sexta-feira, 1 de abril de 2011

O HOMEM REVOLTADO


Parafraseando Albert Camus: não dispararias tanto sobre as multidões se delas soubesses extrair o máximo.
Nas outras revoluções utilizavam-se pombos-correios, sinais de fumo, o tam-tam, e as revoluções aconteceram. Num futuro não muito distante, quando o pensamento for o meio de comunicação, as revoluções nascerão à velocidade da luz. Vêem-se nos rostos das multidões a avidez da retirada da máscara da democracia e da libertação que nunca aconteceram.

Gil Gonçalves

Nada se moveu, apenas a avassaladora escravatura de alguns que lhe chamam a vida nova alicerçada nos comités de defesa da revolução. Finalmente os povos seguem a sua marcha gloriosa e o poder espera-os. E tudo se renova num jasmim amadurecido e noutro que desponta e nos perfuma a vida. Não é possível nos tempos de hoje viver lado a lado com ditadores. As suas mentes são como desertos muito ressequidos, a estalarem, a rebentarem, a abismarem.
Finalmente nos libertaremos das conceituadas duas democracias: uma Ocidental, e a outra? Vejamos a opinião de Mário Vargas Llosa, Prémio Nobel da Literatura: «A lentidão (para não dizer cobardia) com que os países ocidentais – especialmente os da Europa reagiram, vacilando primeiro face ao que estava a acontecer e, logo a seguir, com declarações vazias de boas intenções a favor de uma solução negociada, em vez de apoiar os rebeldes, terá de ter causado uma terrível decepção aos milhões de manifestantes que saíram às ruas em países árabes, pedindo "liberdade" e"democracia" e descobrirem que os países livres olhavam-nos com desconfiança e por vezes pânico. E comprovar, entre outras coisas, que os partidos políticos de Mubarak e Ben Ali eram membros activos da Internacional Socialista!»
Porque o senhor dos anéis da ditadura de quem se manifestar vai apanhar, nos deixará ouvir o despertar dos pardais, por quanto tempo mais? Os regimes repressivos esquecem-se de uma coisa muito simples: quanta mais repressão e terror, mais resistência criam, e originam o estado latente de revolta na população. Até que chega o ponto ómega limite. Não é assim que sempre sucede? E a conversa é sempre a mesma: de que somos os garantes da estabilidade, e a ameaça revolucionária de que «Há que se ter cuidado para ninguém confundir as coisas». Que somos um país com um governo democraticamente eleito com quase cem por cento de votos dos eleitores nas urnas, etc., etc. O Egipto era muito poderoso, e o seu ditador não imaginava tal coisa, e aconteceu, sempre acontece. Neste campo de concentração, qualquer chefe de campo é garantia de estabilidade, numa revolução sempre em marcha de quase cinquenta anos, que os chefes não sabem como vai acabar, mas nós, os sem futuro, sem terra, sem casa, sem petróleo, sem diamantes, enfim, os desta cabana do Pai Tomaz sabemos. Mais, os prisioneiros neste arame farpado, sabem-no muito bem. Nas câmaras dos palácios ouvem-se com deleite as notícias palacianas. Nos miseráveis guetos, escutam-se os noticiários especiais das ruas, dos esgotos na companhia inseparável dos ratos. E este é um palácio com milhões de deserdados, esfomeados, sempre em prontidão combativa. São eles que depois dominam as ruas da miséria, e fazem o poder soçobrar. Os países não dependem de pessoas, dependem isso sim, da justiça das suas leis. Se a justiça funciona, tudo bem. Se em contrário, as pessoas que governam, os corruptos, o fazem falsamente para enriquecerem, e como tal, mais dia menos dia, vergonhosamente cairão. Atente-se no alerta do «Canalmoz canal de Moçambique. «É preciso que se entenda e se compreenda em todas as suas consequências que governar não é exactamente o mesmo que ser comissário político ou especialista em retórica e demagogia. Impõe-se repensar profundamente o que significa governar um país. O compadrio e a auto-protecção vigente entre os regimes da África Austral não vai ser suficiente para travar os ventos da mudança. Os cidadãos estão manifestamente esgotados e já não aguentam mais tanta sujeira governativa».
O desejo que não se sente, permanece insensível. Os nossos sentidos, perseguidos pelas vendas do sistema inconsciente, cumprem, compram de acordo com as instruções programadas da ditadura. Há muito que deixámos de ser quem somos, seguimos numa estrada ao ritmo do consumo da imposição que os nossos sentidos só distinguem, uma direcção: o rumo do conhecido, porque do desconhecido nada sabemos, porque não nos deixam. Receiam que o lado misterioso da vida surja e nos revele a verdade. Aqueles em quem votámos conduzem o nosso destino para o grandioso Vale da Morte e da Miséria. E ainda acham que são iluminados, garantes do nosso quotidiano e do nosso futuro. E continuamos neste marasmo porque nos cercearam os segredos das pirâmides. E já não sabemos construí-las. Cada vez mais nos limitam, nos roubam o tempo, até que fiquemos irremediavelmente sem ele. E depois, que faremos? É possível viver sem tempo?
A mãe acariciava a cabecinha da sua tenra filhinha, mas não conseguia que ela parasse com o choro. Não, não tinha fome, também não estava doente, estava sã, bonita como a sua progenitora. Mas, porque não parava ela então de chorar? Já se tinham vasculhado e debruçado muitos médicos com as suas medicinas, mas nada. Até que desencantaram um médico místico, desses que alcunham de malucos, mas maluco hoje em dia é quem sabe das coisas, e ele, num ápice curou-a. A doença? Era mais uma vítima da epidemia desta civilização ditatorial.
