A situação económica da nossa Angola está cada vez de melhor saúde, “uma das mais dinâmicas do mundo”, segundo anuncia a TPA, Nacional e Internacional, sustentada por números e gráficos demonstrativos de um crescimento notável, triste eufemismo, um crescimento inacreditável, isso sim, que, desgraçadamente, não vai além dos papéis A4 que habitam no Ministério da Economia. O único problema desses números e gráficos é a realidade.
Willian Tonet & Arlindo Santana
A realidade nua e crua, uma traição indesmentível que os mete a ridículo e por isso quase pode ser considerada como parte integrante de um complot antipatriótico contra a segurança do Estado pelo mau aspecto que tem, a denunciar todo o lado balofo da propaganda governamental cada vez mais parecida com uma constante lavagem de cérebro generalizada.
Trocado em miúdos, a realidade, no dia-a-dia dos cidadãos anónimos, aquela que tem a ver com a condição da dignidade humana, no capítulo alimentar e de saúde, é a vergonha das vergonhas e se tivesse de figurar de algum modo nesses gráficos, seria semelhante a um electrocardiograma de um moribundo, uma linha contínua estendida de fio a pavio na escala ZERO, com poucas variações a sublinhar a existência da esperança, numa negação visual da prosápia dos arautos do regime.
Mas o regime sabe que esse ZERO e as suas insignificantes variações podem ser deslocados, graças à sábia manipulação de ferramentas publicitárias que possibilitam o enevoamento mental da comunidade internacional e dos bajuladores mais hesitantes, nomeadamente na mostra massiva de imagens de belos estádios de futebol, sem as suas fissuras à vista, estradas lindíssimas, com o seu betão como que encerado e lustrado a brilhar ao sol, sem se poder topar os sítios em que ele se vai derretendo, mais estradas com betão lindíssimo e outras “chinesamente” em construção e ou construídas, mas condenadas a “chumbar” por completo no teste da melhor empresa de fiscalização que há no mundo: a chuva. Essa benta água capaz de pôr a nu as fragilidades de construções mal paridas por terem sido feitas à pressa, a expensas mínimas e facturação máxima, graças, passe o paradoxo, a comissões que podem atingir os 30% e mesmo os 50% do custo total da “obra”!
A arma petrolífera
O petróleo, alavanca e arma do regime, está ali, a servir de pau para toda a colher, para todas as eventualidades e necessidades monetárias que permitam fazer esquecer as arbitrariedades cometidas numa fuga para a frente, em detrimento cada vez mais evidente e pronunciado não só dos direitos humanos, mas também das prerrogativas do cidadão comum.
Assim, ao mesmo tempo que se promulgou uma nova constituição sem verdadeira discussão em praça pública, o regime conseguiu com uma cajadada (essa promulgação foi isso mesmo) matar dois “coelhos”:
Um, obter o apoio da comunidade internacional ao apresentar um texto constitucional aceitável e mesmo, em certos aspectos, moderno, embora seja evidente e lamentável, mas invisível para os compradores, negociadores e empreendedores no ramo dos petróleos, que do ponto de vista do sistema de eleições presidenciais, se tenha procedido a um claro retrocesso na liberdade de opções oferecidas aos cidadãos;
Dois, acentuar a pressão sobre todos os adversários políticos ao abrigo da Nova Constituição, a qual permite ao PR governar praticamente sozinho, sem ter que dar satisfações seja a quem for.
Nesta escalada, rumo não a uma democracia, mas sim a um poder absoluto, o que vimos depois da adopção da nova Constituição, foi uma grande agitação nos meios próximos e no seio da corte do Futungo, a ver quem conseguia ser mais “eduardista” do que o presidente. E o resultado final desta consolidação e concentração do poder político nas mãos de um só homem foi o brutal aparecimento duma falange de bajuladores de toda a estirpe, desde os mais finos e sofisticados intelectuais e artistas, até aos homens de mão, justiceiros, capazes de matar quem se aventure a denegrir o nome do chefe de Estado.
Começou a caça
Em Angola, nos dias que correm, observa-se uma série de desencontros entre a realidade e os anseios da população. Esse afastamento deve-se por um lado a erros crassos de governação, a começar pelas habituais fintas de mentirosos compulsivos, que têm alguma autoridade e se permitem fazer o contrário daquilo que anunciaram oito dias antes, por outro, a conjuntura internacional, o arrastar da crise, a dívida angolana, os roubos no BNA e os acontecimentos trágicos em Moçambique, não ajudam de forma alguma a levantar o astral do angolano, mesmo do muadié que conseguiu extrair-se do lamaçal da miséria material que assola cerca de 90% da população deste país, uma das mais importantes economias de África e uma das mais dinâmicas do mundo no papel e na TPA. Isto sem esquecer dois acontecimentos que se deram quase ao mesmo tempo: o aumento de 50% do preço da gasolina e a extinção faseada do Roque Santeiro, praticamente concomitantes com os acontecimentos trágicos ocorridos em Maputo na sequência de uma decisão do governo moçambicano aumentar os preços de produtos de primeira necessidade. Foi um levantamento sangrento dos pobrezinhos, os danados da terra, a lançar sombra sobre o mesmo tipo de política praticado pelo nosso executivo.
