Gil Gonçalves
«Mas existem situações por esta África fora em que vemos os mesmos promotores da democracia recebendo com “tapete vermelho” declarados ditadores só porque aparentemente seus países possuem petróleo ou urânio.» in Noé Nhantumbo, canalmoz
O perigo não está nas mini-saias, mas na lascívia dos nossos olhos.
Nada das bandejas petrolíferas e diamantíferas nos é servido. E prometeram-nos que depois da independência seríamos felizes, correríamos como as águas nos rios de felicidade libertas. E dormiríamos e acordaríamos banhados pelas aragens das suas margens. E nos perderíamos nos encantos da harmonia florestal. Mas não, afinal a independência eram os tesouros das esmeraldas, dos diamantes, do opulento e poluente petróleo na sua vil e vã magnificência.
E outra espécie também descendente de humanos claros e preclaros, ditos de um Deus superior à nossa virtude, de tudo e da Natureza, encheu-nos de riscos num mapa inventado. E os rios perderam-se, secaram, e o que para nós era espiritual, para os preclaros foi, é grande riqueza material. E gritaram-nos: selvagens!!! Da nossa salutar nudez casada com a vegetação densa verdejante e acariciante, fustigada pelas latejantes, lampejantes e ternas chuvadas, pereceu na espoliação da civilização. E inventaram governos locais que publicaram decretos animados por estrangeiros, que renunciaríamos à nossa terra e a todas as riquezas nela contidas. E os nossos filhos cedo aprenderiam a estender as mãos de mendigos aos novos-ricos. E os rios, os peixes, os lagos, a chuva, o vento, as plantas, as aves, as frutas tropicais, desapareceram, parece que para todo o sempre. Até inventaram que a nossa terra ancestral onde crescemos e vivemos milenarmente, tem que ter documento passado, e também ela nos roubaram.
E quando a vida no meu Titanic se afundar, tocarei, cantarei, e elevar-te-ei numa serenata: foi um imenso prazer conhecer-te e perder-te, Angola!
E as revisões e cortes no orçamento do terror eléctrico são constantes. Estamos na inconstante inclinação das costas porque eternamente gratos ao nosso Politburo, pelo grande favor que nos concede da sua divina providência, mendigar-nos com alguma energia eléctrica de vez em quando, assim como a água, e tudo, tudo o mais que se lhe assemelhe. Eles são muito desligados porque esta nossa energia eléctrica ainda é revolucionária, e a luta exige-se sempre contínua porque ainda não se sabe, nunca se saberá, quando a vitória do terror da involução será certa. O nosso Politburo vive lá no Olimpo dele, e de vez em quando lembra-se de nós, melhor, zomba-nos. Estas coisas são próprias de deuses, e em consonância lança para a terra dos mortais, eles são imortais, alguns raios de luz que nos iluminam e algumas chuvadas que nos abastecem de água. Como deuses de todos os céus e donos de todos nós, nunca justificam os cortes de água e de energia eléctrica. Nós para eles não existimos, não somos nada, somos zeros, lixo. Dos últimos cortes, apagões, muitos e muitos mais se seguirão porque a infindável revolução assim o exige e indetermina.
Um Sem Futuro lavava o carro no passeio. De portas escancaradas donde jorrava berraria musical que ao Sem Futuro não o incomodava, nem aos transeuntes, porque todos já passaram à condição de fantasmas. Eram cerca de vinte horas de um dia igual a todas as misérias. Três fiscais vestidos nas vestes de caçadores apresam-no sem hipótese de defesa, melhor, de fuga. Nesta selva saturada de esfomeados, os cumpridores da lei executam-na de modo pessoal. Arrancam o saco das costas do lavador de carros e revistam-no como que numa de luta contra o terrorismo. Nunca se sabe se tem lá alguma bomba, e espoliam-lhe um chouriço e uma garrafinha plástica do bom uísque. E já o carregam para o seu carro improvisado de prisão celular. Mas a dona do carro aparece e entra em conversações com os zelosos cumpridores da lei. Acabaram-se em negociações e os fiscalizadores exigiram três cartões para recarregarem os seus telemóveis.
