quinta-feira, 31 de março de 2011

O coro dos caídos nesta jangada à deriva


Da nossa Torre de Pisa, o agora prédio CUCA, que oscilou devido às obras no mercado do Kinaxixi, onde a empresa que efectua trabalhos para mais um shoping, essas e outras coisas para novos-ricos, retira toneladas de terra que provocaram um desabamento e originou a fuga desesperada dos seus habitantes, mais de cento e sessenta apartamentos.

Gil Gonçalves

Ocorre-me que noutras obras, de todas (?), houve, há, a intenção de ao retirar terra, os edifícios próximos ameaçarem desabar, e forçar o evacuar. Assim conseguem-se mais terrenos para outras construções dos excelentes amigos especuladores imobiliários. Mas Salazar fomentou a construção de moderníssimos bairros para pobres a pagar em vinte anos. Um exemplo: O bairro Olivais-Sul nos arredores de Lisboa, e as habitações lá continuam ainda impecáveis.
Uma saudação especial para os nossos Gbagbos, que derrotados nas eleições da Costa do Marfim, impedem infantilmente que os democratas Ouattara obtenham o que ganharam no voto democrático. Os impérios empresariais sempre no poder em nome de um qualquer movimento de libertação, são o maior erro que a África cometeu. É como uma cidade que passa a depender exclusivamente de geradores de energia eléctrica para sobreviver, é o estertor final da ditadura que a sustenta. Ó Costa do Marfim, ó África, ó Angola, sem mais caminhos porque todos os vossos destinos estão intransitáveis na divina tragédia. Não é possível que estejamos em 2010, até a nossa máquina do tempo corromperam e nela retrocederam.
O meu imortal amigo José Afonso recorda-me no seu Coro dos Caídos:
«Cantai bichos da treva e da aparência
Na absolvição por incontinência
Cantai cantai no pino do inferno
Em Janeiro ou em Maio é sempre cedo
Cantai cardumes da guerra e da agonia
Neste areal onde não nasce o dia.»
Que a força verde da vegetação esteja sempre contigo, e que o sol dos teus sonhos te contemple. Infelizmente os muitos dias maus arrastam os bons. Põe todos os dias dos teus sonhos em dia. Luta sempre, sobretudo evita que as ditaduras, outra vez democráticas, nos escureçam a mente. Um rosto feminino, vejo-o sempre muito atraente como a espuma do mar na vida a saltar. Para onde olho, quero que também olhes, vejo tudo, esplendor de verde.
As vendedoras do Roque Santeiro, transferidas para o Panguila, bazaram, aquilo não dá, e andam por aí a vender nas ruas, de andar nas ondas dos solos poeirentos, que somam mais doença das vias respiratórias sob o inclemente sol no filho às costas que mais parece uma torrada, e da intolerante perseguição seguida de arresto pelas feras humanas nas vestes de fiscais. Onde a miséria impera, vale-tudo para negócio. Isto não é uma independência, é um monstro feroz que nos devora a todo o momento. E quem defender os fracos dos fortes, é fora-da-lei?
Faltava ainda o tempo necessário para mais um dia de final trágico no largo da Sagrada Família. Um condutor circunda o largo e sinaliza para dois jovens numa motorizada que efectuam a habitual manobra perigosa, ultrapassar pela direita. Os jovens não gostaram, só compreendem o que lhes ensinaram em trinta e cinco anos, destruir. Saltam rápidos, e possessos de fúria apocalíptica partem o pára-brisas do estuporado condutor que compreensivelmente aterrorizado não esboçou o mínimo gesto de defesa, porque se arriscaria com toda a certeza a levar um ou mais tiros. Da muita assistência presencial ninguém ousou intervir. Mas existe ainda alguém com coragem para defender indefesos nas actuais circunstâncias?
E o pastor enfatizou na crente para tirar fotografias de toda a família para ele, quando viajar, levar para o Sinai, e que lá serão absolvidos de todos os pecados. Quando os corruptos e os bajuladores souberem disto, então é que vai ser. Mas o historiador Carlos Pacheco na VOA, defendeu a criação de um tribunal internacional contra a corrupção para julgar dirigentes corruptos “de onde quer que eles sejam”.
Cá na banda temos outra banda larga da energia eléctrica, da água… e da Internet
O mano Reginaldo Silva, agora apelidado pelo outro mano Salas, de Patrulheiro do Morro, denunciou no seu morrodamainga.blogspot.com que: «INTERNET: A nossa "banda larga" está cada vez mais estreita, mais lenta e mais intermitente... Disseram-me que o problema está na capacidade actual do único "back-bone" da Angolatelecom, que já não chega para as crescentes encomendas. Alô? É da Angolatelecom?»
A água já há muito flui como a Internet. Em Luanda, na Pomobel, ao Zé Pirão, a Teixeira Duarte SA, rebentou com a água e a energia eléctrica. Há meses que a água corre pela berma da rua e já apresenta o que serão futuras e brutas crateras. Os fiscais por aqui desandados limitam-se apenas a perseguir os lavadores de carros e as zungueiras. Mas a Teixeira Duarte SA não, porque são sócios do banco Millennium Angola e da Sonangol… todos intocáveis. Não são parte da solução, são parte da destruição.
Na energia eléctrica, o maior erro que a EDEL-Empresa de Distribuição de Electricidade de Luanda, comete, é o abandono da manutenção interna dos edifícios na coluna montante. Quando os fusíveis queimam, o que é frequente devido às normas selvagens de convivência instituídas pela actual conjuntura, qualquer curioso vai logo repará-los… coloca-lhes um monte de fios. As consequências disso são: desequilíbrios de fases que provocam incêndios, mortes, e o cambalacho de colocar empresas privadas que facturam exorbitantemente pelo serviço que deveria ser gratuito, prestado pela EDEL. Entretanto seguimos na desgraça de mais um mês de cortes… sabotagens, efectuadas pelo nosso “inimigo”. Dêem-me energia eléctrica e dominarei o vosso mundo.
Havendo meia dúzia de ricos, desses que todos sabemos como enriquecerem e enriquecem, e a população na digna extrema pobreza, isto é que é a verdadeira miséria. Eis as nossas multidões sem história, de mãos estendidas, ávidas na desesperança da fome. Dantes, para se libertar, o mwangole lutava contra o branco. Agora para se libertar, o mwangole luta contra o mwangole. Porque a igreja não rasteja como um réptil. Arrasta-se na vil condição desumana. A igreja perdeu os pastos e os repastos. A igreja move-se nos tentáculos da corrupção divina e terrena. E o Canalmoz/Canal de Moçambique, desmistifica os que juram todos os dias que são os nossos melhores amigos, quando na realidade são os nossos piores inimigos:
«Um dia pede-se transparência, outro dia assobia-se para o lado perante as mais aberrantes formas de corrupção nítida (...) É por demais sabido que já não se consegue provar nada no meio desta máfia que se instalou. Mas consegue-se perceber. É quanto basta (...) Os maiores suspeitos de corrupção em certos países europeus estão a aparecer em Moçambique em lugares de destaque em certas empresas. Porque fugirão eles para Moçambique? E por que razão até aparecem colados às mais altas figuras do Estado Moçambicano? Quando os corruptos estão debaixo do nariz serão precisos mais seminários para se acabar com eles? Porque se andará sempre a falar mal dos chineses se os moçambicanos não têm motivos fortes para concluírem que os chineses são mais corruptos que os outros que se querem fazer passar por santos? Onde difere a abordagem de certos doadores da dos chineses quando se trata de negócios?»
Angola vive no sabor da metralha, no caminho retrógrado de uma civilização que não existe, que se inventa. Angola está a ser retalhada como na conferência de Berlim. E serve muito bem para a venda a retalho. Com tal violência espoliadora e de ruínas habitacionais dos ataques militarizados, em Angola a guerra ainda não acabou. O inimigo principal é a população. A arte de bem governar, é investir massivamente no analfabetismo das populações, para depois facilmente demolir-lhes os casebres e espoliar-lhes as terras. Reduzi-las ao zero da pobreza inimaginável. Quando as populações se extinguirem, nascerá então um novo governo com um PIB exemplar, o maior de sempre na história da economia. E um governo que incita e usa a violência contra as populações, está isento de julgamento e condenação? Porra! Mas que ditadura ferocíssima. Que nova raça de cães ferozes são estes? Em que laboratórios os criaram, ou foi uma experiência mal sucedida?
Avante, comité de especialidade das demolições! Mas que aberração é narrar este horror! No campo de concentração de Auschwitz a água e a energia eléctrica não faltavam. Os prisioneiros não dormiam ao ar livre. Nos modernos campos de concentração de Angola nada disto existe.
Angola está a ser invadida por democratas. Angola carregou um navio gigante para navegar no mar da corrupção. Angola é um armazém de ratos. Angola parece ser o único país do mundo que mais investe na manutenção das redes de abastecimento de energia eléctrica, e mesmo assim está sempre a desligar a rede para trabalhos de manutenção. Todos os dias ouvimos a propaganda oficial garantir-nos que a nossa vida vai melhorar, os ratos batem as patas e saltam de contentes, outra nova vida espera-os. E depois do: «vamos fazer de Angola um canteiro de obras» nasceu mais um impropério: «vamos demolir, fazer de Angola um gigantesco lençol de ruínas»
Qual é a actividade principal das companhias petrolíferas? Poluição e consequente destruição dos mares e das terras. E depois da energia eléctrica demolida, a água… toda a Angola, de modos que nada mais reste, excepto os exércitos de ratazanas.
Eles querem lá saber se temos ou não energia eléctrica. Enquanto o petróleo lhes servir, o resto que se dane. É uma visão da ortodoxia angolana. Esta independência sem energia eléctrica, não tem qualquer utilidade. A não ser que seja para imitar o Robinson Crusoe. Ah! Assim está muito bom! Ou a solução de navegar num mar de idiotas nas demolições naufragados. Angola, apesar de ser o principal exportador de petróleo do Golfo da Guiné não tem energia eléctrica confiável. Pergunta-se: então para que lhe serve o petróleo?! Perguntem à hipocrisia ocidental, que ela sabe a resposta. Quando a principal ocupação de um governo é demolir habitações das populações… é um governo com muita actividade sísmica de grau devastador. Até a luz demoliram, enganaram-se, pensaram que eram casebres. Demolir casebres, é o primeiro mandamento da intolerância zero desta independência interminável.
Seguem pelo caminho mais fácil, a demolição dos casebres. Porque difícil é edificar energia eléctrica. Escravos engravatados escravizam escravos esfarrapados. Dantes chamaram-lhe luta de libertação, a luta está mais revolucionária. Alterou o nome para: luta da demolição de Angola. Luta da espoliação, dos desabrigados, dos abandonados e dos esfomeados. A luta de libertação exacerbou a escravidão das populações, finalmente livres… nos campos de concentração do comboio angolano da estalinista devastação. Mas quando é que Angola será independente? Como não há nenhuma organização da sociedade civil, ou partido político que organize uma manifestação, ou uma greve, a questão é da liderança que ainda é muito incipiente. Parece que os protagonistas apenas pretendem protagonismo, vaidade política para quererem dizer que também sabem atirar umas bocas. Nesta singular situação, resta-lhes, resumem-se à condição de escravos. É costume, um filme sem acção perder o interesse dos espectadores.
De manhã, bem cedo, os taxistas voam tal e qual uma esquadrilha de caças- bombardeiros. Alguns são derrubados e serpenteiam no solo. Os ocupantes raramente escapam ilesos de tais acrobacias. Se tudo o que se aprendeu ao longo da vida e do tempo não se conseguir aplicar na prática, então não valeu a pena, porque não se aprendeu nada. Depois de quase cinquenta anos com o mesmo poder, Angola ufana-se. O poder não se apercebe que a população extinguiu-se, e no seu lugar nasceu um exército de delinquentes desesperados. O poder não se sente corroer, rapidamente se autodestrói. E os escravos não se libertaram, outros gradeamentos esperam-nos. E como nos encanta Sílvio Rodriguez: matou-a, a cobra, e aparece outra maior.
Que luta pela liberdade foi esta se ainda não conseguimos o fundamental de qualquer sociedade: a liberdade de imprensa conforme demonstrado pela 1ª Cimeira multipartidária dos Partidos políticos na oposição: «Proibidos de publicitar em órgãos “ditos hostis”. É notória e deixa-nos a percepção quase indubitável que subtilmente, os bancos, empresas, empresários nacionais e estrangeiros, foram proibidos de deixar publicidade nas publicações privadas, sob pena de verem seus contratos rescindidos ou obstáculos erguidos nas suas actividades. Segundo constam, paira nesse mundo empresarial uma nebulosa de medo em fazer passar publicidade de suas empresas ou projectos, nos jornais que se identificam com a crítica politica, social e governamental.»