MPLA em busca de bodes expiatórios
Comecemos pela gasolina. Ultimamente, o governo anunciou que iria aumentar o preço da gasolina na ordem dos 8 a 10 por cento. Aumentou de 50%! Explicação: é para transformar os subsídios que o Estado paga para o abastecimento de combustível ao país em capital acumulado para obras de monta nos sectores sensíveis da Educação e da Saúde. Vamos esperar, sem esperança… tanto mais que mesmo em caso de o executivo cumprir à risca a sua promessa, o que acontecerá, bem vistas as coisas, é que será o mwangolé contribuinte quem vai pagar esses investimentos de índole social na Saúde e na Educação. Portanto, a verdade é que não há nada a esperar.
Nestas andanças, a inflação, que fatalmente ocorrerá por via deste aumento, já faz parte dos cálculos dos sabichões economistas e já não se chama inflação, passou a ter o nome de aumento momentâneo dos preços. Nisto, também o aumento dos salários da função pública, que rondam os 5,6%, deixou de ser aumento para ser tapa buracos de uma diminuição do poder de compra muito mais importante que cinco e mesmo que 10 ou 15 por cento; sai um decreto a proibir a importação de viaturas com mais de três anos, e camiões com mais de cinco; o preço dos transportes já aumentou e em certos casos os candongueiros pedem 200 kwanzas por uma puxada: os motoristas da TCUL e da Macon governam-se nas primeiras puxadas do dia que vão integralmente para os seus bolsos e para os do cobrador.
Pobres são cada vez mais pobres.
Estamos de facto em face do empobrecimento institucionalizado do povo de Angola, que prossegue malembe malembe. E se em 1977, na altura em que o regime engendrou a falsa intentona, sob a alegação de os homens de Nito Alves estarem a desviar a comida das EMPA’s, hoje que é o mesmo regime que domina todas as EMPAS, quem são, afinal os causadores da desgraça e penúria da maioria do nosso povo? Quem?
Adiante.
A sociedade civil, junta a sua voz de indignação, ante a concentração da riqueza e a privatização do Estado. Os partidos políticos da oposição gritam e clamam aos céus o aumento das dificuldades e discriminações.
A UNITA reúne-se. É preciso fazer qualquer coisa, isto é demais, não podemos ficar calados, temos de agir, resistir protestar…
Mentira.
Não podem. Porque perante a acumulação de nuvens ameaçadoras do descontentamento popular em progressivo estado de incubação – dezenas de milhares de pessoas a sofrer com o encerramento do Roque, a ter que fazer mais de 20 quilómetros e a aguentar a subida de preços dos combustíveis na frequentação diária de engarrafamentos dantescos -, veio de lá Rui Falcão, arauto-chefe do partido do Poder, denunciar fogo posto na fogueira que o seu partido tinha acabado de atear.
O seu discurso, antes de mais nada, absurdo, apenas conseguiu reavivar velhos instintos bélicos de pessoas frustradas, isto sem perder de vista que o seu discurso serviu, como uma luva, de contributo inestimável para a derrocada duma reconciliação nacional já de si em meias-tintas, ao relembrar a nossa trágica guerra civil. Eis o que escrevemos sobre a sua tirada na nossa última edição:
«(…)Referindo-se à UNITA, (Rui Falcão) disse, «Essa gente que nunca fez nada e destruiu o país». Enorme! Mais do que enorme, monstruoso, quando se sabe que noutras ocasiões esse porta-voz pretende estar a favor duma verdadeira reconciliação nacional.
Ouçam bem: “Destruíram o país”(!!!)…
É de bradar aos céus e perguntar quem é que fez a guerra para alcançar a paz? Foi só a UNITA?... Não foi, pois não!? E se não sabem quem foi, perguntem a Marcolino Moco. Ele sabe».
Este foi o nosso grito de indignação, que hoje aqui repetimos. Porque esta frase devia ser motivo e impugnação do seu autor, isso sim, como incitação a actos subversivos e assassinatos de personalidades da oposição.
De resto, os resultados não se fizeram esperar.
Entretanto, o Ministério da Comunicação Social ignorou por completo o drama do nosso colega. E na gala do Prémio Maboque, o silêncio foi feito não em sua honra, mas para esquecer o funesto acontecimento.
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