K.Numa convida Dos Santos (a exemplo dos outros ditadores há mais de 30 anos) A ABANDONAR O PODER
Félix Miranda. Foto: Téo Cassule
Desde que Kamalata Numa, secretário-geral da UNITA entrou na resistência pacífica activa, simbolizada com a greve de fome na cidade do Huambo, que o seu nome entrou na pauta dos actos normais da oposição, tão carente de actos, mesmo com o blackout dos meios de comunicação social do Estado. A sua ousadia e acto nunca antes realizado por um dirigente partidário levou a que as águas se agitassem por bandas do partido no poder, levando mesmo que o seu secretário para informação, Rui Falcão, destapasse as acusações da oposição de monopolização e partidarização da média pública, com a negação do contraditório e a eleição da ameaça. Depois deste acto, a UNITA garante que o seu SG está a receber ameaças de vária ordem, umas mesmo de morte. “Todo homem tem de morrer um dia, mas nem todas as mortes têm o mesmo significado. Há mortes que não têm sentido. Por exemplo a morte de um ladrão que rouba a pobres para dar aos ricos e a morte de um tirano e impostor têm o mesmo significado, mas já é diferente a morte de um traidor e a de um cidadão inocente e benfeitor”. Instado a abrir o seu rosário, Kamalata Numa minimiza as críticas e diz-se comprometido com o processo para a implementação de uma verdadeira democracia e não pode perder tempo com quem está amarrado a ditadura de partido único, porque felizmente o seu partido já ultrapassou essa fase e não vive da fraude, da humilhação dos outros e da discriminação. F8 espera para ver, mas eis Abílio Kamala Numa, na primeira pessoa do singular.
Folha 8 - Senhor secretário-geral da UNITA, depois da greve de fome e das críticas que recebeu, como se sente?
Abílio Kamalata Numa – De princípio, fisicamente encontro-me com algumas sequelas que é próprio numa situação como esta; distúrbios intestinais e outras pequenas queixas, mas com o tempo serão debeladas. Actualmente estamos fortificados porque pensamos que Angola precisa de encontrar formas de luta contra este regime, respeitando a lei, claro, mas com firmeza de fazer sentir as populações de Angola de que elas estão a ser manipuladas por um regime que tem mais obrigação de responder pelos actos que tem levado a cabo do que estar a mentir a população que foi jogada na indigência. Espiritualmente acho que os objectivos foram atingidos e neste momento o debate nacional é diferente, as pessoas já começam a perspectivar de outra forma o percurso de Angola no futuro.
F8 – Está convicto que os meios da Democracia são suficientes e eficazes para mudar este estado de coisas em Angola, onde por qualquer coisa, lançam as forças de repressão na rua e fazem uso de medidas coercivas?
AKN – A revolução democrática em Angola não começou hoje. Mesmo quando em 1976 se ergueu uma guerrilha que se opôs ao expansionismo dos russos e cubanos em África, estávamos a lutar especificamente por objectivos de democratização de Angola. Foi um período de onde retiramos bastantes lições e também grandes experiências, este período estende-se ao contexto actual. Neste preciso momento a revolução democrática passou da UNITA para o povo e com maior responsabilidade. É mesmo o povo quem está mais interessado na democratização de Angola para que tenha melhores dirigentes e o país se desenvolva melhor. Portanto, os recursos que vamos encontrando pelo caminho são colocados e virados para este objectivo. A experiência de outros povos não são de descurar, mas também há outra experiência que é a nossa, com especificidades próprias. O próprio adversário vai nos dando armas que temos possibilidades de usar. Por exemplo: os dirigentes do MPLA são vulneráveis quanto aos aspectos ligados a corrupção, logo é uma arma eficaz que vai nos permitir combater este regime. E se este regime um dia utilizar a força para poder reprimir as populações, sugerida na forma musculada da intervenção do senhor Dino Matross, então teremos a certeza que eles próprios estarão a ditar exactamente o percurso que esta revolução irá seguir.
F8 –É sobre esta resposta do Secretário-geral do MPLA que me quero referir. Mas não acredita que este discurso amedrontou as pessoas depois do que se passou no Huambo?