Imagem: valiteratura.blogspot.com

quarta-feira, 30 de março de 2011

Monangambé. (Nova versão)


Sem oposição real, não há nenhum interesse em manter instituições democráticas em funcionamento, porque são de fingimento.
Triste desfecho o do povo angolano. Perecer, viver como as moscas e como elas incomodar.

Gil Gonçalves

Este é o nosso tempo momentâneo das fissuras do analfabeto chinês.
Quem depende de outros povos para trabalhar – até na agricultura (?) – nunca conseguirá a liberdade. Daí que Angola é o celeiro da miséria.
Isto já não é Angola, é uma coisa vazia, sem conteúdo.
Quem não lê livros, é escravo daqueles que os lêem.
Só um governo ilegal comete ilegalidades.

E as populações lamentam-se do desespero libertador, ainda mais opressor: «Mas os colonos não nos faziam isto!» quer dizer: libertar é o prolongar, o espoliar até nunca mais se fartar.


Monangambé

Naquele palácio presidencial grande bombeia-se petróleo a rodos
é a espoliação do meu corpo que o rega:

Naquele palácio presidencial grande tem diamantes
negros
são gotas sanguinolentas dos meus casebres espoliados.

O petróleo está sempre bombeado
armazenado, e eu, torturado,
vou ficar bem negro, negro da cor do petróleo contratado.

Negro da cor do petróleo contratado!

Perguntem às zungueiras e à tortura
do seu peregrinar,
e às ruas do triste serpentear
e ao vento fantasma dos campos ao abandono:

Até o dormir este governo nos proíbe. E quem é que vai às tongas abandonadas?
Quem escoa os produtos que intencionalmente
se deixam apodrecer nos campos?
Só carros de luxo, e onde pairam os cachos de dendém?
Quem rapina e em paga recebe milhões de dólares?
e nos paga desdém?
Até a fuba podre e o peixe podre nos espoliam,
Sobrevivemos dos andrajos importados
"milhares de casebres destruídos e porrada se refilares"?

Quem?

Quem faz o petróleo enegrecer
e o diamante florescer
- Quem?

Quem dá dinheiro para os corruptos comprarem
bancos, empresas, amantes, casas de milhões de dólares
e cabeças de pretos ao abandono nas tendas Zangadas?

Quem faz estes corruptos prosperarem,
Angola só para eles e prisões para nós?
- Quem?

Perguntem às zungueiras e à tortura
do seu peregrinar,
e às ruas do triste serpentear
e ao vento fantasma dos campos ao abandono:

- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos vender qualquer coisa na rua
para sobreviver
Deixem-me beber, beber até morrer
naquele palácio presidencial grande
negro da cor do petróleo contratado.

- "Monangambééé..."

Imagem: torredahistoriaiberica.blogspot.com

terça-feira, 29 de março de 2011

“Legalização” privada da ilegalidade


Na semana passada fizemos uma breve alusão aos atropelos alegremente perpetrados pela empresa de Segurança Privada SEGASP, com sede em Viana, vila satélite de Luanda, que trouxe de fora das nossas fronteiras, afirmámos, curiosos métodos de gestão dos recursos humanos. Insistimos esta semana por ter havido omissão pelo menos de dois aspectos muito importantes que não podemos deixar passar sob silêncio. É que, à parte o facto de terem que satisfazer todas as exigências, por vezes excessivas, do chefe do responsável dos Recursos Humanos, Paulo Miranda – não o da Rádio Luanda, mas um cidadão português – os horários pesados, a fatia de pão com margarina como refeição única para 24 horas de serviço, o perigo de vida sempre à espreita e um salário ao fim do mês que não passa de 20 mil kwanzas, os seguranças da SEGASP têm não só o perito expatriado à perna, mas também nem sequer têm direito ao que têm realmente direito, isto é, a subsídios de férias e 13º mês. Tirando que à parte isso eles por vezes recebem uma esmola de 5 mil kwanzas ou coisa parecida por essa altura. Ilegalidade em toda a sua pujança angolana, sem controlo, sem inquérito algum e sem sanções.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Os filhos do Papá dya Kota (10). António Setas


Por razões que não identificava, senti que “alguém” queria impedir que me fossem revelados os segredos maiores do kakulu. Um dia, que fomos comer uns cacussos ao Cacuaco - estava a equipa completa - a Lena, a Lia, o kota Kiala e eu -, atrasámo-nos depois do almoço a falar da necessidade de preservar as nossas raízes e defender as tradições legadas pelos nossos antepassados. A um dado momento o kota disse uma frase que me marcou para sempre, nunca mais a esqueci, «As tradições antigas, a nossa religião, a uanga e os seus rituais, são absolutamente indispensáveis à afirmação da nossa identidade africana, banto e negra, mas podem nos trazer alguns inconvenientes graves, podem mesmo ser perigosas». A frase ficou assim no ar por cima do silêncio que se instalou, até ao momento em que eu lhe perguntei quais eram esses inconvenientes e perigos. Ao nosso lado estavam a Lena e a Lia a falar dos segredos do pastel de nata e da massa folhada, distraídas da conversa, e o kota, depois de lhes ter lançado uma mirada rápida e constatar a distracção que as afastavam do nosso diálogo, quase me segredou que havia ainda nos nossos dias muloji, feiticeiros, que organizavam sabbats secretos em terrenos reservados. Fiquei na mesma, porque não sabia o que significava a palavra sabbat, nem percebia o que queria dizer “terrenos reservados”. E o kota, que bem sabia que eu não sabia, explicou-me que o sabbat é uma cerimónia que tem lugar sempre num sábado de lua cheia em presença de “feiticeiros” ou “feiticeiras”, num sítio bem determinado, à meia-noite, e na qual se apelam forças ocultas: Pãs, alguns espíritos bons, chamados para acudir às doenças ou às dificuldades da vida, mas também Luciferes e outros príncipes das trevas, espíritos, génios e divindades maléficas, no fito de justificar actos que o menos que se possa dizer deles é que não são dignos de seres humanos. A verdade é que em alguns desses sabbats pratica-se ainda hoje a antropofagia. E, enquanto as “nossas mulheres” continuavam a falar de culinária, o kota explicou, «Trata-se de tradições antiquíssimas que ainda hoje se realizam em muitos bosques e florestas do mundo inteiro. É verdade que a África é actualmente o continente em que mais se praticam rituais desse tipo, digamos, campestre. E como não, se o colapso que se deu na nossa história e a maneira como ele foi vivido nos diferencia do resto do mundo? Esse salto repentino para o que os europeus chamam o Renascimento, da azagaia para o arcabuz e o canhão, faz com que nós estejamos fatalmente mais próximos dos rituais animistas celebrados à vista de toda a gente na pré-história da humanidade. Assim, o que nessa matéria passou a ser kijila, proibido em Angola há cem ou duzentos anos, em certas províncias nem isso, foi proibido muito antes noutras latitudes, por exemplo, na Europa foi há coisa de mil anos. Mas nenhum interdito impediu que vestígios desses rituais tenham resistido ao passar dos séculos e existam ainda hoje. Um amigo meu, um português que foi preso pela PIDE e depois ficou a viver em Luanda, contou-me que ainda aqui há uns anos, nas serranias isoladas de Trás-os-Montes e da Beira realizavam-se cerimónias rituais cujas origens datam do tempo dos Iberos e dos Godos, quer dizer, coisa de dois ou três mil anos atrás. E factos desses foram relatados por um dos mais ilustres escritores de língua portuguesa de sempre, Aquilino Ribeiro. Por exemplo, contou ele, perto da casa dos seus pais, em Ferrães, uma aldeia nos contrafortes da Serra da Estrela, realizavam-se sabbats numa clareira do bosque que começava no fundo do quintal. Ele próprio foi curado de uma hérnia nessa clareira.
“Tiraram-no da cama já noite feita, saíram de casa e levaram-no ao colo até ao bosque. Com ele iam pai, mãe, avó, os empregados da casa e gente da aldeia. Caminharam até chegar à clareira e estacaram. O homem do ofício, o feiticeiro, curandeiro, fosse lá o que fosse, cortou com uma faca o fuste dum carvalhiço ainda tenro ao meio, no sentido longitudinal, fez força com as mãos para separar as duas partes assim obtidas e continuou a fazer pressão até formar uma elipse. À meia-noite, nem minuto a mais, nem minuto a menos, começou a cerimónia. O rapaz, o meu amigo, que nessa altura devia ter uns dez ou onze anos, foi erguido à força de braços, passaram-no para os do cura pagão ou lá o que era, depois passaram-no para os braços do pai e da mãe, fizeram-no balançar de um lado para o outro enquanto o cura a andar em seu redor fazia as suas preces, deitaram-lhe para cima do corpo um líquido cuja composição era secreta, e em seguida fizeram-no passar pela fenda elíptica do carvalhiço fendido. Receberam-no do outro lado, estenderam-no no chão, por cima dum pano ali posto para o efeito, e cobriram-no. A terminar o ritual, o “feiticeiro” português reajustou as duas partes do fuste que tinha sido fendido, botou barro à volta e ligou o tudo com vimes e tiras de pano tosco. E disse: “Se o carvalhiço soldar, se não morrer e vingar, o menino também soldará”. Era o que toda a gente esperava, para que a hérnia também solde, senão...Mas a árvorezinha mártir vingou, e ele ficou curado».
A Lena e a Lia estavam agora de orelha espetada a ouvir, e o kota Kiala esforçou-se para que a conclusão fosse educativa, «De qualquer forma, tal como as portuguesas, ou outras quaisquer, as nossas raízes, por mais fortes que sejam estão condenadas a sair dos usos e costumes, é fatal. Não é contra tal oráculo que devemos lutar. Devemos sim, ao invés da maioria dos países modernos, respeitar os mistérios que elas albergam, preservar do esquecimento a seiva dignificante que delas nos vem, e continuar a praticá-las nos terreiros que são delas, sem prosápia nem vergonha».
Neste preciso momento, o kota calou-se, olhou para mim com olhos muito abertos e perguntou-me, «Rui, diz-me por favor, porque é que alguns de nós, angolanos, sobretudo muitos dos que fazem parte das elites mais requintadas do país, têm vergonha das nossas tradições? Porque é que não veio ainda ninguém clamar alto e forte, para o mundo inteiro, que as nossas tradicionais relações com o “Sagrado” são tão dignas de respeito como as que deram origem às “grandes religiões”, como o judaísmo o cristianismo, passando por todas, todas as outras, desde os muçulmanos aos hindus, budistas e zens, animistas de toda as espécie?...Olha, e que fique bem claro na tua cabeça, Rui, todas essas religiões a um dado momento da sua história recorreram a sacrifícios rituais, muitas das vezes envolvendo vidas humanas. Todas, Rui, todas! Temos o privilégio de possuir as mais antigas raízes da humanidade e sermos um dos povos que mais próximo estão delas. Guardemo-las. E mostremos ao mundo, que tem a memória curta, que é de tradições semelhantes às nossas que todos os povos provêm. E um dia, daqui a dez, cem, mil, ou mais anos vá-se lá saber, se não houver mais lugar para tradições algures, nós não, devemos continuar a guardar as nossas na memória colectiva e transmiti-las às gerações vindouras. De qualquer maneira uma coisa é certa, se esse for o caso, os vestígios das nossas raízes ainda serão raízes. E acredito que nunca morrerão».

