Em Angola "vive-se uma democracia com medo"
Orlando Castro
Falar, no caso de Angola, de democracia com medo é uma forma de branquear a situação, compreensível no contexto de que os angolanos sabem que o regime mata primeiro e pergunta depois. Aliás, se existe medo é porque não existe democracia.
"Angola é uma democracia exercida com medo. A prova disso é que só tivemos poucas pessoas no dia 7. Num país democrático, que tem milhões de problemas, aparecerem poucas pessoas é óbvio que alguma coisa não está bem", disse Mona Dya Kidi.
O regime de Eduardo dos Santos, no poder há 32 anos sem nunca ter sido eleito, sabe bem que a melhor forma de exercer a sua “democracia” é ter 70% da população na miséria, é ter tirado a coluna vertebral à esmagadora maioria dos seus opositores políticos, a começar pela UNITA, é dizer ao povo que tem de escolher entre a liberdade e um saco de fuba.
Recorde-se, não que isso faça diferença na apatia da comunidade internacional, que mesmo só aparecendo meia dúzia de pessoas na manifestação do dia 7 de Março, todas foram detidas durante algumas horas.
O regime não brinca em serviço e, por isso, nada como preventivamente mostrar aos manifestantes (bem como aos jornalistas presentes) que quem manda é o MPLA.
José Eduardo dos Santos que tem, que ainda tem, a cobertura internacional (comprada, mas tem), sabe que pôr o povo a pensar com a barriga é a melhor forma de o manter calado e quieto.
Aliás, se assim não for o que lhe restará? Provavelmente, “peixe podre, fuba podre, 50 angolares e porrada se refilares”.
Na manifestação, os angolanos revindicaram coisas simples para não chatear o dono do país. Mas não sei se ele foi na cantiga. Defender a liberdade de expressão não é nada do outro mundo, mas é algo que o regime não quer. Tudo quanto envolva a liberdade (com excepção da liberdade para estar de acordo com o regime) é algo que causa alergias graves a Eduardo dos Santos.
Mona Dya Kidi diz que “gritaram, cantaram a nossa dor, reclamaram os nossos prantos. Levamos cartazes, 'vuvuzelas' e clamamos por uma Angola mais democrática, uma Angola mais livre".
Recorde-se, a propósito da anterior manifestação, que Bento Bento, primeiro secretário provincial de Luanda do MPLA, foi claro quando disse: "Quem tentar manifestar-se será neutralizado, porque Angola tem leis e instituições e o bom cidadão cumpre as leis, respeita o país e é patriota."
Apesar da manifestação de 7 de Março, ter sido policiada e amordaçada pelo regime, ela foi um estrondoso sucesso, mesmo dada como controlada, a verdade é que estas acções fazem tremer o regime. A tal ponto que perante o anúncio da primeira manifestação, o Governo angolano apressou-se a pagar salários em atraso nas Forças Armadas e na Polícia, a fazer promoções em série e a, inclusive, a mandar carradas de alimentos para a casa de milhares de militares.
Basta também ver que, perante essa manifestação, o regime pôs nas rua e por todo o lado – mesmo em locais onde os angolanos nem sabiam que iria haver manifestação – os militares e a polícia a avisar que qualquel apoio popular aos insurrectos significava o regresso da guerra.
No entanto, por muita força que tenha a máquina repressora do regime angolano (e tem-na), por muito apoio que tenha de alguns órgãos de comunicação estrangeiros, como a RTP, nunca conseguirá fazer esquecer que 70% dos engolanos vivem na miséria.
Nunca fará esquecer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.
Nunca fará esquecer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.
Nunca fará esquecer que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos, que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros, que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população, que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda.
Nunca fará esquecer que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.
Por tudo isto, a luta continua e a vitória é certa! Pode demorar, mas vai chegar.
*www.altohama.blogspot.com
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