Do atoleiro da crendice humana sobressai a radiação da abundante religião. Sob o estigma da revelação divina que Ele está em todo o lado, vigia-nos dia e noite, espera-nos no maravilhoso paraíso celestial para nos pedir contas do que fizemos cá em baixo. Uma jovem aí com vinte e cinco anos conseguiu amealhar quatro mil e quinhentos dólares, e acometida de fervor religioso foi para a igreja, naturalmente, ou muito provavelmente na esperança de conseguir um marido. Já lá nas preces ao Senhor, o pastor prega-lhe que quem entregar todo o dinheiro que tiver, esperará e receberá o dobro. Ela achou por bem e entregou tudo ao bom pastor. Foi para casa e esperou que o seu dinheiro se multiplicasse pela intervenção do milagre, da bênção de Deus. Duas semanas depois comparece na igreja e pede o seu dinheiro mais a igual quantia do milagre. O bom pastor admirou-se e disse que não é assim que o Senhor arranja dinheiro para os seus fiéis. E ela ficou na miséria. As igrejas são como as repartições fiscais das finanças, todo o dinheiro que lá entra jamais de lá sai. A pobre coitada, já em casa dominada pelo sofrimento desmaiou e poucos dias depois foi parar no hospital muito mal.
Um senhor também caiu nesse negócio de Deus, entregou-lhes tudo, não recebeu nada, claro, ficou maluco e anda por aí a pregar nas ruas. Mas há milhares de casos como estes, todos feitos com envelopes onde obrigatoriamente os crentes têm que colocar lá dinheiro, quantias à farta, senão Deus não lhes vai atender. A miséria é de facto e de jure demais, não acredito que alguém do Governo desconheça o que se passa. É que é muita gente assim universalizada. E em Luanda cada beco é uma igreja. Este petróleo derrama muita miséria. Está claro que do analfabetismo se retiram muitos dividendos, especialmente religiosos e políticos, ou relembrando o adágio popular: quanto mais burros melhor. E se as inconfessas religiões também espoliam as populações e o governo não intervém, deixando as pobres almas como que numa jangada à deriva arrastada pela força da tremenda cascata apolítica, é porque decerto existe alguma conivência, se retiram apoios políticos e divisão do bolo. E quanta mais religião, mais dominação. As ovelhas têm que ser bem tosquiadas, até que nada mais lhes sobre… se a pele também der, vamos embora a isso. O Céu nada na corrupção, Deus também. Deixa-se corromper demasiado facilmente, por isso não admira que a terra esteja tão corrupta, afogada no lodaçal da corrupção. O angolano quando nasce, o primeiro ensinamento que recebe é precisamente o da escola da corrupção. Mas uma questão se impõe: e quando o petróleo acabar? O Politburo perdeu o seu coração e arrasa os nossos. Vende-se o que ainda resta, os terrenos para o cultivo dos biocombustíveis, mas não é o que já acontece?!
Parafraseando o poeta António Aleixo: a democracia não se aprende, não se ensina, nasce e morre com a gente.
Quem passa a grande parte do tempo sentado a conduzir no diabólico trânsito de Luanda produz infalivelmente hipertensão cardíaca, diabetes e deficiência mental. Um quadro clínico de alto risco. Ora, viver assim é impossível, não compensa, porque a degeneração do nosso corpo acelera-se conduzindo-o à morte precoce. É um manicómio ao serviço do terror.