Chegou o dia marcado para o kakulu. Partimos de madrugada para a Barra do Kwanza, a Lia o Luisão e eu, no carro do pai Faria, que se tinha proposto a dar-nos um empurrão não sem prevenir, «Levar, levo, mas depois vocês desenrascam-se para o regresso». O pai Faria tinha casa na Avenida e ia à missa, mas respeitava as tradições e de vez em quando até lhe acontecia ir ao kimbanda. Isso fica aqui entre nós. Era um tipo “fixe”, como se costuma dizer. Pelo caminho, o meu pai falou muito com a Lia para compensar a frustração que a entristecia e contou-lhe à sua maneira como era o kakulu antes da chegada dos portugueses. O pai Faria sorria sem parar, não sei se de satisfação se a zombar, enquanto eu, de caderno na mão -«Estejas onde estiveres o que te pareça interessante anota», tinha dito o kota Kiala -, anotava tudo o que o Luisão contava sem largar a Lia dos olhos, que, queda e muda, ouvia. Ouvia e não se fartava de fazer perguntas, porque na descrição que o meu pai fez não só havia muitos termos em língua kimbundu, assim como a cerimónia em si não é simples, estende-se por muitas horas, dias pode-se dizer, e o mais importante, as preces, nem delas se podia falar, pois não se sabia o que o Kilamba-Kiaxi iria dizer. Desse modo a sua descrição, por mais fina que fosse, apresentar-se-nos-ia de qualquer modo, como de facto se nos apresentou por sua via, uma linda carcassa esvaziada do seu misterioso recheio. Mesmo assim, mais tarde fiz o resumo das passagens mais interessantes. (Nota 3)
Quando o meu pai terminou, a Lia fez uma pergunta, «E agora também é assim?». O Luisão olhou para ela e só disse, «Vamos ver». Ele viu, nós não. Por outro lado, o kakulu do Kwanza não se ficou pela cerimónia de apelo, preces e pedidos de perdão às yanda. Já depois de tudo ter acabado, estávamos nós em nossa casa sentadinhos à mesa, o meu pai explicou como decorreu a bênção de todas as praias que dão peixe (Nota 4), que teve lugar no Mussulo, no dia seguinte ao ritual do Kwanza, e terminou numa das praias da Samba. Estava consumado o kakulu e esperava-se que houvesse mais peixe nas redes nos dias vindouros. E houve. Quanto ao resto, o melhor talvez seja deixar ao culto das yanda o seu mistério. Aos iniciados o que é dos iniciados, aos leigos a liberdade de pensar o que lhes apetecer.

Acabou a festa, maneira de dizer que por obra do acaso se tinham sucedido dois acontecimentos que marcariam para sempre a minha vida futura, o casamento e o kakulu. Este último marcou-me porque não pude participar nele! Pensando bem, não teria sido pelo facto de ser proprietário de um motor de popa que se levantaram reticências em redor da minha participação ao kakulu? Talvez não, talvez sim. Em todo o caso sentia no meu foro íntimo o elo que me unia à raiz antiga, em despeito do progresso invadir tudo e todos, modificando comportamentos, impondo ritmos que conduzem ao stress e pela mesma ocasião nos levam a olvidar que tudo o que somos, no essencial de nós próprios, no bom e no mau, o devemos ao passado.
De facto, tudo muda. No Bairro dos Imbondeiros, por exemplo, já não era como no tempo do Papá dya Kota. As garinas e os muadiés “natos” casavam-se mais com gente “de fora”, empregavam-se outros meios de pesca, tinhas o telefone, o piloto automático, o sonar e a sonda eléctrica, as casas modernas, a maneira de vestir, de falar, de namorar...toda a conduta tinha mudado.

Imagem: cacussos. lusofolia.blogspot.com

Juventude de Luanda decidida em sair à rua para exigir liberdade de expressão


Lisboa - De acordo com um anuncio que corre nos correios eletrônicos, um grupo de jovens em Luanda escreveu uma carta ao governador de Luanda, José Maria Santos informando que vão concentrar-se as 13h do dia 2 de Abril no largo da Independência para uma manifestação pacifica destinada a exigir a liberdade de expressão em Angola.

Fonte: Club-k.net

Sábado, 2 de Abril de 2011

“Esta manifestação é pacífica e apartidária e está de acordo com a lei, já que foi devidamente comunicada ao Governo Provincial de Luanda no dia 24 de Março, como pode ser visto no documento abaixo. De acordo com a lei 16/91, o GPL teria 24 horas para proibí-la mediante uma justificação por escrito, caso contrário está automaticamente legalizada.” Dizem os promotores da iniciativa numa manifesto cujo teor se segue na integra.

“Somos conscientes de que o clima de medo e desconfiança que se vive em Angola não é propício à adesão das pessoas a qualquer tipo de "convocatória" género. Mas sabemos também que essa é mais uma das razões que justifica esta acção. Num contexto de permanente desconfiança política não há condições para que se desenvolva uma democracia.”

“É tempo de restabelecermos a confiança nos angolanos e que a participação política saia do âmbito partidário, que é um âmbito estagnado e viciado. Tenhamos em conta que há espaço para todo o tipo de opinião na arena do debate livre. Falamos de debate de idéias, de troca de argumentos não em prol de interesses pessoais mas sim em prol de Angola. Não estamos a falar nem de acusações gratuitas nem de uma postura de crítica destrutiva e vazia de argumentos válidos.”

“Interessa-nos relançar o debater e pensar Angola. Queremos que todos os angolanos possam manifestar livremente a sua opinião sobre o país, quer estejam de acordo com as políticas do regime, quer estejam descontentes e discordem dessas políticas.”

“Acreditamos a democracia como sistema político mais justo e que Angola reúne todas as condições para construir uma democracia exemplar em África, devolvendo a soberania ao povo.”

“Deverá ser do interesse de todos os agentes políticos do país, organizações políticas, governo, assembléia da república, presidente da república, meios de comunicação social e principalmente da sociedade civil em geral, defender esta acção pela LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM ANGOLA.”

“SÁBADO, DIA 2 DE ABRIL, ÀS 13:00 NO LARGO DA INDEPENDÊNCIA EM LUANDA”

sábado, 26 de março de 2011

Débatte frustrado


O comentário que se segue sai um quanto atrasado pelo que nos auto-penitenciamos, embora as causas desse atraso sejam inteiramente alheias à nossa vontade por se tratar de uma singela espetada de ameaças de morte comunicadas reiteradas vezes por telefones e SMS aos gerentes e funcionários da gráfica que imprime o Folha 8, a executar caso ele saísse à rua no dia 5 de Março. Porém como se trata de uma crítica construtiva e por apreciarmos ao seu justo grau a competência das pessoas por ela visada, aí vai. Na semana antepassada, domingo, 27.02.11, assistimos a um Semana em Actualidade (o nosso pior momento de televisão, tirando todos os outros) deprimente.
Deprimente por termos visto um embrião de debate promissor, mas, infelizmente interrompido pelo jornalista João Pinto. Não é que tenha sido mal interrompido, não é isso, a nossa subjectiva depressão deve-se ao facto de não ter sido possível dar curso a uma… não diremos inédita, mas excepcional e notória oposição de opiniões entre os dois jornalistas tradicionalmente de serviço nessa emissão, Reginaldo Silva e Ismael Mateus. Por esta ocasião quase única de abrir um bom debate em público, ambos perderam a calma, começaram a interromper-se um ao outro e deram uma boa prova de não haver em Angola cultura para debates contraditórios, onde cada um dos analistas dá a sua opinião sem ser interrompido, ou pelo menos sê-lo muito poucas vezes, e responde só depois de o outro ter acabado de dissertar. Nada. Não foi possível, e só esperamos que da próxima vez tudo se passe de modo mais cordato. Para felicidade de todos os que lutam pela liberdade de expressão.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Os filhos do Papá dya Kota (9). António Setas


Mal tivesse a ocasião a Lia aparecia no Bairro, ficava durante três ou quatro dias em nossa casa e repartia para Porto Amboím, vaivém que se repetiu quatro vezes durante mês e meio. Esta azáfama devia-se à falta de peixe decorrente de uma violenta kalemba de Agosto, nada a ver com a que levara o Belela, contudo causadora de sérios danos materiais, sobretudo a pescadores do Mussulo e da Xicala. Queixavam-se os luandenses, que viam os preços do pescado disparar à toa, queixavam-se as senhoras das salgas, as fábricas e os próprios pescadores, que além dos danos sofridos não viam peixe nem dinheiro a entrar. E foi por essa altura que correu pelo Bairro o mujimbo de que se ia organizar um kakulu, método infalível para acalmar, pedir clemência e ajuda às yanda, porque o mais certo era elas terem sido vítimas de desrespeito intolerável, vá-se lá saber por via de quem.
Entre as pessoas que mais se animaram com a nova estava a Lia. Ela queria ver para acreditar no que lhe diziam algumas pessoas do Bairro, que as yanda são como nós, humanos, vivem entre nós - há quem tenha visto as cidades onde elas habitam -, mas que normalmente só se consegue ver um ou outro sinal da sua existência, luzes, lençóis e fitas de luz com muitas cores debaixo de água. Sabia que elas são ituta, seres espirituais terrestres (ver nota 2), que interferem na vida das pessoas tanto para o bem como para castigar, isso depende das pessoas, do comportamento das pessoas, de muita coisa. Vivem na água e podem encarnar, por exemplo, os gémeos, as pessoas que nascem depois de mais de nove meses de gravidez, ou os que ao nascer já vêm com dentes, são ituta verdadeiros, e mais vale acarinhá-los e fazer-lhes todas as vontades, senão pode haver azar. E não era preciso explicar-lhe que os territórios das yanda são como os das províncias de qualquer país, encostados uns aos outros, com a diferença de que vão do mar ou das águas interiores para a terra firme, e que aí, em terra, elas têm as suas árvores, o imbondeiro sobretudo, mas também outros ‘‘paus de sereia’’, como a matebeira, a musekenya e o ife, isso sabia a Lia. Mas pouco sabia do kakulu, cerimónia organizada em honra das yanda, rito antigo de veneração e reposição do respeito que lhes é devido, mais não seja que pela inegável influência que elas exercem sobre os caprichos do mar. Sabia que o kakulu era a sua mais alta expressão, mas não lhe conhecia a feição, nunca o tinha vivido. E agora, arrancada à sua zona “de fora”, com muita doçura bem entendido, sentia-se um pouco perdida no Bairro, queria saber, fazia perguntas, «Orienta-me», pedia-me ela. Porém, a minha sabedoria sobre essa delicada matéria era de duvidosa origem, dado que os kakulu da ilha tinha-os eu vivido de longe, e quem oficiava eram Ilamba do Cacuaco, ou do Caxito. Debatia-me entre as duas versões, a da ilha e a do Kwanza. Além disso, sabia muito bem que a gente da Samba, da Corimba e do Mussulo, consideravam esses ilamba do norte de Luanda pouco credíveis. De pouco lhe podia acudir. Quem tentou ajudar, embora sem nunca lhe dar a boa nova que ela tanto esperava, foi o meu pai.