Descansar, navegar, andar, e sonhar o amor, como num rosto feminino de donzela a jardinar no perfume jasmináceo. Com amor nasce uma mulher e um jasmim. E os seus perfumes enaltecem-nos, porque com amor a nossa mãe nos gerou. E com amor serás sempre mãe, e nunca te lamentarás. Com amor serás universalizada, imortalizada, e pelos jasmins libertada.
Hércules é a força, os partidos políticos são a farsa, a nossa forca. A nossa fraqueza reside na actual classe política da democracia bancária e petrolífera.
Sais de casa, entras na rua e nela te perdes. E no entanto caminhas por instinto, como todos fazem automaticamente. E nessa ruidosa agitação não consegues pensar, essa função primordial, fundamental das nossas aspirações ultrajadas. Movemo-nos sempre nas ondas revoltas do mar multitudinário, sem tempo para amar, sem tempo para sonhar. Apenas para lamentar o passado, na esperança que finalmente inventem a máquina do tempo, e nela viajemos no infinito do amor e do sonho. Está muito difícil reencontrar o amor, porque o diabolismo espreita-nos, espera-nos nos penhascos dos palácios. E te augura: sem amor nunca serás minha, nem de ninguém, nem de ti.
Há muito que o dinheiro do petróleo destrói Angola e os angolanos. Há muito que sabemos que errar é humano, mas errar com o dinheiro da ditadura do petróleo é muito desumano. E nos seus discursos, os nossos bajuladores-peritos das relações internacionais lembram-nos o Estado Novo dos antigos ministros das colónias. Como as obras da ditadura chinesa que não duram muito tempo, os materiais são de má qualidade. E aprestam-se aqui como novos colonizadores autorizados por quem de direito. Chegam nas mulheres que vendem cigarros e ameaçadoramente exigem-lhes dez kuwanzas por um maço de cigarros que custa cem ou duzentos kwanzas. Agem com total desprezo pelas cercanias das suas obras em construção. No afã de despacharem o trabalho, atiram, desviam a saída das águas para a vizinhança. Facilmente se adivinham os prejuízos materiais e mortais das chuvadas.
O que faremos de uma igreja ainda de concepção medieval? E enquanto nos palácios os ditadores festejam, nas ruas as populações abandonadas na miséria revoltam-se. Há tempo para o Senhor amar, e tempo para as ditaduras derrubar. Viver numa ditadura, é como caminhar numa noite terrivelmente nebulosa. Todos os caminhos esburacados, abandonados, onde a miséria impera, conduzem-nos à abominável tirania da ditadura, ao nosso futuro asfixiado. Viver sob a ameaça constante de qualquer ditadura, os nossos pés tropeçam nos cadáveres assassinados dos opositores políticos, ou apenas dos de delito de opinião. A independência ainda não chegou, apenas mais se escravizou. Quando uma ditadura que se diz democrática, e se reforça no socialismo cientifico, promove a proibição de manifestações pacificas, e envia todo o seu aparato policial e militar repressivo para as ruas, significa que está em pânico, e o seu fim, como é óbvio, está com os discursos contados. E o notório das ditaduras é o apoio que as democracias lhes dão. E então, quando naquelas ditaduras especiais do petróleo, onde se implantam democracias fantasmas. Ó ditaduras e reinos! Da maneira que as coisas estão, pela banda não é muito difícil perceber o que em seguida vai suceder.
Os ventos da nossa alma: e por entre tempestades se movem ainda os nossos anseios subjugados, milenarmente destroçados. E no poder insistem bárbaros ditadores que nos fecham nas masmorras odientas em nome do amor. Mas os ventos sopram os ditadores para o seu local de origem: o Inferno. Que estranho, até as flores se regozijam na sua beleza liberta. O Sol libertou a sua luz e os insectos renovaram o seu trabalho de adoração floral. A Natureza comovida abraçou-os e reiniciaram a dança do dia-a-dia. E todos se extasiaram, festejaram. Rápido, o fim do dia aproximava-se, o Sol escondia-se. E já todos cansados, regressaram aos seus locais de descanso. A seguir outro dia virá, e outra vez se festejará.
Sim, a festa do terror que nunca falta em Luanda: Polícia antiterror ao ataque. No dia 21 de Janeiro, cerca das dez horas da manhã, nas imediações do Zé Pirão: Sem garantias de empregos, sem direito a um kwanza do petróleo, apenas o direito à mais inescrupulosa escravidão, os jovens vendiam óculos para sobreviverem. A polícia antiterror atacou-os, destruiu-lhes os óculos e prendeu-os. Os que roubam o erário público e as suas empresas que sistematicamente fogem ao fisco, a especulação imobiliária criminosa, esses estão felizes da vida. O nosso futuro é cada vez mais incerto. O que nos acontecerá, ou virá a seguir? Outro Vesúvio, certamente.
É importante não esquecer que Angola ainda não tem contabilidade organizada. É intencional, claro. Ora, como inexistente é fácil roubar à vontade. Convém notar que o poder tudo faz para que a contabilidade não funcione. A que existe não passa de uma brincadeira. E o dinheiro desaparece muito facilmente sem ninguém dar conta. Só depois quando se está com a corda no pescoço, alguém aparece a dizer que estamos muito mal de finanças. O que é muito elementar, tipo creche. Estamos bem entregues e muito mal tramados. Trinta e dois anos sempre com as mesmas pessoas, sempre com os mesmos discursos. Não resolvem nada, muito pelo contrário, tudo piora, se complica.
Quanto à Igreja, se ela quisesse, há muito que este poder nos deixaria em paz. Mas não, a Igreja bebe e come do mesmo prato petrolífero. O petróleo também é uma religião. E não se pode servir a dois onshores e offshores ao mesmo tempo. Isto é, a mais estas duas ditaduras: deus e petróleo.




