Publicamos hoje um texto do sociólogo de nacionalidade portuguesa António Barreto, relacionado com uma comunicação interna endereçada pelo Almirante Rosa Coutinho ao Dr. Agostinho Neto no dia 22 de Dezembro de 1974, ao tempo em que o primeiro era Alto Comissário para os assuntos do Ultramar de Portugal.
O teor dessa missiva é deveras revelador da crueldade que uma situação de guerra pode engendrar e albergar, mesmo que ela ainda seja apenas latente, como é o caso, pois estamos em vésperas da Dipanda de Angola, ou melhor, vésperas das negociações de paz (utópicas) que estão na origem da guerra civil entre os irmãos angolanos do MPLA, FNLA e UNITA.
De notar que esta análise de António Barreto é perfeitamente consentânea com outros escritos sobre o mesmo tema, corroborados, a posteriori, por testemunhos diversos.
O que aí está escrito é tremendo, tão ferino que chega e sobra para justificar as dúvidas que pesam sobre a sua origem, ou seja, ter sido escrito por um homem de educação superior e titular do mais alto posto da marinha de guerra portuguesa.
Porém, é um facto que o papel da missiva dirigida a Agostinho Neto, no qual o referido texto foi escrito, é, sem sombra de dúvidas, um documento oficial, com carimbo branco em uso na administração portuguesa; é também um facto, ele ter sido escrito nas vésperas do término da missão do Alto-comissário; é um facto, a estratégia preconizada ter sido posta em prática; é um facto, a assinatura a tinta corresponder à do Almirante Rosa Coutinho; como é um facto que este favoreceu alta e poderosamente os interesses superiores do MPLA. Mas ainda há quem diga que o documento é falso.
«(…) O livro publica, em fac simile, uma carta do Alto-Comissário (em papel timbrado do antigo gabinete do Governador-geral) dirigida, em Dezembro de 1974, ao então Presidente do MPLA, Agostinho Neto, futuro presidente da República.
(…) Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos. Tão arreigados estão à terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir».
Leiam, é aterrador.
A VERDADE DA HISTÓRIA CHEGA SEMPRE TARDE!
Portugal País de homens sem HONRA e sem Vergonha que nunca julgou Rosa Coutinho e outros seus iguais.
domingo, 13 de Abril de 2008
Angola é nossa !
Holocausto em Angola' não é um livro de história. É um testemunho. O seu autor viu tudo, soube de tudo.
Só hoje me chegou às mãos um livro editado em 2007, Holocausto em Angola, da autoria de Américo Cardoso Botelho (Edições Vega). O subtítulo diz: 'Memórias de entre o cárcere e o cemitério'. O livro é surpreendente. Chocante. Para mim, foi. E creio que o será para toda a gente, mesmo os que 'já sabiam'. Só o não será para os que sempre souberam tudo. O autor foi funcionário da Diamang, tendo chegado a Angola a 9 de Novembro de 1975, dois dias antes da proclamação da independência pelo MPLA. Passou três anos na cadeia, entre 1977 e 1980. Nunca foi julgado ou condenado. Aproveitou o papel dos maços de tabaco para tomar notas e escrever as memórias, que agora edita. Não é um livro de história, nem de análise política. É um testemunho. Ele viu tudo, soube de tudo. O que ali se lê é repugnante. Os assassínios, as prisões e a tortura que se praticaram até à independência, com a conivência, a cumplicidade, a ajuda e o incitamento das autoridades portuguesas. E os massacres, as torturas, as exacções e os assassinatos que se cometeram após a independência e que antecederam a guerra civil que viria a durar mais de vinte anos, fazendo centenas de milhares de mortos. O livro, de extensas 600 páginas, não pode ser resumido. Mas sobre ele algo se pode dizer.
O horror em Angola começou ainda durante a presença portuguesa. Em 1975, meses antes da independência, já se faziam 'julgamentos populares', perante a passividade das autoridades. Num caso relatado pelo autor, eram milhares os espectadores reunidos num estádio de futebol. Sete pessoas foram acusadas de crimes e traições, sumariamente julgadas, condenadas e executadas a tiro diante de toda a gente. As forças militares portuguesas e os serviços de ordem e segurança estavam ausentes. Ou presentes como espectadores.
A impotência ou a passividade cúmplice são uma coisa. A acção deliberada, outra. O que fizeram as autoridades portuguesas durante a transição foi crime de traição e crime contra a humanidade. O livro revela os actos do Alto-Comissário Almirante Rosa Coutinho, o modo como serviu o MPLA, tudo fez para derrotar os outros movimentos e se aliou explicitamente ao PCP, à União Soviética e a Cuba. Terá sido mesmo um dos autores dos planos de intervenção, em Angola, de dezenas de milhares de militares cubanos e de quantidades imensas de armamento soviético. O livro publica, em fac simile, uma carta do Alto-Comissário (em papel timbrado do antigo gabinete do Governador-geral) dirigida, em Dezembro de 1974, ao então Presidente do MPLA, Agostinho Neto, futuro presidente da República. Diz ele: 'Após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas do PCP, resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à segunda fase do plano. Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o colonizador? Camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando e incendiando, a fim de provocar a sua debandada de Angola. Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos. Tão arreigados estão à terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir. A FNLA e a UNITA deixarão assim de contar com o apoio dos brancos, de seus capitais e da sua experiência militar. Desenraízem-nos de tal maneira que com a queda dos brancos se arruíne toda a estrutura capitalista e se possa instaurar a nova sociedade socialista ou pelo menos se dificulte a reconstrução daquela'.
Estes gestos das autoridades portuguesas deixaram semente. Anos depois, aquando dos golpes e contragolpes de 27 de Maio de 1977 (em que foram assassinados e executados sem julgamento milhares de pessoas, entre os quais os mais conhecidos Nito Alves e a portuguesa e comunista Sita Valles), alguns portugueses encontravam-se ameaçados. Um deles era Manuel Ennes Ferreira, economista e professor. Tendo-lhe sido assegurada, pelas autoridades portuguesas, a protecção de que tanto necessitava, dirigiu-se à Embaixada de Portugal em Luanda. Aqui, foi informado de que o vice-cônsul tinha acabado de falar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Estaria assim garantido um contacto com o Presidente da República. Tudo parecia em ordem. Pouco depois, foi conduzido de carro à Presidência da República, de onde transitou directamente para a cadeia, na qual foi interrogado e torturado vezes sem fim. Américo Botelho conheceu-o na prisão e viu o estado em que se encontrava cada vez que era interrogado.
Muitos dos responsáveis pelos interrogatórios, pela tortura e pelos massacres angolanos foram, por sua vez, torturados e assassinados. Muitos outros estão hoje vivos e ocupam cargos importantes. Os seus nomes aparecem frequentemente citados, tanto lá como cá. Eles são políticos democráticos aceites pela comunidade internacional. Gestores de grandes empresas com investimentos crescentes em Portugal. Escritores e intelectuais que se passeiam no Chiado e recebem prémios de consagração pelos seus contributos para a cultura lusófona. Este livro é, em certo sentido, desmoralizador. Confirma o que se sabia: que a esquerda perdoa o terror, desde que cometido em seu nome. Que a esquerda é capaz de tudo, da tortura e do assassinato, desde que ao serviço do seu poder. Que a direita perdoa tudo, desde que ganhe alguma coisa com isso. Que a direita esquece tudo, desde que os negócios floresçam. A esquerda e a direita portuguesas têm, em Angola, o seu retrato. Os portugueses, banqueiros e comerciantes, ministros e gestores, comunistas e democratas, correm hoje a Angola, onde aliás se cruzam com a melhor sociedade americana, chinesa ou francesa.
Para os portugueses, para a esquerda e para a direita, Angola sempre foi especial. Para os que dela aproveitaram e para os que lá julgavam ser possível a sociedade sem classes e os amanhãs que cantam. Para os que lá estiveram, para os que esperavam lá ir, para os que querem lá fazer negócios e para os que imaginam que lá seja possível salvar a alma e a humanidade.
Hoje, afirmado o poder em Angola e garantida a extracção de petróleo e o comércio de tudo, dos diamantes às obras públicas, todos, esquerdas e direitas, militantes e exploradores, retomaram os seus amores por Angola e preparam-se para abrir novas vias e grandes futuros. Angola é nossa! E nós? Somos de quem?
Caro autor do blog, Você vai passar a ser conotado como reaccionário pró-colonialista pelas mentes bem falantes e bem pensantes de Portugal e de Angola.
ResponderExcluirOu será mesmo ingenuidade da sua parte? Como jornalista não sabia do que se tinha passado?
Há muito boa gente, quer em Angola, quer em Portugal, que entre suspeições mais leves ou mais pesadas, ou mesmo com certezas muito concretas, sabia que algo de podre se tinha passado.
Eu numa visita que fiz a Luanda no início da década de 90 apercebi-me de um certo mal estar por parte de muito boa gente, boa gente de facto, não "boa gente", pois houve ali por altura de finais da década de 70 uma revoada de pessoal que "se pôs" a andar de Angola. Na altura cheirou-me a esturro e como tinha familiares em Luanda naqueles malfadados anos comecei a aperceber-me de que havia temas tabus.
Houve inclusive grandes defensores dos "métodos revolucionários" que viram as turmas a quem davam aulas na universidade reduzidas a dois ou três alunos. Dos outros nunca mais se soube de nada. E por isso também alguns desses adeptos dos "métodos revolucionários" se puseram a andar na primeira oportunidade.
Com esta "brincadeira", quer em 74-75, quer depois em 77-78, destruiu-se a possibilidade de ter uma geração de angolanos, de todas as cores de pele e culturas e mesmo ideologias políticas, com potencial cultural e cívico que poderia ter conduzido o país por outros caminhos, que não os ínvios que vieram a ser percorridos em 3 décadas.
E concordo consigo, os principais responsáveis por tamanha porcaria passeiam impunemente a sua abjecta importância por Angola e Portugal.