Um dia, como não podia deixar de ser, conseguimos enfim falar do kakulu. A conversa já tinha começado antes, não à volta de uma mesa, como bem assenta a qualquer uma, mas à beira da minha chata nova, entregue na véspera, modificada, tal e qual como eu queria, pintada de azul, pronta a ir para o mar. Tinha-se-me metido na teimosa ter um mastro, arranjar maneira de fabricar um dispositivo para montar o mastro e dispor como deve ser todos os aparelhos de segurar vela, cordas e roldanas, todo o necessário para navegar nas calmas. A Lia não percebia nada de barcos à vela e alheou-se um pouco do bate-papo. Entretanto nós, o meu pai e eu, debruçávamo-nos tanto ao próprio como ao figurado sobre o problema, metíamos a cabeça nos fundos da embarcação para ver como montar um reforço que aguentasse com segurança a pressão do mastro, quando a Lia, que não se explicava a razão dos nossos contorcionismos, me perguntou, «Mas que ginástica é essa, Rui?». Ergui-me - o Luisão não, continuou debruçado a imaginar soluções - e expliquei-lhe que era preciso um reforço nos fundos para aguentar o mastro, que sem vela não dava jeito ir para o mar... «Vem até aqui, vem», fez ela baixinho. Pegou-me pelo braço e afastámo-nos, «Deixa-te disso. O meu pai vai te dar um motor...chuutt!, é segredo». Caí das nuvens, «Um motor!!?...», «Sim, um motor de 40 cavalos. Tu não sabes o que é um motor?»...Fiquei muito contente, é claro, dei-lhe uns beijos mais ou menos castos, pois havia por perto uma boa dúzia de mirones, e ela não perdeu o ensejo para me pedir o troco da boa notícia que me tinha dado, «Pede lá ao teu pai que me leve ao kakulu?» Num reflexo intuitivo olhei para trás, vi o Luisão a extrair-se penosamente de entre os bancos da chata e disse, «Quando formos almoçar»
Durante o almoço que se seguiu abordei com pezinhos de lã a importância das yanda no nosso trabalho, a necessidade de um kakulu com tanta falta de peixe, os prejuízos, as kalembas, e a certa altura a Lia perguntou, «Mas há kakulu, ou não há?», E eu, muito depressa, «Vai haver, sim, vai haver, o pai explica». Calei-me logo, não viesse de lá um tradicional «Cala a boca!». Mas o Luisão tinha de facto mudado muito. Além disso ele bem sabia que a Lia se interessava pelo assunto porque no nosso bairro não havia muro que não tivesse orelhas. Olhou para ela com meiguice, todos ele dentes ao léu, e anunciou, «Vai haver kakulu, sim senhora, e tu agora és da família, estás “por dentro”». Calou-se de repente, cobriu-se-lhe o rosto de tristeza, por um pouco não lhe desapareciam os olhos como quando se zangava, mas lá conseguiu subtrair um sorriso do percalço que se aprestava a anunciar, «Tem havido maka grossa com aquela malta da ilha. Organizam kakulu p’ra turista, ‘tás a ver, uma vez até a imprensa lá foi meter o nariz, não pode ser...Este kakulu é o do Mussulo, na Barra do Kwanza. É uma cerimónia de mais velhos. Depois, no dia seguinte, vamos benzer as praias, talvez nessa altura...vai ser difícil. Fica para outra vez, ‘tá bem?». Ficámos tristes. A Lia olhou para mim com ar de quem diz, «Já sabia que ia ser assim»...Mas concordámos, as razões dos mais velhos respeitam-se.

Estava de facto previsto organizar um kakulu. E a habitual colecta já tinha começado algumas semanas antes, pouco depois da kalemba de Agosto. Prolongar-se-ia pelo menos por mais uns dois ou três meses. È que se quiséssemos venerar com justo aparato as nossas yanda, ainda faltava muito dinheiro para poder adquirir o peixe, a farinha de mandioca, as outras vitualhas, os garrafões de vinho, as grades de cerveja, as garrafas de uísque e de cognac, aguardente e cabaças de maruvo, o tudo comprado em grandes quantidades na candonga. Tanto dinheiro, não era em menos de quatro ou cinco meses que se poderia arranjar. Isto sem esquecer os utensílios diversos, os tecidos, os pratos, os copos, as mesas do culto e os ingredientes para a água lustral, o dikoso, antigamente uma mistura de caulino branco, água e noz de coco. Muito, muito dinheiro. Estavam já a contribuir, e continuariam a fazê-lo, os patrões das “grandes redes”, muitos pescadores independentes e a grande maioria das senhoras “natas” ligadas à faina. Os empresários da pesca motorizada e industrial não participavam. Nem tão-pouco tinham sido contactados.

Quanto aos participantes no kakulu, há séculos que são, por assim dizer, os mesmos, os filhos da terra, neste caso preciso os filhos da ilha ligados à pesca, as “famílias natas” residentes no Mussulo e nas terras da baía do Mussulo, até aos limites norte da Samba. Muito mais reduzido seria o número de “famílias” que viriam da ilha de Luanda e dos musseques, “do mato”, que apenas seriam aceites se fossem fornecedores de pescadores às “sociedades” de pesca à rede da zona do Mussulo e da Samba. Porém, desde que entrassem, todos eles sabiam que, participando na cerimónia, seriam bem-vindos, mas que pela mesma ocasião, enquanto se realizava o kakulu, ficariam sujeitos às ijila do costume. Ser-lhes-ia interdito pescar e comercializar peixe, tomar banho na praia, lavar mais de meio corpo, mudar de roupa, ouvir a rádio e ter relações sexuais. Em troca, todos beneficiariam, mais do que os que não viessem, do estatuto de muxiluanda “puro”, assim como das dádivas das yanda.

Contudo, como era de esperar, antes do kakulu teve lugar o casamento. Na Igreja da Nazaré. Confesso que me senti mal no fato que me comprimia. Abria os olhos para o aparato do culto católico como se estivesse a vê-lo com lentes de alcanço, as minhas raízes tremiam enquanto eu esperava a noiva ao lado do altar, e só confortei o meu desânimo ao pensar que o amor a tudo leva e seja onde for que ele nos conduza, sempre prevalece a sua força. Pensei no motor que ia receber e me separava também das tradições antigas, numa corrida às benfeitorias do progresso. E continuei à espera, enquanto ao meu lado o kota Kiala e a Lena, escolhida à última da hora para madrinha, o que lhe ia causando um chelique de felicidade, tremelicavam de emoção, tanto ou mais do que eu. Chegou enfim a noiva, de braço dado com o pai Faria - «A Lia, tão bonita...e o rapaz tão atrapalhado!», diria mais tarde a vó Júlia -, fui para recebê-la, ela deu-me o braço, e avançámos para o altar. Chegou o momento de dizer sim, foi o que fizemos. Demos aquele beijinho, e quando a cerimónia acabou vieram outros com algumas lágrimas, numa grande mistura de sentimentos, alegria, medo do futuro, esperança no futuro, tristeza pela separação perene dos pais com os filhos, todas essas emoções que dão à vida algum sentido.
A boda decorreu no ‘‘Kianda kya anazanga’’, um centro cultural na moda, perto da Xicala. Música, maestro! Veio de lá o Faria e saltaram dos bastidores os quatro músicos que animariam a festa. Comida aos montes; bebidas às pipas; música e dança até ao nascer do sol. Um casamento como muitos outros, alegre e embriagador.
A nossa lua-de-mel - outro mambo do progresso -, qual lua-de-mel qual carapuça!, foi no Bairro dos Imbondeiros, ao lado do motor de quarenta cavalos, sorrateiramente entregue à Lia e agora escondido num recanto da casa.
Para evitar makas relacionadas com o kakulu, que estava marcado para a semana seguinte. Isto, sabendo que não ia participar, agora imaginem se eu participasse.

Imagem: Porto Amboim. fazermuamba.blogspot.com

O Banco Millennium Angola, um banco com câmara de gás… à Nazi


Segundo informações credíveis, que fomos verificar in loco, o Banco Millennium Angola, instalou-se com armas e bagagens nas traseiras da rua Rei Katyavala 109, Zé Pirão, Luanda. Pelo que afirmam as fontes a instalação é ilegal, essa instituição bancária espoliou o terreno, mantêm um gerador que assassina lenta e seguramente para a morte os moradores do prédio e, ainda por cima, têm demonstrado, numa sequência de comportamentos bizarros, uma inquietação, ou interesse incompreensível, por todos os moradores que se encontram nas cercanias “a olho nu”. «Agora, dois mercenários portugueses tiraram cerca de uma trintena de fotos a quem estivesse ou assomasse às varandas dos prédios e demais locais circunvizinhos, como se estivessem numa missão de espionagem (ver foto). Pelos vistos, é o que consta, procuram um pretexto para nos espoliarem o prédio», referiu uma das nossas fontes.
A verdade é que a banca portuguesa está falida, e Portugal também, claro. Agora vêm para Angola reiniciar outra colonização “new look”? Será que não lhes chega a destruição de Portugal?
Olhem que aqui tasse mal, tasse, tasse! A situação económica e social está cada vez mais perigosa. Não acirrem mais os espíritos, porque só de pensar no que actualmente acontece, e a seguir acontecerá, causa arrepios.

Imagem: altohama.blogspot.com


Um ouvinte de estimação


Num destes dias da semana passada, o ouvinte de estimação da LAC, um cidadão chamado Caetano Marcolino, veio à antena dessa emissora, como quase todos os dias, libertar o seu mal-estar. Dessa vez a propósito da situação dramática por que passam certas pessoas que vivem na Samba e sofrem sempre a cada dia em que uma enxurrada mais violenta se abate sobre a cidade capital. Vivendo ele nesse Município, pôde verificar até que ponto se fazem sentir os erros de governação local. Fez pois as suas críticas o que de resto é também feito em “off” por milhares e milhares de luandenses. Mas o mais relevante da sua mensagem não foi a denúncia de uma incapacidade conhecida de toda a gente, foi o facto de se ter revoltado quando lhe disseram que não podia falar assim mal do governo. Ao que ele respondeu, mais ou menos isto.«Falo assim porque penso assim, não digo mal do governo, mas quando o governo faz mal as coisas, eu vejo e tenho o direito de dizer que o governo errou. Agora já passou o medo de falar».
Correcto, Caetano, o medo está a passar. Gostámos de te ouvir.

Imagem: wn.com

Reconciliação de rastos em 2010


No decorrer da Manifestação do MPLA no dia 5 deste mês, os discursos principais resumiram-se a uma lavagem a fundo da imagem embaciada de JES. Como pano de fundo elogiou-se até ao superlativo, como se fosse preciso elogiar, a paz, fervente desejo dos militantes e dirigentes do MPLA. Pouco se falou, ou nada se disse, no entanto, a propósito da fome em Angola, da esperança de vida, da corrupção, da Justiça, do Ensino e da Saúde. Quanto à reconciliação nacional, nada. Felizmente, pois seria mais um rol de mentiras a juntar às enormidades ali emitidas nesse dia. Seriam naturalmente proferidas lindíssimas palavras para fazer esquecer a esse respeito que o balanço do ano passado é muito negativo. Segundo o secretário provincial do Galo Negro no Huambo, Liberty Chiaca, no ano transacto «11 cidadãos angolanos afectos à UNITA foram barbaramente assassinados por motivações políticas. Só no mês de Dezembro registaram-se quatro mortes. As queixas foram feitas, mas a justiça não reage, os tribunais não são independentes, tudo se subordina a uma orientação estratégica de um partido que quer aterrorizar o povo angolano.” foram mortos na província cerca de 11 membros da sua organização. Já o dirigente da UNITA em Benguela, Vitorino Nhany, indicou que, «durante seis anos foram assassinados naquela província cerca de 26 elementos, na sequência dos actos de violência politica».
A propósito, quantos militantes do MPLA é que foram mortos pelos “maninhos”?