A Teixeira Duarte SA, além da sua actividade principal, desordenar e apoiar na destruição do que ainda resta da cidade de Luanda, exerce uma actividade acessória: onde chega rebenta com os canos de água e com os cabos da energia eléctrica. Ali na Pomobel, junto ao Zé Pirão, a água corre livremente pela berma da rua, vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, já há muito tempo. Ali para os lados da Sagrada Família rebentaram com a luz e a água, e marimbaram-se. Os moradores tiveram que lhes mover uma acção judicial, só assim é que eles se decidiram a reparar os estragos. É terror puro ou não é?! Há pessoas que são consideradas muito inteligentes, mas tornam-se muito perigosas porque utilizam a sua inteligência para a maldade. Para nos aterrorizar basta lembrarmo-nos se hoje e amanhã teremos água, energia eléctrica e se seremos assaltados ou presos pelo Senhor 26.
Um barril de petróleo para a Maria do Rosário na Rádio Ecclésia. Campanha lançada pelo jornalista Jorge Eurico, o bom samaritano. Se até Dezembro não pagar a renda, Maria do Rosário, vai para a rua com os seus cinco filhos porque não tem dinheiro para a pagar. De quarenta e cinco anos de idade, é viúva, cega há quatro anos e portadora da SIDA. A insensibilidade dos príncipes corruptos novos-ricos aterra-nos. A morte dos seus súbditos alegra-os imenso porque ela é o seu festim permanente. O nosso petróleo vai longe, ultrapassa a nossa galopante miséria. Quanto mais petróleo mais fome, mais morte, mais riqueza e corrupção para esbanjar. Dos dois milhões de dólares que deram ao Benfica não sobrou nada?!
No campo da Refrinor, no bairro do Cazenga, vão construir uma fábrica de plásticos. É fácil de imaginar a poluição, a morte anunciada de quem por ali habitar. E o que é de mais incrível: é que existe gente que anda por aí a governar (?) não constrói uma única zona verde, um parque recreativo. Ora, isto é um crime abominável que tem que se combater desde já. O mais importante é destruir e têm uma apetência para tal. Sempre na trincheira firme do crime.
Subo as escadas do prédio, cumprimento uma vizinha nova-rica que comprou um apartamento por apenas quinhentos mil dólares, não me respondeu, deu-me a lei da aversão. Continuou como se eu não existisse. De facto e de jure já há trinta e cinco anos que deixei de existir.
A estrada da morte Luanda-Viana não tem iluminação, é mortes quanto baste. Melhor será chamar-lhe estrada do cemitério do terror. Não há dinheiro para iluminar vias principais, mas para tudo o que é futebóis chega e sobra, abundante como o mar petrolífero.
Na zona marítima dos Ramiros, antigos combatentes sobrevivem da pesca com explosivos. Quando a miséria ataca, o pensamento concentra-se na destruição da fome, parece que nada lhe resiste, lhe ficará incólume. Até o terror presente e futuro se hipotecaram. Enquanto Angola não se libertar dos movimentos de libertação clássicos, o seu futuro será muito difícil de encontrar. Entretanto a revolução da corrupção segue imparável. A vida é um dom feita só de baixos, porque os altos acabaram-se definitivamente.
O dia nasceu colado ao desenvolvimento económico, social e do milénio angolano. A imitação de gente com qualquer coisa na cabeça para vender saúda-o efusivamente, aos tropeções neste navio-petroleiro que se afunda. A cada milha que passa a miséria aumenta, tão desregrada que inaugurará um cemitério de zumbis. Entretanto, o desespero assola-nos de tal maneira como a destruição das chuvadas, porque a água não tem por onde sair. A ganância e a corrupção dos novos-ricos geram falsas obras, e a água da chuva não se deixa corromper. Tudo o que se constrói merece desconfiança, porque o mais importante é comissionar. Luanda e Angola já rastejam na cedência ao imperialismo chinês. Os chineses precisam de minérios e Angola está infestada deles. Isto não cheira nada bem. Mais um cataclismo social à vista. Isto é o reino do Terror, da desolação.
upanixade@gmail.com
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