Nos próximos dias, a procuradora italiana Livia Locci, do Tribunal de Turim, na Itália, deverá decidir sobre o mérito de uma queixa apresentada pela primogénita do Presidente angolano, Isabel dos Santos, por difamação contra três jornalistas italianos.
Rafael Marques de Morais
Na sua qualidade de cidadã, Isabel dos Santos goza e deve fazer uso, o tempo todo, do direito universal à honra e ao bom nome onde quer que esteja ou se sinta injuriada. Esse direito também cabe a todos os cidadãos angolanos que, por força das circunstâncias, são governados pelo seu pai há 32 anos.
Os Factos
A 15 de Julho de 2007, o jornal italiano La Stampa publicou uma investigação da jornalista Giulia Vola, com o título La Dea Nera degli Intrighe (A Deusa Negra da Intriga) em que refere Isabel dos Santos como administradora de um grande império de negócios, incluindo petróleos, diamantes e banca. Para a jornalista, o património sob gestão de Isabel dos Santos, resulta de actos de corrupção e favoritismo devidos ao facto do seu pai, José Eduardo dos Santos, ser Presidente de Angola.
A queixosa apresenta, a seu favor, vários argumentos, alguns dos quais são ora reproduzidos pela sua importância para a opinião pública nacional:
- Sobre a denúncia de ser administradora de um império: “Eu sou a filha do Presidente José Eduardo dos Santos e não administro qualquer património e muito menos um “império” financeiro do Presidente, ‘império’ que simplesmente não existe.
- Sobre a afirmação contida no texto, segundo a qual o seu pai é um ditador: “O meu pai não é um “ditador” (…), mas como é universalmente reconhecido, por um lado, Angola é uma república parlamentar e, por outro, o meu pai José Eduardo dos Santos é o Presidente legitimamente eleito em 1979 e em 1992; em particular, é durante a presidência do meu pai que Angola se transformou numa democracia multipartidária.”
- E, finalmente afirma: “Não é verdade que a subscritora se tem ocupado do petróleo e ’com a supervisão do seu pai’ e que ‘dos cofres do estado desaparecem milhões de dólares que deveriam ter sido usados para “alimentos, medicina e infraestruturas.’: na realidade, em Angola, o comércio do petróleo tem passado por procedimentos públicos, transparentes e controlados, sem qualquer envolvimento directo do Presidente da República e muito menos da subscritora.”
As Mentiras
Sobre os argumentos apresentados em sua defesa, Isabel dos Santos envolve também a honra do país, ao afirmar que o texto “tem um conteúdo altamente difamatório e lesivo à minha honra e à minha reputação, assim como para a reputação da minha família e da instituição Angola.” Por essa razão, a sua queixa é extensiva à honra dos angolanos, que também procura defender contra falsidades.
Como foi Isabel dos Santos parar ao Conselho de Administração da UNITEL e onde encontrou capital para ser accionista de uma das principais empresas privadas angolanas? A resposta a esta questão certamente poderá ajudar a filha do Chefe do Estado a limpar o seu nome com brio.
b)Desde 2005, Isabel dos Santos é administradora do Banco Bic, no qual detém 25 porcento do capital social, conforme documentos legais datados de 7 de Junho de 2006. O seu nome tem constado regularmente no portal do banco e noutros documentos da empresa, na sua qualidade de administradora.
c) A associação de Isabel dos Santos ao negócio dos diamantes, em Angola, é bem conhecida. Em parceria com a sua mãe, Tatiana Cergueevna Regan, Isabel dos Santos constitui a 2 de Abril de 1997, em Gibraltar, a empresa Tais Limited, na qual detinha 75 porcento das acções, cabendo o resto à sua mãe. Por sua vez, a 11 de Outubro de 1999, o governo angolano, chefiado pelo seu pai, promulgou um acordo com a sua empresa, a Trans Africa Investment Services (Tais), o Group Goldeberg e Leviev Wellox, para a criação de uma empresa mista de comercialização de diamantes, a Angola Selling Corporation (Ascorp).[1] A aprovação do consórcio revelou conflito de interesses, nepotismo e indícios de crime de suborno “passível de destituição do cargo” (Art. 127º, 1, 2 da Constituição).[2]
d) O sector dos petróleos em Angola tem sido o mais opaco e o mais controlado pelo Presidente da República, para serviço dos seus desígnios pessoais. A aprovação final de qualquer contrato petrolífero, por concurso público ou não, cabe sempre ao Presidente da República. O Decreto n.º 48/06, do Conselho de Ministros, sobre os Procedimentos de Concursos Públicos no Sector dos Petróleos, estabelece que a aprovação final dos concursos públicos cabe ao Governo, ou seja exclusivamente ao Presidente da República, como chefe do Executivo (Art. 14º, c). Como exemplo, um ano antes de Isabel dos Santos ter apresentado queixa, o seu pai promulgou, a 27 de Outubro de2006, a autorização conferida à Sonangol para associar-se, entre outras empresas, à Prodoil, para a realização de operações petrolíferas no Bloco 1/06 (Decreto n.º 82/06). A Prodoil é uma empresa criada a 9 de Novembro de 2001 pela Marsanto, e com participação simbólica da Prodiaman e Arlindo Fernando da Costa.
a) José Eduardo dos Santos nunca foi eleito Presidente da República, muito menos com legitimidade democrática. A Lei 71/76 de 11 de Novembro, de Alteração à Lei Constitucional estabelecia que “em caso de morte, renúncia ou impedimento permanente do Presidente da República, o Comité Central designará de entre os seus membros quem exerça provisoriamente o cargo de Presidente da República” (Art. 33º).
[1] Conselho de Ministros (2003:1438-9). A 5 de Outubro de 2004, Isabel dos Santos transferiu a totalidade das suas acções para o nome da mãe e, por essa altura, a Tais já havia mudado de denominação para Iaxonh.
[2] Para mais informações sobre a participação de Isabel dos Santos na Ascorp e as implicações legais, consulte: Marques, Rafael. Diamantes de Sangue, Tinta-da-China: Lisboa, 2011:32-3.
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