Manifestação do MPLA: com uma fizeram três


Tínhamos reservado esta para a semana passada, por erro não passou, mas como ainda é pertinente como observação, reproduzimo-la hoje. No dia 5 de Março de 2010 o MPLA realizou não uma manifestação - chamada “marcha pela paz”, de facto mais uma escovadela monstra ao chefe supremo, JES -, mas sim três manifestações. Uma manifestação de Medo (do povo e de si próprio); uma outra manifestação de Vergonha - com os oradores de serviço a dizer nas entrefrases dos seus discursos inflamados: temos vergonha de não ter dado ao nosso povo o que ele merece, vergonha da guerra em Cabinda; vergonha de manter o nosso Povo na indigência; vergonha de os pobres serem cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos; secretamente vergonha de ser ricos, imensamente ricos e tão poucos que somos, perante tantos pobres; vergonha de ter governado tão mal…; e uma terceira manifestação, de Mentiras - com os oradores de serviço a debitar frases a esconder as entrefrases: esta é uma marcha pela paz em Angola; somos grandes por não haver alternativa de governo sem o MPLA; somos mil, milhões, somos o Povo; nesta Manifestação reunimos 3 milhões de pessoas (Bento Bento); não, éramos só um milhão de pessoas (TPA); não, éramos 500 mil (TPA, no dia seguinte); não, não eram milhões nem centenas de mil, eram entre 20 a 40 mil manifestantes (fonte: um repórter dum jornal de Nova York). Nota final: segundo um estudo sério, teriam sido uma centena de mil, a maioria ali levada ao colo, com promessa de comes, de bebes, e/ou dinheiro à partida!

A Secreta ao ataque do Club K


O Club K nunca esteve em manutenção até aqui há uns meses atrás. Depois, já em finais de 2010, notámos algumas falhas bizarras, entre dificuldades e impossibilidades de entrar no blogue. E um belo dia, mais ou menos pela mesma altura, se não estamos em erro, apareceu claramente um hacker a manifestar a sua presença e a bloquear tudo. Ficámos sem Club k uns dias. E a verdade é que o dito Hacker, que afinal não era solitário, mas sim um monte deles, quase iam dando cabo do “cabaço” do sistema analógico e por pouco que não destruíam os acervos do disco duro, mas nem tudo ficou sanado pois mesmo agora que já passaram coisa de três meses, acontece de tempos a tempos ao abrimos o blogue depararmo-nos com mensagens que parece serem de toda a gente que se possa imaginar menos do club K. Ou então a seguinte mensagem: Oops! Internet Explorer could not find club-k.net - Try reloading: club-¬k.¬net., ou ainda, Search on Google. Brincadeira! O mais engraçado é que as pessoas que tentam sabotar o Club, já identificadas, são ridiculamente impotentes, pois o que fazem é como querer apagar labaredas do Inferno com baldes de água.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Os filhos do Papá dya Kota (8). António Setas


Continuou, «Limito-me a seguir a lógica. Todos os sábados e domingos estou aqui; durante a semana é pelo menos duas vezes que eu visito a mãe Tonicha... de que me serve a casa do Bairro?, só para eu me chatear com a Mira, que lava mal e porcamente a roupa e faz sempre a mesma comida, peixe com arroz ou fuba, e fuba ou arroz com peixe. Chega!...» Rimo-nos, e ele aproveitou para rematar, «Vamos fazer assim, os pombinhos ficam com casa própria, e eu vou recomeçar a namorar com a minha Tonicha». Virou-se para a minha mãe, que estava ao seu lado, «Não é, galinha?», abraçou-a e deu-lhe um beijo. E a minha mãe, «Você é que manda». Disse-o com um ar sisudo, mas eu bem lhe via a comissura dos lábios viradas para cima nas extremidades, como que aspas de uma palavra que ela guardava muito bem guardada: felicidade.
Fiquei a pensar nas voltas que a vida dá. Lembrei-me da tristeza da minha mãe quando eu era criança e ela ficava sozinha em casa, lembrei-me do cacete do pai a dar-me cabo das costelas, da tia Chiquinha e dos seus mimos, veio-me à memória a sua morte trágica, o óbito, as lágrimas, a Dipanda e os sofrimentos que vieram com ela, e depois passei em revista todas as vitórias que alcançámos na liberdade conquistada, quase todas resultado das lutas do dia-a-dia. Mas para alcançar o quê, afinal?... A resposta estava naquele sorriso da minha mãe, anunciando céu azul e alísios, que nos empurravam de vento em popa para mares mais tranquilos. Era assim que eu pensava.

A semana passou a correr de um lado para o outro, da Lia para o mar e do mar para a Lia. Quando nos encontrávamos ao fim da tarde falávamos de tudo, mas tudo ia dar ao casamento. Ficou decidido que a cerimónia seria no dia dos anos da Lia, daí a uns quatro meses, no dia 5 de Novembro, e que o padrinho seria, caso aceitasse, o kota Kiala. A seu respeito corriam-me no testo duas questões. Uma, se era ou não era do Governo - nunca se ouvia falar dele -, a outra, que relação havia entre ele e a Lena. Nada de importante, mas as respostas tinham o seu quê, porque cada uma delas levantava o véu de jardins secretos, a política e as mulheres, o que significa dizer o dinheiro e o sexo, as duas tetas da humanidade. Mais valia ficar-me pelas dúvidas.
Nesse sábado jantámos em casa dos pais da Lia, o cabelo cortadinho e fatiota decente. E no domingo fomos almoçar à vivenda do kota Kiala, que nos recebeu com alegria, como se já soubesse que ia ser nosso padrinho. A mesa estava posta para quatro pessoas, a Lena almoçaria connosco. Veio um cozido com todos, vinho, pudim francês e vinho do Porto.«Puxa! Nesta casa come-se bem!», pensei. Concluí que o kota era mesmo uma pessoa importante. A Lena encarregou-se de responder à segunda pergunta. Depois das travessas terem sido postas em cima da mesa, legumes, carnes, arroz, e o molho, feito a partir de uma redução de uma boa canja de galinha, tudo separado, a Lena sentou-se ao lado do kota Kiala, toda ela em açúcares para o anfitrião, e ele, suavemente feliz, dava-lhe de quando em vez umas espreitadelas de agradecimento, dúbias, pois muito mais longe do que o agradecimento se adivinhavam os alvos do seu olhar. Na conversa que tivemos à mesa não se falou só do casamento, apesar dos esforços repetidos da Lena, que não se cansava de jurar que nada havia tão bonito no mundo como um jovem casal de apaixonados, que o nosso futuro seria cor-de-rosa e que teríamos pelo menos dez filhos. Com algum esforço desviávamos a conversa para outros assuntos e ela voltava à carga, andámos nisto até ao fim do almoço. A dada altura, no entanto, o kota Kiala meteu o falatório nos carris da Lena, «Afinal, quem é o padrinho do vosso casamento?», perguntou. A Lia aproveitou a ocasião e respondeu-lhe, a atrevida, «É você, tio. Não sabia?». O kota olhou para mim e de imediato compreendeu que se tratava de uma “conspiração’’, um contra dois, com a Lena fazia três, não havia jeito de recusar, nem tal ideia podia passar pela sua cabeça. Levantou-se, eu levantei-me, levantaram-se as mulheres, e abraçámo-nos. Nisto, a Lena foi até à cozinha e trouxe uma garrafa de champanhe francês! «Para os noivos!», clamou.
Não era preciso ser bruxo para adivinhar que a Lena... a Lena só podia ser a cara-metade do kota!

Quando faltava um pouco mais de dois meses para o casamento, o meu pai não esteve para ficar mais tempo à espera da data da cerimónia para me entregar a prenda prometida, uma chata de madeira. Caminhava para os setenta anos de idade e mostrava-me com esse febril anseio de que modo os homens da sua idade podem regressar à infância. E também como são capazes de dar muito mais carinho aos filhos.
A chata tinha sido construída na Samba, e como estava previsto que eu fosse habitar com a minha Lia para o Bairro dos Imbondeiros, concluí que seria boa ideia instalar-me em casa do meu pai algum tempo antes de me casar. Falei com a Lia, que nessa altura andava numa roda-viva, pois o seu trabalho com o pai Faria levava-a a miúde a Porto Amboím, falei com o meu pai, combinámos tudo, e, depois duma festa de despedida em casa do tio Mbala e da tia Londa, instalei-me com as minhas bikuatas nos Imbondeiro. A casa tinha dois quartos e eu passei a ocupar o que deveria ser o da Mira, mas não era, porque ela dormia com o Luisão, o que numa certa medida facilitava a minha vida. De resto, mesmo que ninguém lhe tivesse dado a dica ela sentia que devia haver ninho de besouro no “berço” e multiplicava agora os cuidados e os carinhos ao “bebé”, o meu pai, que passou a beneficiar do privilégio de ter sempre roupa limpa e repassada a tempo e horas, e um ou outro pitéu mais requintado à mesa, caldeirada, cozido, churrasco, ou moamba de dendém, no lugar do sempiterno peixe com arroz ou fuba.
No dia em que cheguei, a chata estava quase pronta. Fui vê-la. Os bancos não me agradaram, eram muitos baixos para a minha estatura; o poço da âncora e o cofre eram pequeníssimos, não queria aquilo assim. Fiz um desenho, que mostrei ao Luisão, e ele estava de acordo. Entreguei o desenho ao mestre e ele aceitou fazer como eu queria, só que esse trabalho implicava custos ...«Pouco importa», cortou o meu pai, «faz o que está aí desenhado, eu pago». O mestre acabou por fazer um bom preço e no dia seguinte começou a fazer as modificações que eu desejava. Instalou-se então uma súbita calmaria na minha vida. Fiquei à espera...da chata, do casamento, disso tudo. Tinha algum tempo livre à minha frente.

Um dia, o Zé, filho daquela senhora que tinha sido morta com a tia Chiquinha no ndongo, convidou-me a ir a uma festa no Ialacolo, que a malta do Bairro frequentava quando tinha vontade de se encontrar com garinas bonitas, que naquela zona havia muitas. Vieram connosco mais quatro amigos do Zé, e eu fiquei surpreendido, um pouco assustado mesmo, quando reparei que dois deles levavam cacetes grandes, desses que servem para fazer a cara num bolo a um peixe-martelo. E perguntei ao Zé, «Levam cacetes para quê?», «É melhor. Às vezes dá porrada. Com os cacetes não tem maka», «Mas ouve lá, um cacete desses mata um tubarão!», «Pois é, Rui, tu não conheces esses gajos do ‘‘musseque da mandioca’’, pois não?...São perigosos, estou a falar. E não são dois ou três quando se zangam, tens logo uns dez à tua frente. Mas quando vêem o cacete ficam sossegados...até dá gosto vê-los», «Mas zangam-se porquê?», «Ciúmes, mano. Temos mais dinheiro do que eles, temos mais garinas. Não te preocupes, não vai haver maka». Lá fomos à festa. Tudo correu bem, à parte uma ou outra escaramuça isolada, mais banga que outra coisa.
Regressámos a altas horas. O Zé trazia uma bonita escurinha, dois dos amigos traziam cada um com a sua “cavalheira”, os outros dois, e eu claro, que não parava de pensar na minha Lia, não tínhamos parceira. Antes de chegar a casa os três casais desapareceram na natureza. Foram trocar ideias e outras coisas mais sobre a maneira de fazer filhos; nós, os solteiros, fomos direitos a casa. Em caminho comentámos a festa, que não tinha sido lá grande coisa... Pois não, as garinas tinham-nos mandado pastar! Identificámos as mais assanhadas, as mais doces, as mais bonitas, que felizmente não tinha aparecido ninguém a opor-se a que a malta saísse com elas, coisas assim. Depois girámos, cada um para sua casa. E, quando me deitei, imaginei o que se teria passado se fosse o contrário, serem os do “musseque da mandioca” a agarrar as nossas garinas na praia. Isso é que era bom, vai masé agarrar a tua avó! Aqui, p’ra agarrar só há redes! Ninguém ia deixar, isso é certo.
Pensava nisso tudo e ria-me, mas no fundo não estava de acordo com essa maneira de agir. Ir até ao território dos outros à procura de garinas e embarcá-las, no meu entender deveria supor que os que viessem à praia em busca de garinas também pudessem sair com elas. Mas não, ali na Samba não era assim. E vinha ao de cima, muito mais do que qualquer “diferença” que nos distinguia dos outros kaluanda, um complexo de superioridade que eu compreendia, mas não partilhava, embora ele se manifestasse numa atitude que pretendia defender a nossa comunidade. Enfim, mais uma pequena kijila própria da juventude. O que me preocupava era a Lia, sempre ausente, por causa dessas viagens a Porto Amboím.

