A democracia, no que toca à definição que dela se pode dar enquanto regime político polifónico, está lentamente a ser reduzida em Angola a um coro de igreja monocórdico, numa missa cantada em que oficia, soberano, um padre insubstituível. Esta tendência para a divulgação da música “gospel” no exercício de funções políticas em Angola, tem vindo a agravar-se depois da realização das eleições legislativas de Setembro de 2008.
Willian Tonet & Arlindo Santana
Manifestamente, o partido maioritário não conseguiu digerir o opíparo repasto de votos, cozinhados nas duas oficinas espanholas, causando um afluxo surpreendente de 82% de vozes favoráveis à sua desgovernação. Empanturrado mas de ânimo leve, sentiu-se capaz de voar e por ora está a pairar, numa nuvem ameaçadora de borrascas.
Depois disso, veio o “golpe” da Constituição, e o conforto causado pela legalização da ilegalidade até aí assumida nas calmas pelo PR, que, por via dessa engenhoca foi transformada numa brilhante vitória política. E as coisas continuaram a piorar.
Os partidos políticos da oposição, por assim dizer, desapareceram do mapa. Ficaram alguns focos de resistência sem força. Ficou a juventude, por definição corajosa, sem frio nos olhos, E essa, manifestou-se com alguma energia, sem medo de represálias de nenhuma espécie, no decorrer do congresso da JURA, órgão juvenil da UNITA
Na sequência desse congresso, fins de Julho do ano em curso, o Jornal de Angola publicou o que nós chamamos “um pano sujo do chão”, uma acusação anónima, para limpar a comprometida reputação do Executivo nacional.
O F8 retorquiu com frontalidade a essa diatribe. Propomos aqui adiante uma passagem do nosso artigo:
«A mensagem veiculada por José Ribeiro tem uma preciosa qualidade, digna de grande realce no nosso país, a de ser clara e simples: a UNITA aposta no caos social num momento de lucidez.
“(…) a UNITA assume, como nossa (sua), a estratégia de criar o caos social e, por essa via ascender ao poder. (…) O único mérito que se pode colher da constatação que a JURA/UNITA faz”, diz ele a certa altura, “é que em todo o tempo que perderam a definir os termos da conspiração contra o Estado e o nosso Povo, houve um momento de lucidez em que se assumiu que o mais importante é destruir”».
Este raciocínio é inaceitável. Assim como a esmagadora maioria dos argumento avançados por José Ribeiro nesse seu artigo, todos eles considerados como fomentos de caos político, quando todos ele são de conformes a práticas usuais em democracia, tal como a conhecemos nos dias de hoje, usada, é verdade, deturpada, por vezes violada por sistemas modernos de controlo e instrumentos vários de cooptação e marginalização, áreas em que o “governo” de Angola é mestre.
A esta reflexão tínhamos então acrescentado o seguinte: «Nos países com tradições democráticas de centenas de anos, esses instrumentos de dominação são vigorosamente combatidos pelas forças da oposição política ao regime instalado, e a verdade é que conseguem por vezes bons resultados, dos quais resulta sempre uma mudança de partido a gerir o país, finalidade primordial da democracia.(…) seguindo o pensamento de José Ribeiro, a JURA/UNITA, à parte querer “desgastar, por todos os meios, a imagem do presidente Eduardo dos Santos”, o que vai de si em qualquer democracia, propõe “minar o MPLA e o executivo”, o que também é um objectivo primordial de todos os partidos de oposição do mundo. Todos, sem excepção, porque o poder desgasta-se com o tempo e a função da oposição é de contribuir para esse desgaste, não de ajudar o poder a ficar no poder!»
Depois desta medíocre intervenção partidária por parte de José Ribeiro, esta semana, foi a vez de o porta-voz do MPLA, Rui Falcão, vir a público fazer descer o nível de qualidade das intervenções do partido.
No uso de um tom algo ameaçador, não só relembrou o carácter “subversivo” das resoluções da JURA de há um mês atrás, mas, sobretudo, denunciou um pecado recente da Rádio Despertar, acusada de ter vindo a repetir convites a manifestações subversivas e incentivar tomadas de atitude e apelos a uma resistência civil, o que foi logo repetido pelos dirigentes da UNITA.