AKN –Nós vivemos uma realidade muito dura há uns 10 anos para cá e psicologicamente isto vai tendo os seus efeitos no meio das pessoas, mas também há um choque com que as populações se confrontam. Neste momento o que está a contar é o nosso dia-a-dia, o que comemos, como conseguimos encontrar os recursos que nos permitam educar as nossas crianças, como podemos defender as nossas famílias na saúde, a forma como nos encontramos seguros nos locais onde vivemos, tudo isso vai desempenhando um papel na vida de cada um de nós. Entretanto, um indivíduo que está na sua casa, batem-lhe a porta e partem-lhe a casa. Um indivíduo que tem o seu terreno, deixado pelos seus ancestrais há bastante tempo, um dia depois é envolvido por estacas e o indivíduo vê-se espoliado do seu terreno... Tudo isso está a consciencializar o nosso povo com a certeza de que é preciso lutar contra isso.
F8 – Mas segundo a actual Constituição, tal como a Constituição colonial, prevê que a terra pertence ao Estado!
AKN – Foi-nos imposto! O MPLA começou por impor uma vitória eleitoral fraudulenta que teve os seus reflexos na elaboração desta Constituição onde puderam fazer passar tudo aquilo que quisessem e hoje se formos a fazer um Referendo veremos que o Não a essa Constituição ganhará, logo estou convicto que nas urnas seria chumbada ao nível de 90%.
F8 – Não acha que também tem muito a ver com aquilo que o Doutor Kaparakata disse há dias. Que em Angola o que há é um regime unipessoal. Tudo e todos dependem de uma única pessoa. Sua opinião?
AKN – As pessoas vão falando e esgrimindo conceitos diferentes de uma mesma situação. O que é bom reter é que no momento que lhe falo, não há ninguém que está seguro neste país... Mesmo os militantes do MPLA, se quiserem reivindicar um direito, vão ser esmagados como foram esmagados no 27 de Maio de 1977. Portanto, o que está em causa é o país mergulhado numa política de terror. É um homem que com o seu grupo subjuga o resto do país, já não querem saber se é MPLA, se é UNITA, FNLA ou população, para eles quem se colocar no seu caminho, só têm uma linguagem: dizimam...
Ditadura ou Democracia
Folha 8 – O que os políticos de todos os quadrantes têm de fazer para mudar Angola?
Abílio Kamalata Numa – Contra isso é preciso as pessoas imporem-se e, nós, equacionamos isso num único sentido: ou Ditadura ou Democracia.
F8 – Greve de fome no Huambo por continuar a ser a Praça-forte da UNITA, Bailundo tradicional ou foi ocasional?
AKN – Nada para além de denunciar a injustiça! Psicologicamente o MPLA de Eduardo dos Santos já se encontra na oposição, isso porque indivíduos que ganham com cerca de 82% não têm necessidade de instrumentalizar os sobas para não aceitarem que outros partidos façam o seu trabalho; não têm necessidade de estar a prender as pessoas; não têm necessidade de matar militantes de outras formações políticas. Neste preciso momento o MPLA está a massacrar cidadãos inocentes no interior do país...
F8 – Tem provas dos factos que afirma?
AKN – Para além daqueles que já denunciamos, só no ano passado a UNITA denunciou o assassinato de 10 cidadãos na província do Huambo, eles não eram nossos militantes, mas simples cidadãos que prezamos e criticamos a forma como perderam a vida. No dia 14 de Fevereiro, às 20 horas, foi barbaramente massacrado e assassinado, na comuna do Munhango, município do Kuemba, província do Bié, pela Polícia Nacional, o cidadão Abílio Silva de 22 anos de idade. Os policiais, inclusivamente, para além dos tiros, usaram obuses de morteiro 82, contra o local onde se encontrava o cidadão, pelo simples facto de reivindicar os seus direitos, ao um empresário português, seu patrão, que há muito não pagava os seus salários. Os trabalhadores foram fazer a manifestação como consagrado na Lei e o patrão foi queixar-se a polícia e esta em defesa de uma das partes começou a atirar morteiros, onde houve esta morte e 3 feridos graves, que ainda estão hospitalizados no Hospital Central do Bié, mas a comunicação do Estado isso não notícia.
MPLA quer matar Numa, Samakuva, Alcides Sakala
F8 – Na probabilidade de uma Revolução-social, acredita mesmo que o MPLA vai atirar contra o seu povo, como o ditador Kadafhi ou repetir o 27 de Maio?