Imagem: mazungue.com

O reverso da medalha exclusiva do MPLA





Publicamos hoje um texto do sociólogo de nacionalidade portuguesa António Barreto, relacionado com uma comunicação interna endereçada pelo Almirante Rosa Coutinho ao Dr. Agostinho Neto no dia 22 de Dezembro de 1974, ao tempo em que o primeiro era Alto Comissário para os assuntos do Ultramar de Portugal.
O teor dessa missiva é deveras revelador da crueldade que uma situação de guerra pode engendrar e albergar, mesmo que ela ainda seja apenas latente, como é o caso, pois estamos em vésperas da Dipanda de Angola, ou melhor, vésperas das negociações de paz (utópicas) que estão na origem da guerra civil entre os irmãos angolanos do MPLA, FNLA e UNITA.
De notar que esta análise de António Barreto é perfeitamente consentânea com outros escritos sobre o mesmo tema, corroborados, a posteriori, por testemunhos diversos.
O que aí está escrito é tremendo, tão ferino que chega e sobra para justificar as dúvidas que pesam sobre a sua origem, ou seja, ter sido escrito por um homem de educação superior e titular do mais alto posto da marinha de guerra portuguesa.
Porém, é um facto que o papel da missiva dirigida a Agostinho Neto, no qual o referido texto foi escrito, é, sem sombra de dúvidas, um documento oficial, com carimbo branco em uso na administração portuguesa; é também um facto, ele ter sido escrito nas vésperas do término da missão do Alto-comissário; é um facto, a estratégia preconizada ter sido posta em prática; é um facto, a assinatura a tinta corresponder à do Almirante Rosa Coutinho; como é um facto que este favoreceu alta e poderosamente os interesses superiores do MPLA. Mas ainda há quem diga que o documento é falso.

«(…) O livro publica, em fac simile, uma carta do Alto-Comissário (em papel timbrado do antigo gabinete do Governador-geral) dirigida, em Dezembro de 1974, ao então Presidente do MPLA, Agostinho Neto, futuro presidente da República.
(…) Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos. Tão arreigados estão à terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir».
Leiam, é aterrador.

A VERDADE DA HISTÓRIA CHEGA SEMPRE TARDE!
Portugal País de homens sem HONRA e sem Vergonha que nunca julgou Rosa Coutinho e outros seus iguais.

domingo, 13 de Abril de 2008
Angola é nossa !
Holocausto em Angola' não é um livro de história. É um testemunho. O seu autor viu tudo, soube de tudo.
Só hoje me chegou às mãos um livro editado em 2007, Holocausto em Angola, da autoria de Américo Cardoso Botelho (Edições Vega). O subtítulo diz: 'Memórias de entre o cárcere e o cemitério'. O livro é surpreendente. Chocante. Para mim, foi. E creio que o será para toda a gente, mesmo os que 'já sabiam'. Só o não será para os que sempre souberam tudo. O autor foi funcionário da Diamang, tendo chegado a Angola a 9 de Novembro de 1975, dois dias antes da proclamação da independência pelo MPLA. Passou três anos na cadeia, entre 1977 e 1980. Nunca foi julgado ou condenado. Aproveitou o papel dos maços de tabaco para tomar notas e escrever as memórias, que agora edita. Não é um livro de história, nem de análise política. É um testemunho. Ele viu tudo, soube de tudo. O que ali se lê é repugnante. Os assassínios, as prisões e a tortura que se praticaram até à independência, com a conivência, a cumplicidade, a ajuda e o incitamento das autoridades portuguesas. E os massacres, as torturas, as exacções e os assassinatos que se cometeram após a independência e que antecederam a guerra civil que viria a durar mais de vinte anos, fazendo centenas de milhares de mortos. O livro, de extensas 600 páginas, não pode ser resumido. Mas sobre ele algo se pode dizer.
O horror em Angola começou ainda durante a presença portuguesa. Em 1975, meses antes da independência, já se faziam 'julgamentos populares', perante a passividade das autoridades. Num caso relatado pelo autor, eram milhares os espectadores reunidos num estádio de futebol. Sete pessoas foram acusadas de crimes e traições, sumariamente julgadas, condenadas e executadas a tiro diante de toda a gente. As forças militares portuguesas e os serviços de ordem e segurança estavam ausentes. Ou presentes como espectadores.
A impotência ou a passividade cúmplice são uma coisa. A acção deliberada, outra. O que fizeram as autoridades portuguesas durante a transição foi crime de traição e crime contra a humanidade. O livro revela os actos do Alto-Comissário Almirante Rosa Coutinho, o modo como serviu o MPLA, tudo fez para derrotar os outros movimentos e se aliou explicitamente ao PCP, à União Soviética e a Cuba. Terá sido mesmo um dos autores dos planos de intervenção, em Angola, de dezenas de milhares de militares cubanos e de quantidades imensas de armamento soviético. O livro publica, em fac simile, uma carta do Alto-Comissário (em papel timbrado do antigo gabinete do Governador-geral) dirigida, em Dezembro de 1974, ao então Presidente do MPLA, Agostinho Neto, futuro presidente da República. Diz ele: 'Após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas do PCP, resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à segunda fase do plano. Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o colonizador? Camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando e incendiando, a fim de provocar a sua debandada de Angola. Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos. Tão arreigados estão à terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir. A FNLA e a UNITA deixarão assim de contar com o apoio dos brancos, de seus capitais e da sua experiência militar. Desenraízem-nos de tal maneira que com a queda dos brancos se arruíne toda a estrutura capitalista e se possa instaurar a nova sociedade socialista ou pelo menos se dificulte a reconstrução daquela'.
Estes gestos das autoridades portuguesas deixaram semente. Anos depois, aquando dos golpes e contragolpes de 27 de Maio de 1977 (em que foram assassinados e executados sem julgamento milhares de pessoas, entre os quais os mais conhecidos Nito Alves e a portuguesa e comunista Sita Valles), alguns portugueses encontravam-se ameaçados. Um deles era Manuel Ennes Ferreira, economista e professor. Tendo-lhe sido assegurada, pelas autoridades portuguesas, a protecção de que tanto necessitava, dirigiu-se à Embaixada de Portugal em Luanda. Aqui, foi informado de que o vice-cônsul tinha acabado de falar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Estaria assim garantido um contacto com o Presidente da República. Tudo parecia em ordem. Pouco depois, foi conduzido de carro à Presidência da República, de onde transitou directamente para a cadeia, na qual foi interrogado e torturado vezes sem fim. Américo Botelho conheceu-o na prisão e viu o estado em que se encontrava cada vez que era interrogado.
Muitos dos responsáveis pelos interrogatórios, pela tortura e pelos massacres angolanos foram, por sua vez, torturados e assassinados. Muitos outros estão hoje vivos e ocupam cargos importantes. Os seus nomes aparecem frequentemente citados, tanto lá como cá. Eles são políticos democráticos aceites pela comunidade internacional. Gestores de grandes empresas com investimentos crescentes em Portugal. Escritores e intelectuais que se passeiam no Chiado e recebem prémios de consagração pelos seus contributos para a cultura lusófona. Este livro é, em certo sentido, desmoralizador. Confirma o que se sabia: que a esquerda perdoa o terror, desde que cometido em seu nome. Que a esquerda é capaz de tudo, da tortura e do assassinato, desde que ao serviço do seu poder. Que a direita perdoa tudo, desde que ganhe alguma coisa com isso. Que a direita esquece tudo, desde que os negócios floresçam. A esquerda e a direita portuguesas têm, em Angola, o seu retrato. Os portugueses, banqueiros e comerciantes, ministros e gestores, comunistas e democratas, correm hoje a Angola, onde aliás se cruzam com a melhor sociedade americana, chinesa ou francesa.
Para os portugueses, para a esquerda e para a direita, Angola sempre foi especial. Para os que dela aproveitaram e para os que lá julgavam ser possível a sociedade sem classes e os amanhãs que cantam. Para os que lá estiveram, para os que esperavam lá ir, para os que querem lá fazer negócios e para os que imaginam que lá seja possível salvar a alma e a humanidade.
Hoje, afirmado o poder em Angola e garantida a extracção de petróleo e o comércio de tudo, dos diamantes às obras públicas, todos, esquerdas e direitas, militantes e exploradores, retomaram os seus amores por Angola e preparam-se para abrir novas vias e grandes futuros. Angola é nossa! E nós? Somos de quem?




quarta-feira, 23 de março de 2011

Os filhos do Papá dya Kota (7). António Setas


Abriu muito os olhos, ficou assim durante uns segundos e decidiu, «Pronto, vamos começar pelo princípio, um ki mona mesu, um não, são pelo menos três...sabes o que é um ki mona mesu?», «Sei», «Óptimo. Vamos devagar. O primeiro é o mais antigo, muito antes dos portugueses terem chegado à foz do rio Zaire... isso tu sabes, que os portugueses chegaram à foz do rio Zaire?», «Sim, pai». «Ah! Outra coisa. O que te vou contar é a história que nos vem da tradição oral. Vou-ta contar muito pela rama, muito simples, sem entrar em pormenores. Apenas para que tu fiques com uma ideia. De acordo?», «Sim». E começou. Contou primeiro como Nimi a Lukeni, o fundador do reino do Kongo, teve como mulher uma judia do Norte de África, uma escrava de quem teve um filho de quem descendia grande Nezinga, famoso por ter introduzido as conchas, o nzimbu, como moeda no reino do Kongo (Nota 1)
Quando o senhor Kiala, era o nome do kota, acabou de falar, respirei a fundo, como quando se acaba de viver um momento de grande emoção. Ora aí estava um dos grandes pontos de interrogação que deixaria doravante de me atormentar. Todavia, ficava uma pergunta no ar, « Conchas, pai, conchas há por toda a parte, não é só na ilha de Luanda?», «Já lá chegamos, já lá chegamos, calma». Pediu à Lia para ir em busca de água, olhou para mim e sorriu. Ficámos alguns segundos em silêncio. A Lia voltou com a água, pôs o tabuleiro em cima da mesa à volta da qual estávamos sentados e encheu os copos. Bebemos um pouco de água fresca e o kota preveniu, «Antes de continuar é preciso clarificar um ponto. Toda a faixa costeira de Angola, do rio Dande, que os portugueses chamavam rio Fernão Vaz, até ao rio Kwanza, sempre foi ocupada por muita gente, sobretudo mundongo. Quando os bakongo conseguiam instalar-se nesses territórios era pela força das armas e nunca de maneira definitiva. E um dos antepassados do famoso Nezinga, que também se dizia descendente da tal escrava judia de quem já te falei, foi um dos Senhores da linhagem de Nimi a Lukeni que chegou até à zona de Luanda. Vinha do Leste, de um lugar chamado Kurimba, no Kuango, e obrigou os mundongo a fugir. Não todos, pois bom número dentre eles ficaram ao seu serviço. Segundo parece foram alguns dos seus súbditos, ou seus descendentes, portanto bakongo, que mais tarde apresentaram ao rei os tais nzimbu da ilha de Luanda. E o rei teria gostado tanto que em pouco tempo cada um deles passou a valer cinco ou seis conchas das que habitualmente circulavam por todo o reino do Kongo. É claro que o rei quis saber de onde vinham. Deram-lhe a informação, e ele decidiu enviar homens armados para ocupar a ilha de onde provinham tão preciosas conchas, a ilha de Luanda. Um desses invasores tem uma estória muito curiosa que já te vou contar. Mas antes disso, vou-te falar dum feiticeiro que chegou ao Mussulo e foi protegido por um dos mani Kurimba, descendente do primeiro, que tinha vindo do Kuango».
E contou. Por pouco deixava de respirar para o ouvir (Nota 1).

Tinha chegado a hora do almoço. Sobreveio uma hesitação, não da minha parte, quedo e mudo, siderado pela sorte de felicidade que me tinha invadido. Nunca pensara poder um dia ouvir tantas revelações em tão pouco tempo. Por fim consegui articular um, «Obrigado, pai». O kota Kiala olhava para mim e sorria, olhava para a cozinha, a Lia fez um gesto para se levantar, e só então acordei do meu estado de graça. Ia também para me levantar, mas fui impedido pela mão do mais velho, «Não, vamos comer qualquer coisa, depois continuamos». A Lia levantou-se e foi para a cozinha.
Veio de lá a Lena, mulher rechonchuda, para todo o serviço como fiquei a saber mais tarde. Pôs a mesa e retirou-se, no momento em que a Lia já vinha com a travessa de caldeirada de choco. Entretanto o kota tinha-se levantado e abria uma garrafa de vinho português. «Mas onde é que ele foi buscar isto tudo?...e em minha honra!?...» Mas não tive coragem de lhe perguntar se o vinho era da candonga.
Comemos, a falar de pesca e de “redes”, e a dada altura contei-lhe a narrativa tradicional que o meu pai um dia me tinha revelado sobre a retirada de Ngola a Kilwanji, a partir dos lados da Sonangol. Gostava muito dela.
“Segundo consta, Ngola a Kilwangi parou na “mulemba wa ixi ia ngola”, perto da estrada, olhou uma última vez com desdém para os que lhe davam corrida, obrigando-o a retirar-se do território que era dele, e meteu para o interior, mas sempre virado para o sítio de onde vinha, sem nunca voltar as costas. Atravessou assim, sempre virado para o sítio de onde vinha, as suas terras, por ali ia dormindo, dando-lhe nome e deixando, nas que tinham água e lavras, os filhos, a sua raiz, e homens de trabalho, cada um com a sua profissão”.
O kota não parava de sorrir, e eu sentia que ele me gostava. Era bom estar ali com a Lia à minha beira. Acabámos de comer, a mesa foi levantada, o kota Kiala contou o seu terceiro ki mona mesu. E eu calei-me, bem caladinho, para ouvir (Nota 1).

Quando cheguei à rua, depois de me ter despedido do kota Kiala, abri o peito e deixei entrar o ar. Sentia-me embriagado por ter colhido num ápice algumas das informações que durante anos tinha procurado em vão. Até à data apenas me tinham sido revelados detalhes, estórias descosidas, nunca uma destas narrativas com cabeça tronco e membros. A minha cabeça estava cheia de príncipes, reis, raízes, lutas e uanga. E cheia de Lia, que tinha ficado a ajudar a Lena. Cheguei a casa, meti-me no quarto e pus-me a pensar. Dava-me conta de que as estórias do kota Kiala me tinham aberto uma porta pela qual eu estava decidido a entrar. Foi nesse momento que decidi retomar os estudos. Mais tarde falaria com o tio Mbala.
No sábado seguinte voltei a encontrar-me com a Lia. Fomos passear pela praia. De um momento para o outro saltou-me da boca o que desde o primeiro dia em que falei com ela tinha vontade de lhe dizer, «Gosto muito de ti, Lia. Demais». Peguei-lhe na mão, apertei-a, e ela apertou muito a minha. Um bom sinal. Como esses do rio que os navegadores portugueses um dia encontraram, anunciando-lhes a proximidade da Índia. Mas eu não precisei de navegar, nem de batalhar, nem de matar ninguém, para que todas as riquezas da “minha Índia” viessem a ser minhas. A Lia olhou para mim e disse baixinho, «Eu também, Rui. Demais». Senti a emoção do homem que se transforma em Super-homem, agarrei-me ela como se a Terra me tivesse fugido dos pés, e beijei-a como se a pracinha onde estávamos, cheia de gente, estivesse vazia.

Foi uma daquelas paixões relâmpago que de imediato carecem de Sacra- mento. Começamos a namorar, alternando passeios pela praia com visitas ao kota Kiala e aos nossos velhos, isto sem falar dos finais de tarde passados em casa da tia Londa, admirados com a nossa felicidade e com a beleza do pôr-do-sol. Pouco tempo depois toda a Xicala (onde também viviam os pais da Lia), a Samba e o Prenda sabiam. E um dia o meu pai, que continuava a viver no Bairro dos Imbondeiros e a passar os fins-de-semana no Prenda, pegou em mim e levou-me até à casa da Samba. Tinha coisas importantíssimas a dizer-me. «Filho, estás um homem e precisas de pensar no teu futuro. Eu sei que se o Mbala abrir a mão tu já és mestre, podes ter o teu barco. Tens agora essa namorata, não sei se é a sério ou se não é, mas se for diz-me...», « É a sério, pai», interrompi eu. Muito surpreso, vi o meu pai a abrir os braços para me abraçar. E abraçou-me, «Assim é que eu gosto, vamos fazer um trato. À frente da tua mãe, para ela ser testemunha».
O trato que o meu pai me propôs no sábado seguinte, quando fomos comer o funji a casa da minha mãe, sem o Augusto, resumia a enorme mudança da sua atitude em relação a mim. Desejava provar que sentia pelo filho um verdadeiro amor de pai, mas porque era macho arisco, rude no trato e incapaz de exteriorizar por gestos e palavras os seus sentimentos, recorria ao que se sentia capaz de me oferecer sem receio de parecer ridículo: o dinheiro. Propôs-me pois, se me casasse, entrar como sócio para a rede da Câmara. Ele oferecia-me uma chata, dessas novas, feitas com pranchas de madeira, fundo plano e popa adaptada para receber um motor de 40 cavalos. Mais, se quisesse continuar a pescar à linha podia, se quisesse ‘‘encostar’’ rede, ele entrava com a rede. Quanto à Lia - já sabia tudo o raio do homem -, o pai era malanjinho e “calcinhas”, o que por um lado dava jeito por causa da maka do alambamento, era quadro superior de uma das raras empresas privadas de pesca industrial, e a mãe não fazia nada, era dona de casa. Havia dinheiro e talvez ele também ajudasse. Olhei para a minha mãe, repetindo a mirada que já várias vezes lhe tinha lançado durante a conversa, e não descobri nenhuma mudança no seu sorriso beato, mas sim no brilho dos olhos, muito lá no fundo, o rabinho da alegria que ela escondia e não se dispunha a alardear diante do meu pai.

O pedido de casamento foi um pouco à moda dos “calcinhas”, para agradar ao pai da Lia. Faltou-lhe aquele... eu sei o quê, dos rituais da nossa gente. Levámos as grades de cerveja, vinho, bebidas finas, bolos e pastéis de bacalhau, o meu pai, trajado à empresário, até nem parecia pescador, e a minha mãe, ai Jesus, não me toques que me desafinas, com os cabelo desfrisado, lábios pintados e vestido feito de propósito para o efeito. Comemos, bebemos e dançámos com moderação. Mas foi uma festa bonita. Quem tinha sido convidado e não estava presente por motivos de trabalho foi o kota Kiala. Mandou um ramo de flores, um livro de História, uma garrafa de uísque e um envelope com um convite para ir almoçar a casa dele no domingo seguinte.
Após termos decidido qual seria a data do casamento, o meu pai pegou outra vez em mim e levou-me a casa da mãe. Só percebi para quê quando ele começou a falar. «Ouçam bem o que eu vou dizer. Sem meias-tintas. O rapaz não tem casa própria. Mas eu falei com o senhor Faria - o senhor Faria era o pai da Lia - e já lhe disse, não tem maka, o casal vai viver para uma casa que tenho no Bairro dos Imbondeiros». Calou-se, à espera das recaídas do que acabara de dizer. Mas nem eu mexi, nem a mãe falou.

Imagem: casamento.culturamix.co

William Tonet. Folha 8 alertou. Dos Santos não devia sair como ditador após concentrar todos os poderes


Quem não ouve o clamor do povo sacrifica-se a ser envolvido no remoinho popular, qual tornado dos novos tempos assente no velho adágio político de: "o poder corrompe". E, infelizmente, neste nosso torrão Bantu, plantado junto ao Oceano Atlântico que nos deu o Nzimbu, como primeira moeda, temos hoje, uns poucos apenas, que beneficiam desmesuradamente dos milhões de dólares dos milhões de autóctones famintos.
Com o calar das armas no 22 de Fevereiro 2002, alertamos para a necessidade de adopção de políticas mais ousadas e inteligentes, da parte de quem tem desde 1975 o poder do Estado e a gerência dos biliões das receitas do petróleo. Seria bom, por não ter sido feito na independência, o esboço de um Projecto/País, onde Angola emergiria com uma nova estrutura, englobando desde já todas as nações e etnias existentes no território, destacando-se dentre as demais a preservação do povo Koisan. Mas nada, na arrogância de quem faz do poder uma profissão, limitaram-se a sambar e a cantar o fado da vitória, numa clara versão luso-tropicalista, como se ela fosse eterna. E para não variar, logo os bajuladores da corte trataram de bombardear e maldizer o F8, por sugerirmos isso a seguir à morte de Jonas Savimbi, ou melhor, demos a conhecer a José Eduardo dos Santos por via de artigos publicados, que seria uma boa iniciativa encerrar o círculo de PRESIDENTE NÃO ELEITO, desde 1979, indiciando uma postura de ditador.
Deveria então, para justificar a sua opção pela guerra atroz, concluir o processo eleitoral interrompido em 1992, na medida em que, com a implementação do Memorando de Luena, sem o seu principal opositor, morto em combate, José Eduardo dos Santos não tinha concorrentes a poderem se lhe opor, não só pelo prestígio que o alcance da paz lhe poderia conferir, se abrisse as comportas para uma verdadeira democracia, mas também, por adoptar uma nova estatura de presidente de todos os angolanos. Infelizmente para o país, a sociedade civil e as forças da oposição, viu-se impotente face ao monopólio do poder de Estado que Dos Santos tem. Este tornou-se adverso a conselhos e aberturas, como se tivesse recebido mandado do Criador, para ser omnipresente na terra. Quando ele, caso aceitasse conselhos saberia estar a viver uma conjuntura tão favorável que ganharia as eleições presidenciais com uma perna às costas, com todos os benefícios atinentes, como, por exemplo, poder desse modo legitimar o seu regime, pois para quem estava então há 28 anos no poder era muita fruta sem reconhecimento da sua validade. Seria bom e urgente ele não ouvir os bajuladores, sugeriu-o F8, ir ao crivo popular e ser eleito, para que um adiamento ou estratégia diferente não lhe viesse mais tarde, como agora, a colocar numa posição de ditador. Adiou, mandou às urtigas os conselhos e as vozes da sociedade civil, tanto que agora, por mais estratégias que se criem, ele sairá do poder, seja como for, como o eterno ditador, adverso ao voto popular e agarrado a um poder, que faz da "DEMOCRACIA DO PETRÓLEO" instituída o seu tapete de sobrevivência ante o mundo ocidental.

