere-se a lei de Angola: «Essa prática, conforme dados oficiais que tenho recolhido nos últimos três anos, para a análise académica da economia política de Angola, revelam a efectiva privatização do Estado para benefício exclusivo dos dirigentes, suas famílias, associados estrangeiros e apoiantes.
Todavia, a arrogância com que estes dirigentes e servidores públicos, desrespeitam a Lei Constitucional e legislação afim ridiculariza, sobremaneira, a seriedade das instituições deste Estado, sobretudo a justiça, pois este tem a função de exercer “o controlo da legalidade, de forma a que a lei seja respeitada pelos organismos de Estado e entidades económicas e sociais, em geral, utilizando o mecanismo de protesto, se necessário».
A cumplicidade do PR
Já lá vai mais de um ano que muitas cartas foram enviadas ao Presidente da República e até á data do fecho no nosso jornal a resposta recebida não ultrapassou o nível de uma espécie de “manguito”, o “bras d’honneur” (francês). Rafael Marques tomou conta da ofensa e permite-se atacar de fronte o mal, que, segundo ele é personificado pelo próprio presidente: «José Eduardo dos Santos personifica a promiscuidade por si próprio denunciada como o pior mal do seu governo». (…) o desrespeito pelas leis estabelecidas é uma constante no quotidiano de Sua Excelência», afirma ele sem medo de ser desmentido, chamando à nossa atenção o facto ela, Excelência, enquanto Presidente da República, exercer também as funções de patrono da sua fundação (FESA), uma entidade privada cujos órgãos sociais incluem membros do Governo, deputados à Assembleia Nacional, multinacionais e empresas públicas. E isso sem o mais pequeno sinal de remorso, quando o simples bom senso aconselharia a ele nem sequer estabelecesse fundação em seu nome durante o seu mandato.
Perante esta e muitas outras calcadelas à lei, os juristas do MPLA, o partido no poder, vão ao extremo de interpretar publicamente todas as violações presidenciais, à legislação em vigor, como actos de soberania e de sabedoria política do seu líder. Uma sabedoria deste MPLA, diferente do grande ÉME”, cujas principais conquistas são, segundo Rafael Marques: «Primeiro, a imensurável acumulação de riqueza – de forma obscura e impune - por parte da família presidencial, do círculo restrito de governantes, generais das Forças Armadas Angolanas, altos comandantes da Polícia Nacional, a elite do MPLA e seus parceiros estrangeiros, assim como (…) «o controlo absoluto do poder político, económico e social através de uma teia de corrupção e estratégias complementares de repressão».
Repetimos, como é possível que perante acusações tão graves, se mantenha o silêncio que consente?
Conclusão
«Um gato introduziu-se num armazém onde os ratos viviam tranquilamente. O gato realizou uma grande matança o que obrigou os ratos sobreviventes “a convocar um conselho geral para debater a situação e encontrar soluções.” “Muitas soluções foram aventadas e rejeitadas, até que foi entusiasticamente ovacionada uma: ‘atar um guizo ao pescoço do gato e assim com a deslocação do gato, pondo o guizo a tocar, os ratos, prevenidos, tinham tempo para se pôr a salvo.
Mas, um rato velho, com a experiência dada pela idade, levantou-se e perguntou:
- ‘E quem vai atar o guizo ao pescoço do gato?’
A reunião terminou num silêncio sepulcral».
Os ratos não conheciam Rafael Marques, cuja luta - pôr o guizo - se resume a defender a ideia mestra de que «Angola precisa de um líder que moralize a sociedade e os actos da administração pública para o bem das gerações vindouras». E o que mais espantoso é, reside no facto de ninguém se dar conta de que a sua luta está condenada ao sucesso. Mais cedo, ou mais tarde.
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