AKN – A revolução social nunca parou e há inclusivamente indivíduos que possam estar a dizer que os angolanos não têm a cultura dos brancos da África branca.
F8 – Diz-se que a Revolução social que se produz agora no Norte de África não vai atingir a nossa região porque os pretos não têm esta cultura. Lembram que não foi por acaso que os primeiros a escravizar os negros, foram os árabes?
KN - Não é verdade! Estamos a falar do ser humano e o ser humano é igual. As coisas amadurecem e aqui também as coisas vão evoluir e mesmo se os actuais ditadores tiverem a veleidade de matar os dirigentes da linha da frente, isto não vai parar mais. Mataram Savimbi, deixaram Holden Roberto ir até ao fim, mataram o Mfulumpinga, andam a dizer que vão matar o Numa, o Alcides Sakala, o Samakuva, mas isso não vai parar mais... Quanto mais gente matarem, mais difícil a situação será. Por isso, queremos exortar os angolanos, sobretudo a Polícia Nacional e o Exército, saibam que dos três elementos constitutivos do Estado o mais importante é o povo, por ser maioritário e o detentor do poder que delega aos governantes. Por essa razão, estas duas instituições (FAA e PN), não podem proteger bandidos que matam o seu próprio povo. Não aceitem isso porque cada tiro que fizerem contra um cidadão estarão a matar os seus próprios irmãos.
F8 – Acredita na notícia de o MPLA estar a reforçar a Segurança Interna, convocando antigos operativos, para contrariar possíveis manifestações?
AKN – O que lhe posso dizer é que os angolanos tornaram-se maduros. Eles podem reforçar a Segurança Interna, mas tenho a certeza que muitos dos nossos irmãos que vão para ali, têm consciência que são angolanos e devem defender quem? O povo! Mas do outro lado conhecem a realidade dos indivíduos que num curto espaço de tempo ficaram bilionários. Onde foram tirar este dinheiro? Os ditadores estão a ir-se embora e depois ficamos estupefactos pela quantidade de dinheiro que roubaram, eles e as suas famílias, por isso tenho certeza que a alma angolana está a renascer. Todos nós sabemos que o dinheiro roubado, armazenado nos bancos, uma vez recolhido daria para saldar cerca de metade da dívida e minimizar esta vergonhosa miséria que o angolano pacientemente consente.
F8 – A UNITA está estática, continua a UNITA da Jamba, constitui ainda um alvo visível na qual se pode concentrar os canhões e destruir?
AKN – Não é verdade! Esta UNITA de hoje é uma UNITA que se tornou num estuário que vai ao encontro das outras forças e sensibilidades socioeconómicas. O que acontece é que em termos de oposição partidária, temos partidos que são o prolongamento do MPLA, fazem acordos a noite, aprovam constituições com o governo e muitos deles, os seus dirigentes recebem subvenções, até andam aí partidos que estão a dizer que serão maiores partidos da oposição. Tudo isso, em vez de se preocuparem em lutar para acabarmos com a ditadura neste país. É aqui onde dizemos que de facto a UNITA se tornou num partido indispensável para o país, mas ao mesmo tempo vai ao encontro daquelas forças que são patrióticas, interessadas em mudar o contexto actual.
F8 – Mas a UNITA, não consegue congregar à sua volta os tais partidos?
AKN – No passado tivemos alguns forums de concertação e digo com toda sinceridade que há partidos sérios. É muita pena que não sejam partidos com assento parlamentar. Não vou citar para não criarmos alvos desnecessários, mas há também partidos parlamentares de lamentar que estão muito colados ao MPLA. Por exemplo, a FNLA deveria fazer um pouco mais em relação ao 15 de Março, porque o 4 de Fevereiro, diz-se que é o início da luta armada por ter sido uma revolta, mas em Angola houve muitas revoltas...
F8 – Mas o presidente N´gola Kabangu lançou um apelo em volta disso.
AKN – As pessoas riem-se porque, desculpem-me, sou daqueles que sempre admirei o N´gola Kabangu pela sua fidelidade em relação ao Mais Velho Holden, mas agora sinto que a FNLA está um bocadinho a deriva e dá a impressão que está na muleta de outras forças. É muita pena que uma força tão importante e nacionalista como a FNLA possa soçobrar neste meio. Gostaria que de facto se recompusessem deste trauma que estão a viver. A FNLA é necessária em Angola e o povo olha para a FNLA com muito respeito.
HÁ necessidade de se refundar a UNITA e o MPLA
F8 – E a UNITA já se renovou?
KN -Como dizia o MPLA não pode ver a UNITA como no passado, mas sim ver-nos como a emanação dos injustiçados, intelectuais decepcionados, frustrados angolanos de todos os estratos sociais e crentes religiosos e muitos só não entram de forma mais visível na UNITA, por causa do medo que o regime incute nas pessoas, mas é só ver a nova geração que está a aderir e assumir responsabilidades na organização e andando a pé, sem as mordomias dos seus congéneres do MPLA, como passo a citar os jovens M´fumka Muzemba, a Filomena que agora é a presidente da UNITA no Huambo, o Mumbika, são todos parte da Nova Geração que está a surgir com muita força.
F8 – Uma ascensão natural ou forçada?
KN – Foi natural e espontânea. Acharam que era o momento de estarem aqui para puderem através da UNITA representar também uma franja importante da sociedade angolana, reivindicar politicamente os seus direitos e cá estão. Portanto esta UNITA de hoje é uma UNITA aberta que está para o povo, que vai lutar pela Democracia. Importa lembrar que para nós a guerra terminou definitivamente e é só ver e analisar os factos actuais, pelas declarações dos dirigentes, quem é que desde sempre quis e encorajou a guerra, quem urdiu a mentira que lançou os angolanos inocentes na morte e o país para a auto-destruição.
F8 – Ainda nesta esteira de abertura, não abertura. Dizem que a UNITA perdeu uma grande oportunidade de mudar seus símbolos e talvez seus ideários, para que o MPLA não continuasse a flagelar e a tê-la como bode expiatório de tudo quanto é miséria, instabilidade e incompetência. Quer comentar?
KN – Os que falam assim são adversários da UNITA porque a sigla UNITA é vendível e é aceitável neste país pela história que protagonizou. Os ideais pelos quais nos batemos nunca mudaram, estão lá e hoje são aqueles que toda Angola abraça: Unidade Nacional, Liberdade, Igualdade, Democracia verdadeira e participativa, que permite a crítica. Tenho certeza que as próximas gerações, talvez seja a geração a seguir a nossa ou outra, possam encontrar formas de adoptar a UNITA às novas realidades. Mas neste preciso momento a UNITA estamos bem, não precisamos de refundar o partido, quer nos seus ideais, como nos seus símbolos.
F8 – E quanto ao MPLA?
AKN – Não tenho nada a ver com o MPLA, mas que esteja interessado por aquilo que o MPLA faz em relação a Angola, isso sim. E é por isso que estamos a pedir que José Eduardo dos Santos faça o favor de abandonar o poder já! Há muito boa gente competente em Angola, mesmo no seio do MPLA que poderia dar outro rumo ao país. Agora se o MPLA muda a bandeira ou as siglas, isso é com os militantes do MPLA.
Desmobilizados e reformados abandonados
F8 – A actual direcção da UNITA é acusada de ter feito pouco pelos direitos dos seus ex-militares?
AKN – Não nos esqueçamos nunca, mas infelizmente, quem governa Angola desde 1975 é o MPLA e nós fizemos acordos com o seu governo e prevenimos todos os aspectos com a desmobilização dos militares e o MPLA propôs-se ou melhor assinamos documentos que obrigavam que esses militares tivessem direito as suas pensões. Infelizmente, de todos os acordos que fizemos o MPLA não cumpriu nenhum. Tivemos comissões de debate aqui para continuarmos a aprofundar a questão da reconciliação nacional, logo que o MPLA ganhou as eleições e fez a constituição, mandou parar isso tudo e pontapeou os direitos dos ex combatentes. Portanto, quem está a ditar as regras do jogo é o MPLA, mas infelizmente o Partido/Estado não faz isso só com os militares das ex-FALA, mas também com os das ex-FAPLA e do ex-ELNA e com toda a gente. Temos de encontrar um pólo de unidade com todas essas forças para continuarmos a exigir os direitos dos desmobilizados.
F8 – Acha normal este estado de mansidão como os ex-militares recebem essas injustiças e humilhações?
AKN – Tem havido algumas manifestações aqui em Luanda, no Lubango, Benguela, Huambo que vão ganhando a sua forma e tenho a certeza que se o governo não acelerar este processo, um dia vão ter a solidariedade de outros. Porque a gama de desmobilizados neste país desde que a guerra acabou é muito grande e têm as suas famílias, os seus filhos que agora já são homens e precisam de ser alimentados, tratados e educados. É importante que o governo reveja essa questão com muita responsabilidade e encontre soluções definitivas sobre isso.
As vozes críticas da UNITA Incubaram?
F8 – Dizem que as vozes activas, aquelas que realmente desempenhavam o papel da oposição, esfumaram-se, outros entraram na lógica do: primeiro ter dinheiro só depois fazer política. Quer argumentar!?
AKN – A opressão sobre o povo não pára e não vai esperar pelos políticos que ainda estão a encher os bolsos para depois virem defende-lo. Conhecemos muitos desses companheiros nossos que se entrincheiraram até muita das vezes quando falam parece que são a linha da frente do MPLA nas nossas hostes... Mas, de qualquer forma, não vamos perder tempo com isso, se foram financiados, alguns foram, também sentimos que a crise internacional varreu um bocadinho as empresas que foram criando e nesses últimos tempos o saco azul já não está a funcionar, mas de qualquer modo estes senhores têm de perceber que o povo não vai esperar por eles.
F8 – Como deputado, diz-se também que os debates são muito frouxos, não têm acutilância nem produtividade?
AKN – Não é bem assim, não posso falara pelos outros, mas sobretudo a bancada da UNITA tem se batido com engodo e galhardia e dizer mesmo que estamos de parabéns pelo grupo que temos e pela direcção do grupo que nós temos que tem sido muito bem orientado pela direcção do partido. Somos poucos, mas eficazes.
MPLA Reivindica a paternidade de Angola mas não é dono dela
F8 – Mas esta força não conseguiu fazer face à Rui Falcão que começou por insultá-lo, depois disse que a acção de greve de fome foi um exercício de “One Man Show”. Qual o seu comentário?
AKN – Tenho uma resposta muito pequena. Falcão é um mandatado. Eu dizia que o Rui Falcão não passa de um porta-bandeira e mais se o Rui Falcão estivesse na nossa pele, não estaria aqui, porque não é fácil viver na pele das pessoas que lutam contra uma ditadura, por isso o que ele diz e deixa de dizer é com ele... O mais importante é que estamos aqui na trincheira de defesa do nosso povo. O povo que está a ser oprimido pela destruição das suas casas, humilhado pela espoliação das suas terras, coarctados pelos seus direitos, aterrorizados por mortes desnecessárias, numa altura que estamos em paz. Desempregados ou empregados com salários baixíssimos, quando olhamos para algumas estruturas do Estado/ Governo, estruturas muito mal acabadas, muito mal feitas, tudo isso nos motiva a continuar a luta para que um dia tenhamos uma Angola que dignifica o próprio angolano.
F8 – Mas ainda assim a UNITA tem sido acusada de não ter um programa de governo, nem quadros capazes de serem alternativa…?
AKN – Primeiro, já temos estado a dizer que os quadros de Angola não são quadros do MPLA. Os funcionários não são propriedade do MPLA. Um dia vão trabalhar com a UNITA, com o PRS, com a FNLA ou um outro partido que vir a assumir o poder, pois são quadros da sociedade civil, porque até os quadros que estão nos partidos são a minoria. E não são os que estão aqui dentro, mas os que estão na diáspora. Temos muitos angolanos lá fora com uma formação muito refinada, um dia, todos eles quando sentirem que o país mudou, que o país permite segurança ao angolano, eles estarão aqui para dar o seu contributo para o engrandecimento de Angola. Sobre os programas que ostentam, se o programa que o MPLA tem é este, não vale a pena ter estudado. Casas descartáveis, estradas descartáveis, as pessoas roubam os bancos a toda hora e momento e ninguém diz nada. Os que roubam milhões andam a solta, os que roubam tostões, os coitados são exibidos como troféus na televisão.
F8 – É verdade que na sua qualidade de deputado está intimado a responder na Comissão de Ética do Parlamento.
AKN – Ainda não fui intimado, mas alertaram-me através da comunicação social, o presidente da Assembleia Nacional também dizia-me que tinham entrado documentos e a qualquer momento iriam chamar para responder na Comissão de Ética. A realidade é que há uma ditadura que quer impor-se sobre as pessoas, quer silenciar-nos a todos. Se eles querem utilizar a ditadura da maioria inventada para que eu perca o mandato de deputado, primeiro, eu não sou funcionário da Assembleia Nacional, eu sou funcionário do povo, fui eleito pelo povo. Também para dizer que, como deputados ou não, estaremos aqui na trincheira até que um dia de facto a ditadura seja extirpada do país.
F8 – Falando de ditadura, estando esta entrevista a ser feita no dia 22 de Fevereiro de 2011, data da morte de Savimbi, a UNITA sente-se órfã?
AKN – Quando vim para Luanda fui o último a aparecer. Cheguei no dia 07 de Maio. No aeroporto do Luena, o Coronel que lá encontrei, disse-me claramente: “General, estou aqui com as tropas com a missão de lhe levar vivo ou morto”. Pouco importa, os outros já cá estavam há mais de um mês, vim porque queria dar benefício da dúvida ao Presidente Eduardo dos Santos, porque no princípio precisava de alguém que fosse o pai dos angolanos, mas muito silenciosamente fui acompanhando o que se foi passando e após esses anos todos, compreendo porquê que José Eduardo dos Santos diz que ele é jogador de uma equipa e não de todos os angolanos.
F8 – Acha que assim é fácil e o jogador está pronto a aldrabar o árbitro.
AKN – As vezes cai, simula penalty e os juízes aqui marcam mesmo. Infelizmente José Eduardo dos Santos decepcionou-me porque colocou-se presidente de uma parte do MPLA, até nem é presidente de todo MPLA, apenas uma casta, aquela parte que ficou rica, que se endinheirou e não se contentando com isso, para melhor se proteger começou a impor a ditadura no país. Eu sinto que de facto, é necessário que surjam vozes que continuem a batalha…
F8 – Um Savimbi?
AKN – Não. O Doutor Savimbi foi no seu contexto, cumpriu com a sua missão generosamente e cumpriu também um homem como foi Holden Roberto. Mas estamos a falar do dia 22, data em que Savimbi desapareceu.
F8 – Agostinho Neto marcou também da melhor maneira a sua história?
AKN – Não o conheci bem, mas o 27 de Maio mancha imenso a sua história. O 27 de Maio foi fatídico e ele podia ter evitado isso como presidente de uma Angola que estava a nascer. E a mesma simulação do passado é a mesma que aplicaram em todos os momentos, que tentam aplicar agora, fazer crer que a UNITA cria a instabilidade e com isso justificarem a desgovernação.
F8 – Acredita mesmo na notícia que os antigos oficiais dos SINFO e dos SIM e de outros serviços ultra-secretos estejam a ser de novo recrutados?
AKN – As pessoas agora já têm outra consciência. Esses 9 anos de convivência, já deram para perceber que o MPLA mentiu muito sobre os homens e mulheres da UNITA. A UNITA da Jamba diluiu-se no seio da população, têm vizinhos, amigos e raríssimas vezes alguém se tivera queixado de um mau comportamento de alguém que realmente partilhou os ares na UNITA. Pelo contrário, são bons camaradas. Agora aqueles que beneficiam com este regime são eles que teimam com isso. Também nesta data, permita-me honrar a memória daquele que foi um grande combatente pela independência do nosso país, o mais velho Kalundungo que também faleceu hoje no município do Bailundo.
F8 – Qual a impressão que tem da sociedade civil?
AKN – Sinto que os próximos tempos serão decisivos e vão exigir maior concertação dos partidos de oposição com a sociedade civil e não só, elevar e elogiar o excelente e corajoso trabalho que vocês da Imprensa Privada têm desenvolvido, embora também muito penalizados, porque todos nós estamos interessados no mesmo objectivo, a mudança. Ai dos partidos na oposição que não perceberem a irreversibilidade desses ventos, porque a sociedade civil é maioritária e ela é que está metida em todo o sítio. Está na polícia, nas Forças Armadas, no sector público, o pai é militar, mas os filhos e a mulher são da sociedade civil, percebem as frustrações e os desejos daquela gente. É preciso incluirmos toda esta gente numa única frente que é mesmo necessário e que se faça com muita urgência.
F8 – Luisete Macedo Araújo coloca-se como uma militante fervorosa contra Dos Santos e foi uma das primeiras a se solidarizar em público com a vossa greve de fome. O género nesses casos tem alguma importância especial?
AKN – Primeiro quero felicitá-la por esta forma corajosa de actuar e como também outras mulheres apareceram, muito embora não se tenham manifestado de forma mais visível como é o caso da presidente do Grupo Parlamentar da UNITA Alda Sachiambo, a Dina Jamba e outras pessoas. Mas quero crer que a mulher trás muitas virtudes para a política. E tenho dito que atrás de uma mulher há uma criança e esta perspectiva faz com que a mulher tenha uma sensibilidade mais humana pelos problemas que grassam pelo país. Mesmo dentro do MPLA, tenho certeza que há senhoras da OMA muito conscientes da gravidade do problema.
F8 - Que opinião tem de uma outra mulher bastante acutilante na defesa do seu partido, a deputada Joana Lina. Dizem que não é desta vertente. Foi uma das poucas que tivera ameaçado caso a UNITA organizasse manifestação para o apoiar, dizia que seria a oportunidade para dizimar a UNITA!
AKN – Infelizmente também é uma outra pessoa de que não gosto falar, pois esta senhora quando eu fiz o meu pronunciamento sobre as datas nacionais, ela mandou-me um recado através de terceiros a dizer que a próxima se voltar a falar da mesma maneira, iria atirar-me um sapato. Primeiro é plágio, segundo se vier de pés tortos e com chulé, não gostaria muito. Para dizer que na última reunião dos líderes quando lhe disseram que eu estava em greve de fome, desejou-me morte. Dizia: “Se ele quer morrer que morra”. Aquela senhora é venal é só ver a forma como tentou tratar um seu companheiro de partido, o senhor Marcolino Moco, mas o MPLA tem senhoras muito mais competentes para aquele lugar.
F8 – Para terminar. Embora os tempos sejam outros, se lhe acontecesse o que sucedeu a Lech Valessa de sindicalista convidado a tomar as rédeas da presidência, aceitaria?
AKN – Não. Não gosto de ser governante. Tenho no meu sangue apenas uma força revolucionária.
F8 – Mas já leu a vida e obra do polonês Lech Valessa, até tomar o poder. Por outro lado, como é que perspectiva resolver os problemas do povo se não ambiciona alcançar o poder?
AKN – Eu nasci no dia 31 de Agosto, sou do signo Virgem; no nosso signo somos muito sensíveis ao sofrimento das pessoas por isso nos atiramos muito por estas coisas com muita paixão e total desinteresse. Se é uma fraqueza, aceito de bom grado, mas gostamos de organizar as coisas para os outros.
F8 – Assim vai ser sempre pobre?
AKN – Pobre! O que é que eu faço? Acordo, alimento-me todos os dias, venho para o trabalho, estou a fazer um esforço danado para que os meus filhos estejam todos formados e se estes quiserem um dia dar o passo de riqueza, que procurem.
F8 – Não vai na linha dos outros que primeiro é preciso ter riqueza para depois fazer política?
AKN – Na minha idade não me preocupo com isso. Na minha idade a maior riqueza que quero deixar é a Angola para os angolanos, a democracia e uma rosa na mão de cada filho, esta é uma paixão.
F8 – M´fuka Muzemba surgiu como presidente da JURA, protagonizando um facto inédito, ser um jovem do norte?
KN – O M'fuka tem toda a simpatia e apoio da direcção do partido. Ele chegou onde chegou graças o apoio, também da direcção, portanto nós quisemos dar um outro sentido a nossa existência como partido na mobilização da camada juvenil com jovens que conhecem este espaço. Ele viveu aqui, conhece isto, é esta juventude que vai protagonizar as grandes mudanças nos próximos tempos e, por isso ele está de parabéns e vai aprendendo, caindo muitas vezes, mas temos a certeza que está bem encaminhado.
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