A nova Constituição apresenta-se, no final de contas, como sendo um pau de dois bicos para o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, porquanto agora ele não pode repartir responsabilidades. Quase se poderia dizer que o governante foi apanhado em pleno cometimento de pecado de guloseima, ao acumular poderes que dificilmente poderá controlar, do mesmo modo que o guloso, que tem mais olhos que barriga, não se sente capaz de comer tudo o que pôs no prato.
Zédu tem por ora todas as responsabilidades concentradas no seu gabinete, isto aos 68 anos, idade em que a tendência dos homens visionários e políticos empreendedores é precisamente desalfandegar as suas responsabilidades e não acumulá-las.
Com a concentração dos poderes na pessoa do PR e a impossibilidade de os ministros exercerem actos efectivos, o atraso na implantação de qualquer projecto é-lhe imputada de pronto. E não é tudo, pois as probabilidades de se acumularem em cima da sua secretária os dossiês à espera de deferimento já ultrapassaram o domínio das hipóteses, são inevitáveis, num acumular de montes de papelada que irão crescendo com o passar do tempo. E a certa altura, o trabalho não poderá em caso algum ser feito com a devida atenção.
A esta impossibilidade de tanto trabalho ser feito por um homem só, acresce a impossível ubiquidade do mesmo, ou seja, poder estar simultaneamente na forja e no moinho, limitação normal que já vem de trás e pode até ser uma boa explicação de bom número dos dissabores de governação do nosso presidente, por mau desempenho ou interferência da sua entourage.
De facto, a tendência conhecida do presidente de tudo querer controlar, consubstanciada na criação de comissões lideradas por pessoas da sua confiança, beneficiárias de alguma impunidade por simpatia do chefe, gerou o quase desaparecimento de responsabilidades antes da actual Constituição dar força legal a esse modus operandi. E agora, depois de ela entrar em vigor, a situação do Chefe agravou-se no que toca à responsabilização de todas as acções governativas. Façamos uma retrospectiva.
Por exemplo o grande responsável do que aconteceu no caso das fissuras no Hospital Geral de Luanda será Dos Santos, ou melhor, a sua entourage. Não há necessidade nenhuma de procurarmos os responsáveis do que se passou, porque, simplesmente não há responsáveis, ou melhor, os que assistiram sem nada ver do que se estava a passar, tinham um guarda-chuva enorme, abriram-no e nem precisaram de sacudir a água do capote. Irresponsáveis assumidos, eis o que eles eram, felizes e satisfeitos com a sua condição. E as responsabilidades foram dirimidas umas atrás das outras, da mesma forma que caem os dominós colocados uns atrás dos outros.
O mesmo aconteceu com o fracasso do Nosso Super e de outros projectos que não serviram para nada a não ser aligeirar o peso do conteúdo dos cofres do Estado sem benefício algum para o país, o que, futuramente poderá criar uma situação inédita, uma vez que nessa perspectiva o presidente da República poderá mesmo ser julgado não só por gestão danosa, descontrolada e dolosa, como por outros motivos aleatórios atinentes ao facto de ter havido abuso da sua confiança, como tantas vezes isso tem acontecido.
O outro pecado que se aponta ao presidente é o da cobiça, e mesmo que se diga que ele não o cometeu, o que está à vista de todos os angolanos é a cobiça engendrada pelo enriquecimento alucinante dos seus mais próximos colaboradores, dos generais com estrelas de todos os géneros, até de plástico, desses que nem sequer sabem o que é uma batalha, e, sobretudo, os membros da sua própria família, isto sem esquecer os kambas do MPLA. Uma multidão de gente a nadar em rios de dinheiro sem barragens à vista.
E tudo começa pela partidarização das instituições do Estado, todas elas, sem excepção, desde os quartéis, às mais altas instâncias militares, todos os órgãos de justiça e de comunicação social públicos, passando por certas entidades de carácter privado, mas que também não escapam ao sectarismo doentio do regime, tais como associações e clubes desportivos, organismos ad hoc e mesmo instituições bancárias e de beneficência. Quem não for do MPLA não entra. Ponto final.
E mais uma vez nos deparamos com a responsabilidade do presidente a poder ser posta em causa na sequência do insucesso causado pelos executantes das suas directivas. Como tudo recai sobre a sua pessoa, não há responsáveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário