quarta-feira, 9 de março de 2011

Aqui escrevo eu. O poder corrompe e cega, salve-nos Deus dos horrores e pastores da prata



William Tonet

O território está em ebulição.

Cheira a "cheiro", diz o autóctone, que tem a escola como miragem e o Kuduro como universidade dada pelo regime.

Cheira mesmo a qualquer coisa… e no ar.

O que é, todos sabemos! O odor é traiçoeiro, tem semelhanças com o afinar de baionetas, quais traiçoeiras companheiras, prestes a penetrar nos milhões de corpos inocentes que apenas pretendem abandonar o peso da FOME, da falta de EDUCAÇÃO, SAÚDE e EMPREGO. Tudo isso é preceitos que carregam em si a legitimidade de qualquer povo. E tanto assim é, que os actuais dirigentes, jovens irreverentes do seu tempo (1960), a sua maioria, mesmo sendo negros, já estudaram em liceus coloniais de referência como o Salvador Correia, onde estudou o actual Presidente da República, José Eduardo dos Santos – hoje quantos filhos de canalizadores, carpinteiros, mecânicos, alfaiates, trabalhadores da EDEL, EPAL, Maria Pia, conseguem estudar numa escola como esta – e decidiram partir para os húmus libertários, carregando sonhos de derrubar a máquina monstruosa da ditadura de António de Oliveira Salazar.

Na bagagem tinham a arma da utopia de um dia Deus poder ouvir os seus clamores de liberdade e ajudar o seu povo a abandonar a escravatura. Tardou, mas o Senhor todo poderosos ouviu essas preces e abençoou o esforço em prol da liberdade, tanto, que fez partir o colonialismo em 1975, tendo sido então instaurado um regime novo com ex-guerrilheiros sem qualquer experiência administrativa de Estado a assumirem o poder, comprometendo-se a trabalhar para alterar o nível de vida dos angolanos, devolvendo-lhes a terra e os sonhos negados durante os 500 anos de presença colonial portuguesa.

Estes jovens revolucionários eufóricos de ontem, são os dirigentes de hoje, com um curriculum de 35 anos de poder. Nesse período, fizeram e geriram a guerra e a paz e o povo, que, ao longo da caminhada, vem vivendo da frustração, da expectativa e das milhões de promessas não cumpridas por parte de quem jurou fazer melhor que o colonialismo português...

O resultado, mesmo descontando a guerra civil, é francamente confrangedor, pois enquanto uns poucos, menos de 1% (dirigentes no poder), aumenta os milhões de dólares nas suas contas, fruto do roubo aos cofres públicos, milhões de cidadãos morrem ou definham à fome, por não terem pão, nem água, para comer e beber.

Esta é a principal estatística dos revolucionários de ontem, que hoje, para se manterem no poder, tal como o regime de Salazar, pensam que a demonstração de força, a arrogância, e não a negociação, são a solução. Esta não é nem será nunca a solução, pois a miopia consciente redunda não só em cegueira, mas também em paralisia mental. Olhar para os seus umbigos inflamados pelos milhões de dólares deixando os do povo à provação de todas as fomes e sedes inimagináveis não pode gerar outro sentimento senão o de revolta, lutando pela mudança de atitude do regime. Não entender isso é como assumir, claramente, uma mentalidade neocolonialista.

Tanto assim é que, parecendo bons alunos de Salazar e Caetano, alguns dirigentes também, apelam às igrejas para, em troca de algumas moedas de ouro, agirem como Judas em sua defesa. E, infelizmente, certos pastores e padres, numa conversão ímpia, aceitam, pela calada da noite, receber dólares de sangue e da corrupção, para converter a confissão dos crentes, em informação letal para os serviços de Segurança do regime...

Assim, aqueles que para os crentes constituíam uma reserva moral, juntaram-se à procissão da arrogância e da insensibilidade. Este comportamento leva-nos a rememorar o passado em que muitos responsáveis religiosos prestaram-se ao trabalho sujo da PIDE-DGS (polícia secreta de Portugal), vendendo os fiéis angolanos ao regime colonial.

O povo sofredor de Angola, merecia melhor depois de tanto sofrimento, mas vê todos os dias perder as referências e a guerra não pode justificar todas as insuficiências, má gestão pública e corrupção. É isso que os jovens de hoje reclamam e se propõem protestar, no resgate de mais LIBERDADE, JUSTIÇA, DEMOCRACIA, MELHOR DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA ANGOLANA, etc.

É verdade que o regime reagiu em força contra o anúncio da manifestação do 7 de Março, ameaçando bater em todos aqueles que, ao abrigo dos seus direitos constitucionais, ousassem protestar. Ela não vai sair, publicamente, mas na realidade a sua mensagem transbordou as fronteiras do país, despertando tudo e todos: FORTES E FRACOS, CORAJOSOS E COBARDES. A partir deste momento, todos sabem que os povos de Angola já não são o mesmo e o regime também. Enquanto um exalta o JUSTO, o outro hasteia a ARROGÂNCIA e, mesmo não saindo na data, ela vai realizar-se num dia de um mês qualquer de um ano a nascer..., mas vai sair. Tanto que, na bestialidade da política, quem antes proibiu e ameaçou bater eventuais manifestantes, vai manifestar, não sob a ameaça de golpes de matracas e tiros, mas sob aplausos e protecção da polícia, abrindo o flanco e demonstrando que, afinal, para o regime Angola, qual uma monarquia, é uma coutada privatizada do Presidente da República e do MPLA.

É verdade que o partido no poder pode meter na sua marcha milhões de angolanos, sendo sócio de todas as empresas de bebidas. Porém, seguramente, a maioria destes populares não estará na manifestação do regime por terem simpatia e entrega à sua causa, têm é fome e vão garantir os empregos e a ameaça de desemprego que sobre eles pesará se não se fizerem presentes.

Afinal, qual ditadura, desde César a Hitler, Salazar, Mussolini, Brejnev e outros, é que não conseguiu, num estalar de dedos, mobilizar as pessoas? Não seria ditadura! Logo, o actual, regime de Angola não pode fugir à regra, depois de ter controlado e privatizado todo o património do Estado.

A manifestação não vai sair, mas seguramente, o povo angolano, também já não é o mesmo e o Presidente José Eduardo dos Santos e o MPLA, estão, com o extremar de posições, a cavar ainda mais fundo o poço da contradição, quando deveriam abrir as comportas do diálogo, abandonando a ilusão de uma maioria de pés de barro, para todos assumirem o compromisso das reformas que se impõem numa transição pacífica. Agindo ao contrário, com violência, pode ser que, não sendo como na Tunísia, no Egipto, na Líbia ou no Iémen, Angola venha a assemelhar-se ao Zaire de Mobutu ou à Libéria. E bem podemos evitar isso agora.

Com HUMILDADE E INTELIGÊNCIA.

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