sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

REPORTAGEM. Em França, a roda mundial onde a política francesa abraça Angola


Cheguei em França aos 19 de Novembro, uma sociedade totalmente virada para o futuro, vindo de Angola ainda retrógrada, agarrada a um modelo de evolução comprometido com o passado, marcando passo e cavando buracos e covas fúnebres. Cheguei numa sociedade aberta, onde os brancos, desculpem-me pela deselegância, os racionalmente evoluídos, colocam tudo por cima da mesa. Onde o segredo é tudo quanto ainda não foi pensado e não manobras contraproducentes urdidas pelos governantes; França onde as questiúnculas de polichinelo são postas de lado e só o válido é questionável. Claro, nem tudo é perfeito, mas quase!

Félix Miranda

Aqui tudo se debate, as ideias são concertadas por todos, provêm da sociedade civil onde o debate é fulminante, sobem os degraus para as elites políticas, alinhavam-se os princípios e chegam já em espécie de ante-projectos nos palcos dos debates televisivos e em directo são colocadas para se limarem apenas algumas arestas. Uma vez aprimoradas, são canalizadas para os deputados que as traduzem em verdadeiros ante-projectos, estes submetidos para serem ratificados antes de se transformarem em leis pela Assembleia ou directivas e diplomas pelas autoridades competentes. Isto não é farsa, é uma realidade locomotora de sociedades cuja luta titânica tem como meta de partida o bom e de chegada o óptimo.

Segunda – feira, 22 de Novembro, no Programa (MotsCroisés de Yves Calvi) do Canal França Televisão, assistimos a um debate de ideias (construtivas) _ já que “a discussão, como se sabe é uma troca de ignorância”. Como protagonistas estavam François Coupé, actual líder do UMP - partido do Presidente Sarkozy, um responsável do PS, a actual presidente da FN- Frente Nacional - Marine Le Pen, a Responsável do Partido dos ecologistas - Cecile Duffot, um do Partido Radical de Jean Louis Borloo e o criminologista - Alain Bauer. Trocavam opiniões e críticas com a máxima transparência em volta do tema sobre Delinquência e as políticas do Governo para sua erradicação; as inconveniências e a eficácia exigida. Obviamente o visado era Sarkozy, na qualidade de Presidente da República. O “Sua Excelência Senhor Presidente, Doutor Sarkozy”, ficava de lado. Nessas sociedades vai-se directo ao assunto: o Sarkozy, claro, sempre mantendo o rigor do civismo que não pode se sobrepor ao direito de “Dizer Não” por parte dos cidadãos e a obrigação de Bem Servir do Presidente. Os tráficos de drogas, a legalização ou não do Canabis, as penas a aplicar, as leis da violência impostas pelos bandidos, a ausência de polícias em zonas reputadas perigosas ou o excesso de câmaras de vigilância pelas ruas, tudo passado a rigor com a maior normalidade pelos intervenientes, sem interrupção absurda do jornalista animador.

E não é só. Pelo meio fazia-se a apresentação de livros publicados, comentavam-se os sujeitos neles desenvolvidos, faziam-se chegas, tiravam-se elações quanto ao contributo destes para moral da sociedade ou propostas para governação. Debateu-se ainda sobre os prós e contras da privatização de alguns sectores e serviços do Estado, as razões do porquê e a metodologia utilizada para os concursos públicos; falou-se da problemática dos impostos, das taxas e o preço dos produtos; as comissões ad-hoc criadas para fiscalizar ou inquerir anomalias ou irregularidades de contratos ou gestões de programas; debate-se normalmente sobre as reformas, o G-20, a crise dos bancos na Irlanda e a guerra das moedas entre europeus, chineses e americanos. Mas, na boca dos cidadãos é a convocação das greves pelos sindicatos que cada um a seu jeito e na sua lógica, junta forças à de outros e se batem todos pelo comum: “contra a exploração e o aproveitamento indevido da força de trabalho pelos patrões, inclusive o Estado”.

O atentado de Karachi

E como hoje na Europa ou melhor no Ocidente, difícil é divisar a linha que separa o Segredo de Estado com o assunto de sociedade, pois tudo evoluiu no tempo e no espaço civilizado, durante o dia e nos noticiários a Manchete era o Dossier de Karachi e o Financiamento ilícito da Campanha de Edouard Balladur em 1995 quando disputou a presidência com Jacques Chirac e que copiosamente Nicolas Sarkozy, actual presidente francês era Ministro das Finanças e Porta-voz de Balladur, enquanto Dominique de Villepin era o Ministro da presidência de Jacques Chirac.