No entanto, reconheçamos, o Presidente José Eduardo dos Santos, que nunca se colocou na condição de cidadão em funções de Estado, até chegou a prometer retirar-se da vida política activa, induzido o seu partido, MPLA a começar a pensar noutro líder. Uns tantos aplaudiram, mas os mais cépticos duvidaram e todos quanto na sua ingenuidade acreditaram nas suas palavras foram milimetricamente cilindrados, pela ousadia, como João Lourenço, depois de antes terem sido Marcolino Moco e Lopo do Nascimento. Dos Santos não gosta de sombras, fazem-lhe espécie, irritam-no, por não ter estrutura mental democrática e é legítimo, que não a tenha, logo adopta uma couraça de defesa conhecida; ou lança os adversários ao deserto ou fá-los desaparecer do xadrez.
Por esta razão, andamos desde 1992, há quase 20 anos, a ouvi-lo a prometer eleições, a vê-lo a conseguir adiá-las até ao ano de 2008, e mais forte ainda, a conseguir “fugir com o rabo à seringa”, passe a expressão, e realizar apenas as legislativas, escapando assim a uma confrontação delicada em termo de vozes a seu favor, em relação às que o MPLA poderia obter, estando então já muito provavelmente planeadas as manigâncias que toda a gente pôde testemunhar no acto eleitoral, desde a existência de urnas a mais, votos de mortos a favor de um lado e desaparecimento de votos contra do outro, até à inexistência de Cadernos Eleitorais a permitir o controlo dos eleitores e à propositada não abertura de mesas de voto para obrigar o pleito a estender-se até ao dia seguinte, a fim de permitir chegar, graças a falsificações arquitectadas em Espanha, aos tais 82% de votos a favor do MPLA, que nem por sombras reflectem a realidade angolana.
Depois, foi uma festa. Os seus turcos fizeram uma Constituição na qual se convencionou mandar bugiar as eleições presidenciais, e assim se poder dar mais um passo para transformar o Presidente da República em chefe supremo e ele passar a ser visto pelo povo como uma espécie de imperador, ou rei.
Enfim, para completar e adornar essa nova personagem principesca, não se alteraram os símbolos nacionais, continuam a confundir-se com os do MPLA, mais grave, mandou pôr o seu nome e efígie no Bilhete Identidade e no Passaporte Cidadão Nacional, como já tinha sido feito na moeda, e, sem dizer a ninguém que o que se estava a fazer, institucionalizou-se o culto de personalidade.
Ora o que é extraordinário, não é esta encenação de opereta do século XIX, mais, muito mais, é a cegueira desta gente, que não consegue ver que estamos a caminhar para um drama, para um beco sem saída, melhor para o abismo, onde a maioria popular deixa de se rever no “governo” e nas suas políticas, partidariamente protectoras dos interesses dos seus apaniguados, que roubam os bens e as terras do povo, para se enriquecerem cada vez mais. É por demais consabido que um país precisa de instituições do Estado fortes e credíveis, imparciais e de cidadania e não partidarizadas, como são as de Angola, veja-se o caso da Bélgica que esteve cerca de dois anos sem chefe de governo, mas nada parou. E a importância delas deve-se, fundamentalmente, para, em fases de crise, haja interlocutores fortes e credíveis, que respeitam, pesem as diferenças, os detentores do poder e são capazes de estabelecer compromissos em nome da estabilidade do Estado. O inverso é correr o risco de negociar com o PODER DA RUA, sempre adverso a compromissos de continuidade, mas sim atreitos á ruptura.
É que a rejeição pela força das eleições presidenciais e a farsa constitucional, com a batota eleitoral em pano de fundo, não vieram reforçar o poder de José Eduardo dos Santos nem o seu carisma, pelo contrário..., vieram sim confirmar que o actual Chefe de Estado, não eleito há 32 anos, tem como PROFISSÃO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA, pois se a tivesse como função honrosa, teria seguramente outro comportamento...
Em qualquer parte do mundo, tirando a referência elogiosa bajuladora de uns poucos países africanos, cujos dirigentes vêm buscar dinheiro a Angola, José Eduardo dos Santos é visto na galeria dos ditadores, apenas com uma vantagem, governa um país com petróleo destinado a ser fornecido ao Ocidente e tanto assim é que no séquito de amizades do presidente da República não se conhece nenhum líder democrata do mundo como sendo seu amigo. Dir-se-á, mas Cavaco Silva de Portugal, ou Sarkozy da França ou ainda Silvio Berlusconi da Itália, já o galantearam tal como uns tantos outros presidentes de países democráticos. Sim! Mas estes são e actuam, "petroliferamente" falando, como homólogos, nunca como amigos.
Amigos são Laurent Gbabo, ditador da Côte d'Ivoire, Robert Mugabe, ditador do Zimbabwe, Fidel e Raúl Castro, ditadores de Cuba, Hugo Chavez, ditador da Venezuela, Laurent Kabila, ditador do Congo Democrático, Sassou Nguesso, ditador do Congo Brazzaville, Teodoro Nguema, ditador da Guiné Equatorial, todos, absolutamente todos, realizaram eleições essencialmente assentes na fraude, tida por ele como ponto de referência.
Mas também é verdade que essa sua postura a fugir para o totalitário, mau grado seja evidente, apenas será denunciada mais frontalmente pelo Ocidente quando ele sair do poder. E começarão então a perseguir as contas pessoais dos filhos, dos familiares directos e do seu grupo restrito de cortesãos. Por enquanto, ainda ele manda, bate, prende, elimina e o petróleo pode…
Nesta caminhada a saltitar desde o “faz de conta” ao “não faça a conta” (não prestar contas é tradicional), fala-se muito em progresso e em democracia desde 2002. Não falam da discriminação, da corrupção, da tentativa de divisão dos partidos políticos, da compra de consciências, dos assassinatos selectivos e das prisões arbitrárias de políticos e jornalistas. Pouco falta para que “um escova” mais ousado venha para aí dizer que Angola é a maior democracia e JES o maior democrata e gestor do mundo, que o planeta está em crise, inclusive as finanças das maiores democracias e que a gestão de fundos públicos em Angola são bem geridos. Vejam os Estados Unidos, a França, Inglaterra, Itália, Suíça, Canáda, Bélgica, Holanda, Portugal e outros países em fase de crise e que gastam dinheiro público para realizar regularmente eleições de 4 em quatro ou de cinco em cinco anos. Um desperdício em fase de crise mundial em que todos os tostões fazem falta aos cofres dos Estados, dirão os bajuladores do séquito, por esta razão deveriam, os outros presidentes do mundo, respeitar e seguir o grande exemplo do actual Presidente de Angola, que para poupar dinheiro público, a favor da democracia, o coloca ao serviço de interesses, particularmente selectivos e realiza eleições de 32 em 32 anos.
E mesmo assim, depois de ter aceite a proposta da falecida Anália de Victória Pereira de dividir o processo eleitoral em dois: legislativas e presidenciais, aguçado o apetite de outros cidadãos, para concorrerem ao cargo de presidente da República, como Vicente Pinto de Andrade, Lizete Araújo, Alberto Neto e outros, mandou bugiar os compromissos assumidos, talvez apoiado no poderio militar e na partidarização do Estado, onde a Polícia Nacional e as FAA, não cumprem a Constituição e as leis do país, mas a vontade de um homem. Tanto que na perpetuação do poder mandou criar uma Constituição à sua medida: 56. Uma constituição que não vê o país, mas um homem. Uma constituição que acaba o sonho dos autóctones, depois de 500 anos de colonialismo e 35 anos de ditadura de partido único, esses, que esperavam pela DEVOLUÇÃO DA TERRA e não o esbulho das suas terras, pelos novos-ricos. Esta constituição é apenas avançada, em termos de direitos individuais no papel, porque na realidade é uma farsa autêntica e ditadura real, pese ser apoiada por alguns juristas mercenários constitucionais portugueses, pagos a peso de ouro, com dinheiro do sangue dos angolanos, para o trabalho sujo e anti-democrático.
Quando dos Santos impôs ao país não um texto constitucional, mas a sua constituição. Quando impôs não uma bandeira angolana, mas a do MPLA. Quando teve o cúmulo de condescender com a pouca vergonha dos seus assessores, aceitando a sua imagem no Bilhete de Identidade e Passaporte de Cidadão Nacional, como o fez com o Kwanza, que não é uma moeda angolana, mas uma moeda imposta aos angolanos pelo MPLA. Quando começou a partir as casas dos pobres para dar os terrenos aos ricos. Quando os seus fiscais começaram a matar mulheres grávidas e com filhos na rua, apenas por estarem a vender. Quando os seus agentes começaram a roubar e matar os vendedores ambulantes. Quando humilhou Holden Roberto até aos seus últimos dias de vida, não devolvendo o património confiscado da FNLA. Quando, alegadamente, começou a devolver património confiscado pelo Estado angolano, aos familiares do seu genro português. Verdadeiramente todos estes cenários contribuíram para o desgastar da imagem de José Eduardo dos Santos, cujos níveis de popularidade, interna e externamente, são hoje muito baixos.

Quem avisa amigo é
Se analisarmos com alguma profundidade a situação política em Angola e a relacionarmos não só com a estrutura sócio - económica interna, mas também com a conturbada conjuntura internacional, muito marcada pelas revoltas operadas no norte de África, na Tunísia, Egipto e Líbia, que deram origem ao derrube de duas ditaduras e ao profundo abalo da terceira, assim como à queda compulsiva de três ditadores cujas fortunas se contam por milhares de milhões de dólares, as razões que motivaram a realização de uma suposta manifestação patriótica (que de patriótica pouco mais teve do que exaltar o culto de personalidade do chefe supremo) no passado dia 5 de Março, brotam como água cristalina da fonte e aparecem, transparentes e claríssimas, aos olhos de quem as quer ver.
Nesses países governavam autocraticamente, durante décadas, três indivíduos que nunca foram eleitos de modo transparente. Tal como Angola, naquelas latitudes, os três indivíduos eram adulados e postos pelos seus bajuladores de serviço num pedestal de exclusiva celebração de virtudes, em troca de distribuição de benesses injustificadas e enriquecimento ilícito de toda essa gente que gravitava em redor da áurea assim fomentada e artificialmente criada pelo culto pagão da personalidade do chefe supremo.
Como em Angola.
Nesses países, o fosso entre os ricos e os pobres tinha-se tornado cada vez mais profundo e ameaçador de desequilíbrios, na medida em que os progressos realizados em termos de Produto Interno Bruto (PIB) acabaram por nunca ser distribuídos, por reverter, no final de contas, para exclusivo proveito da casta cortesã de bajuladores do chefe supremo.
Como em Angola.
Nesses países, a família alargada do chefe supremo enriqueceu muito para além do normal, para não dizer do que seria legal, enquanto os parentes mais próximos se foram apoderando, com a cumplicidade do poder executivo, quer dizer, do chefe supremo, de postos, situações e títulos que lhes davam acesso às mais importante e proveitosas alavancas do poder económico do país.
Como em Angola, onde todas as notícias relacionadas com estas revoltas, desde o seu início foram cuidadosamente filtradas e divulgadas em doses de conta-gotas - houve dias em que, na mais dramática fase da repressão dos revoltados da Líbia, a TPA, RNA e ANGOP não consagrasse nem um minuto a esses importantíssimos acontecimentos – por se temer contágio e propagação da cólera sentida por esses povos espoliados, por se saber que a nossa política, infelizmente, é semelhante à desses déspotas que foram vergonhosamente depostos, por terem humilhado e discriminado as forças da oposição, a sociedade civil, a imprensa livre e o seu povo no geral. Oxalá que o exemplo dos outros países leve a que os dirigentes conscientes do MPLA, se dispam do medo e comecem a discutir. A melhor opção não será criar outra faixa de rodagem, capaz de albergar também oficiais e militares das Forças Armadas, da Polícia Nacional e da Segurança Interna, para a defesa cega de um regime, consubstanciado na personalidade de um homem. NÃO! Essa não é a melhor opção, a melhor é a de os dirigentes mais sensatos retirarem o pé da lama, o que está ao alcance de todos e distinguirá os que o fizerem antes da hora do TSUNAMI DA MUDANÇA.