Um comentário:

  1. Quando Camus publicou "O Homem Revoltado", em 1951, a Guerra Fria estava no seu auge. Políticos e intelectuais tomavam posições inconciliáveis, escolhendo o seu campo entre dois antagonistas que nada parecia aproximar. O livro, como não podia deixar de ser, suscitou uma polémica imensa, em que todos os argumentos, mesmo os mais infames, foram invocados. P. H. Simon, crítico literário, democrata-cristão de esquerda, resumiria alguns anos mais tardeas críticas da intelligentsia: "ineficácia, colaboração envergonhada com a defesa do capitalismo". Les Temps Modernes, a revista dos existencialistas, encarregou Francis Jeanson de fazer o enterro solene da obra e do seu autor: "você não se situa à direita, Camus, você paira no ar...". E Sartre, por sua vez, como sempre, não mastigaria as palavras: "A sua personalidade que foi real e viva enquanto os acontecimentos a alimentavam tornou-se uma miragem; em 1944 era o futuro, em 1952 é já o passado".
    O que é que, neste livro, teria justificado tanta animosidade, tanto ódio incontido? Um homem revoltado, explicava Camus, logo na abertura da primeira parte, é "um homem que diz não". Ora esse "não", que durante muito tempo fora uma recusa metafísica, e que depois se volvera em revolta histórica, conduziria o próprio Camus à descoberta daquilo que ele considerava "a única regra original de hoje: aprender a viver e a morrer e, para ser homem, recusar ser deus". Os deuses do seu tempo, porém, não eram os deuses dos altares: eram os que, em nome de uma determinada ideia do futuro, estavam dispostos a sacrificar metade da humanidade na pira dos "crimes lógicos". Eram, em suma, os ídolosda ideologia, que Camus tão bem descreve nesta sua obra. Foram esses que não lhe perdoaram.
    # Administrador do blog zonalestejfsegura.
    Juntos somos muito mais!

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