O Dossier conhecido como Karachi, hoje mais do que nunca, passou a ser incendiário_ pese embora seu fio condutor remontar a 1995, por envolver o actual Chefe de Estado. E como aqui a justiça não se compadece, veio novamente a tona para se encontrar os verdadeiros culpados, se requerer as devidas indemnizações e se denunciar carapuças das ditas retrocomissões ou as famosas gasosas ‘chorudas’.

Efectivamente foi em 1993 que tudo começou ou parece ter começado, isto se se provar por factos a implicação do Contrato dos sub-marinos no atentado de Karachi que provocou a morte de 11 engenheiros franceses.

Portanto, em 1993, inicia-se um ciclo de negociações para a compra de três sub-marinos franceses do tipo Agosta-90-B, pelo Paquistão, cujo valor viria a ser liquidado antecipadamente. O acordo foi rubricado aos 21 de Setembro de 1994, entre a Direcção de Construção Naval (DCN) de França e o Exército paquistanês.

Do valor correspondente, como comissão secreta saída do contrato assinado, 84 milhões de euros, ou seja 10,25% do contrato caíram nas mãos de Nicolas Sarkozy, que segundo denúncias, utilizou grande parte para financiar a campanha de Balladur em 1995. O dinheiro transitou via Luxemburgo. Mas se fosse só este o caso, não daria assim tanto alarido. De acordo com os Jornais Express e Parisien, o burburinho de hoje, é o linkage que se pretende fazer entre o referido Contrato e o atentado de Karachi no Paquistão de 08 de Maio de 2002 contra o Bus que transportava engenheiros franceses (técnicos dos submarinos) tendo provocado a morte de 11. Porquanto, e de acordo com as investigações e os relatos pronunciados pelo então Ministro da Defesa francês Charles Millon, há fortes probabilidades do atentado não ter sido perpetrado pelos islamitas como se faz crer, mas sim orquestrado como consequência do descontentamento de oficiais do Exército do Paquistão pelo facto dos intervenientes franceses não terem honrado parte do contrato que consistia em depositar um pedaço da comissão para os paquistaneses. É neste argumento em que se apegam as famílias das vítimas e seu advogado Mestre Olivier Morice que evoca “Mentiras de Estado” e acusa o Presidente Sarkozy de estar no centro de “Um sistema de corrupção”. Sarkozy por sua vez descarta qualquer ligação entre os dossiers, atendendo ao facto do contrato ter sido assinado em 1994 e o atentado se ter produzido em 2002.

Entre dossiês confidenciais, secretos e ultra-secretos ou sensíveis de Segurança de Estado, muito pouca margem de manobra para o governo, sobretudo quando se interpõe o temerário Juiz Renaud Van Ruymbeke que dia 23 de Novembro, não hesitou em efectuar uma irrupção no Palácio presidencial e vistoriar os arquivos para encontrar documentos e facturas comprometedoras.

A coberto de todo este barulho, o novo governo de Sarkozy, sempre chefiado por François Fillon – 1° Ministro, fruto das remodelações tradicionalmente efectuadas quando se chega ao meio mandato, apresentava em Assembleia e para partilhar com todos os deputados, inclusive da oposição, as linhas de principio dos programas do governo até 2012, ao mesmo tempo que a CGT - Sindicato dos trabalhadores organizava uma manifestação de greve dos trabalhadores e guardas das penitenciárias e casas de reclusão.

Conclusão

Para dizer que é supérfluo, até mesmo inopinado argumentar que a sociedade africana, no nosso caso a angolana, não está preparada para isso. O contrário, os nossos dirigentes é que continuam taciturnos e caprichosos, exibem o fato e a gravata, ostentam opulência, quando a realidade dos seus actos de governação, parece ainda da idade média.

Sem dúvida a África está a evoluir, mas com muitos défices daquilo que é a cultura da civilização democrática. O africano, apesar da caricatura de “Beau garçon” exibida pelos chefes endinheirados no mostruário das tribunas do mundo ocidental, continua preterido, desvalorizado e desprezado por outros povos. A culpa é sempre dos chefes. Ontem, na era colonial foi dos reis que se deixaram impressionar pelo espelho, a Cruz de Cristo e as missangas, hoje na era das independências, é dos dirigentes políticos que obcecados pelo poder, se deixam corromper, massacrando os valores identitários e o espírito humanista que desde os séculos caracterizaram o africano.

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