domingo, 19 de setembro de 2010

Afinal, A Luta Continua!


A medida em que o ano 2002 vai ficando para atrás e as negras nuvens das cinzas da guerra vão se dissipando do espaço angolano, começa a ficar mais claro para nós que a Paz não está a trazer a reconciliação que os angolanos precisam nem a favorecer a construção da Angola que há muito sonhamos.

José Maria Huambo

Com o alcance da tão desejada Paz esperávamos que tivesse chegado, finalmente, o grande momento nos unirmos e trabalharmos juntos na construção de uma nova Pátria e no derrube da velha Angola, construída sob as fundações das antigas divergências, alicerçada na intolerância racial, étnica, política e sociocultural, e cimentada na desastrosa gestão dos nossos recursos humanos e naturais.

Mas, fomos redondamente enganados. Aquilo a que nos habituamos a chamar «processo de paz e reconciliação», afinal não tem passado da triunfante consagração absoluta de um poderoso grupo que teima em perpetuar as velhas lutas pelo predomínio absoluto de um só grupo (racial, político, étnico, religioso, etc.) que devastaram Angola e estagnaram o nosso promissor País.

Assim, a nossa amada e sofrida terra está agora refém do grupo vencedor do longo e doloroso conflito e que está determinadíssimo em consolidar a sua hegemonia e a gerir o país como se fosse sua propriedade privada.

O pior de tudo é que os angolanos indefesos estão a sobreviver completamente desamparados pela comunidade internacional. Porque, a dependência do petróleo deu ao poderoso grupo uma ascendência sobre a política externa dos Estados Unidos, da China, da França, da Inglaterra, da Rússia, do Japão, de Portugal e doutros antigos defensores acérrimos da Democracia e dos Direitos Humanos. Por isso, não há no mundo de hoje instituição divina ou humana capaz de travá-los, contrariá-los, questioná-los ou censurá-los.

Apesar de já não utilizar as mortíferas armas da guerra civil, o poderoso grupo continua a atacar os angolanos indefesos e a atentar, gravemente, contra a soberania nacional e integridade territorial. As armas, agora, são outras. São mais sofisticadas e muito inteligentes. Assim, para consolidar a sua hegemonia política arrancada a ferros e proteger os seus prósperos interesses económicos, o poderoso grupo continua a fazer ataques mortíferos e cirúrgicos contra os direitos dos cidadãos indefesos usando como poderosas armas as leis do país, os órgãos de soberania, o sistema judicial, as estruturas financeiras, a comunicação social e os órgãos de defesa e segurança nacional.

A gananciosa atitude deste grupo e a sua danosa gestão dos nossos recursos humanos e naturais estão a comprometer seriamente o futuro próspero e pacífico das gerações vindouras.

E o que mais irá entristecer as gerações vindouras é incompreensível silêncio dos bons, a indiferença dos conformados e a passividade daqueles que podem fazer alguma coisa para salvar o futuro da Angola. Andamos todos a evitar ter chatices. Por isso, preferimos comprometer a sobrevivência da Angola do amanhã a perder as casas, os carros, os negócios e outras regalias que o regime dominante nos dá como se fossem grandes favores.

Porém, a grande verdade é que não adianta insistirmos em alimentar vãs grandezas e ilusórias vaidades. Não adianta andarmos em guerrilhas e aos empurrões por causa de futilidades e benesses efémeras. Porque estamos todos de passagem. Mais tempo, menos tempo acabaremos todos por deixar este abençoado pedaço de terra.

E mesmo que nos fiemos na presunçosa ilusão de vivermos por muitos anos, não devemos esquecer que a vida dá muitas voltas. Os ricos e poderosos de hoje podem não ser os mandões de amanhã. Os privilegiados de hoje podem vir a ser os prejudicados de amanhã. Os filhos dos dirigentes da Angola de hoje podem não vir a ser os pais dos dirigentes da Angola do amanhã.

Por isso, em nome do futuro tranquilo dos nossos filhos, netos e bisnetos e em nome da salvaguarda do património que muitos conseguiram com muitos sacrifícios, temos de decidir, hoje, aqui e agora se é Angola que deve girar, continuamente, à volta do dos privados interesses do poderoso grupo de Eduardo dos Santos (zeducentrismo) ou é o país que deve estar em primeiro lugar fazendo com que os interesses dos grupos políticos, raciais, étnicos, económicos e religiosos devam girar à volta de Angola (angocentrismo)?

Temos de decidir, hoje, aqui e agora se queremos deixar para as gerações vindouras um País injusto onde a pobreza extrema esteja condenada a viver lado a lado com a riqueza ostensiva. Um país corrupto que promove o uso fraudulento do dinheiro público e onde os recursos destinados ao bem público sirvam para outros interesses de carácter privado ou mesmo criminoso.

Temos de decidir, hoje, aqui e agora se queremos deixar para as gerações vindouras um País onde continue a imperar a dominação de uns pelos outros e onde todos os poderes e todas as benesses permaneçam concentrados nas mãos duma só classe social, dum só partido político, duma só raça ou dum só grupo étnico.

Temos de decidir, hoje, aqui e agora se queremos deixar para as gerações vindouras um País intolerante onde os grupos dominantes se recusem a conviver com as nossas diferenças e persigam, por todos os meios, os compatriotas que não comunguem das suas convicções políticas, ideológicas, religiosas e culturais nem partilhem das suas formas de ser angolano, de pensar o País e de viver a angolanidade.

Enfim, temos de decidir, hoje, aqui e agora se Angola é um feudo privado do grupo de Eduardo dos Santos ou se é uma comunidade política que pertence a todos os seus filhos.

Porque a escolha clara e decidida entre o «zeducentrismo» e o «angocentrismo» irá determinar o triunfo ou o fracasso do País reconciliado, pacífico, próspero e democrático que sempre sonhamos e que queremos deixar para os nossos netos e bisnetos.

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