Mais uma vez, o aludido acto subversivo (supomos que são as manifestações de rua, pois o Sr. Falcão, desculpe, camarada Rui Falcão, ex chefe dos Escuteiros da Igreja Católica (para tristeza da nossa igreja), não deu qualquer exemplo de acto subversivo proposto pela Rádio Despertar) está consagrado pela Constituição, art.º 26.º, art.º 28.º, art.º17.º, art.º 40.º, art.º 41.º, art.º 44.º, art.º 45.º , art.º 46.º, art.º 47.º, todos da CRA (Constituição da República de Angola) e as estratégias políticas de resistência cívica enquadram-se perfeitamente em qualquer regime democrático.
E o problema é esse. É que o MPLA, depois da “Nova Constituição”, parece querer institucionalizar uma “Nova Democracia”, que já nem “gospel” é, com o seu coro afinadinho a cantar a ladainha, mil vezes repetida em honra do “Senhor”. Ladainha, qual perniciosa, que viola os artigos 56.º, 57.º, 58.º da CRA.
Não, esta “Nova democracia” é de boca fechada. Pelo menos foi o que ele sugeriu, ao lançar o opróbrio à UNITA e à Rádio Despertar, capitaneadas por Samakuva, por estarem a instigar a desobediência civil, quando o mais que faziam era tentar, dizemos tentar, fazer política de oposição, dizemos de oposição, a um “governo que, por intermédio do seu porta-voz partidário pretende ser intolerável e não ser criticado.
Ora, a democracia é a liberdade do jogo e não o seu amordaçar, pelo que não faz sentido o partido que suporta o regime estar a fazer apologia e instigação indirecta contra um partido político, quando este actua no quadro da liberdade de expressão.
A situação está mal, parece que só uns poucos, que têm os milhões dos milhões de angolanos esfomeados, não vêem. Ou melhor, ver vêem, mas estão preocupados não com o povo, mas com os seus negócios, e temerosos perante a possibilidade de que as pessoas comecem a investigar tanta riqueza acumulada em tão pouco tempo.
Além disto, esta tomada de posição anunciada por Rui Falcão é uma faísca para a violência e assassinatos silenciosos. Que ninguém se iluda, este comunicado deu carta-branca para uma caça aos contrários, a todos aqueles que não se colocam de cócoras para reverenciar o MPLA e as suas políticas.
O que parece, é que estes homens ainda não sabem o que é uma verdadeira democracia. Na óptica deles, a política deve ser feita por aqueles que acham que tudo está bem. Gente para quem as fissuras e a rachadura do Hospital Geral de Luanda foi feitiço e que quem actuou dessa forma danosa e dolosa em relação aos altos interesses do Estado, se forem do “governo” não podem ser elementos a responsabilizar; gente que ignora quem tem a obrigação de dar água e luz e não dá; gente que ignora quem destrói as casas dos cidadãos e os atira para campos de refugiados e de concentração, como fazia Hitler com os nazistas...
Mas o pior do que foi arengado por Rui Falcão, a sua cerejita no cimo deste bolo carcomido, deixámo-la para o fim.
Referindo-se à UNITA, disse, «Essa gente que destruiu o país».
Enorme!
Mais do que enorme, monstruoso, quando se sabe que noutras ocasiões esse porta-voz pretende estar a favor duma verdadeira reconciliação nacional. Quem destrói as casas dos autóctones para lá construir condomínios e os atira para os campos de concentração do Zango e Panguila?
Quem, em pleno século XXI, ainda inaugura fontanários, por incapacidade de dar água potável e corrente aos cidadãos?
Quem não constrói hospitais, dignos desse nome?
Quem deixa os cidadãos dormirem ao relento fiora das unidades hospitalares, por falta de medicamentos, para acudirem os seus familiares?
Quem se transformou do dia para a noite de proletários em proprietários, líderes do capitalismo selvagem?
Quem se apropria indevidamente do património público, sem concurso para proveito próprio e de um só partido?
Quem promove a política de discriminação e partidarização do Estado?
Quem não consegue dar luz as populações e privatiza tudo em nome de um grupo?
Quem?
Não perguntemos, porque se calhar Rui Falcão responderá que não sabe, não estava cá, no outyro tempo, era menino e não falava política.
Bom, mas deixemos o passado e voltemos ao “agoramente” das suas palavras.
Ouçam bem:
“Destruíram o país”(!!!)…
É de bradar aos céus e perguntar quem é que fez a guerra para alcançar a paz?
Foi só a UNITA?...
Não foi, pois não!?
E se não sabem quem foi, perguntem a Marcolino Moco. Ele sabe.
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