segunda-feira, 9 de agosto de 2010

RAFAEL MARQUES. “acto administrativo que padece do vício de desvio de poder por motivo de interesse privado”


Novatel (5%)
Sócio
Função
Hélder Bruno da Gama Bento
Paula Sammer Pinto Jorge
Aurélio Vimbuando Muelecumbi
Onezandro Catinhe Mauro Santos Piedade
Marília da Conceição dos Santos Kissuá

A atribuição de uma quota à Novatel, na privatização da Movicel, é mais uma prova de desvio do património público em prejuízo do Estado. A Novatel foi criada a 29 de Abril de 2009, após apresentação do parecer da Comissão de Negociação da Movicel e três meses antes do anúncio formal das empresas beneficiárias, pelo Conselho de Ministros.
À data da privatização formal da Movicel, os sócios da Novatel, acima descritos, não apresentavam individual ou solidariamente quaisquer investimentos que os identificassem como empresários. Apesar das objecções de uma das figuras citadas em assumir a sua participação no negócio, devido à existência de expedientes jurídicos para encobrir os verdadeiros accionistas, as acções da Novatel são nominativas.
Tal como os estatutos obrigam (art. 5, 1), as acções têm titulares precisos e determinados, conforme a lista acima descrita. Para todos os efeitos, são formalmente responsáveis pelos deveres e obrigações decorrentes da titularidade das acções, sendo portanto os titulares das mesmas accionistas formais.
Anotações sobre a Movicel

Os nomes revelados nas estruturas accionistas das empresas a favor das quais o Conselho de Ministros privatizou a Movicel revelam, de forma clara, a mentira do governo sobre o assunto. Não se trata de um negócio sedimentado numa estrutura do empresariado nacional e muito menos de grupos com recursos financeiros para contribuir para o tesouro nacional face “à crise financeira mundial”, conforme argumento oficial acima referido. A urgência a que o governo aludia para gerar fundos para os cofres do Estado também é um engodo, pois não há qualquer confirmação oficial e pública do pagamento dos 200 milhões de dólares ao Estado, como é regra. Por outro lado, vários economistas estimam que a Movicel, mesmo na venda a saldos, vale vezes mais do que o valor estabelecido pelo governo. Trata-se de um expediente de alienação do património do Estado a favor de desígnios privados geridos pelo chefe da Casa Militar do Presidente da República em cumplicidade com outros órgãos de influência junto da presidência e dos titulares do Ministério das Telecomunicações e Tecnologias de Informação acima mencionados.
Os membros do governo e altos oficiais da Presidência da República incorrem, de acordo com a Lei da Probidade Pública, em diversas ilegalidades. O princípio da probidade pública impede o agente público, para o caso, de aceitar empréstimos, facilidades ou ofertas que possam afectar “a independência do seu juízo e a credibilidade e autoridade da administração pública, dos seus órgãos e serviços”.
A privatização da Movicel revela-se, sem escrúpulos, numa benesse concedida pelo chefe do governo, o Presidente José Eduardo dos Santos, aos seus subordinados.

Um jurista, que preferiu escrever sob o anonimato, descreve a privatização da Movicel como um “acto administrativo que padece do vício de desvio de poder por motivo de interesse privado”. Segundo o jurista, esse desvio ocorre “quando a administração não prossegue um fim de interesse público, mas um fim de interesse privado – por razões de parentesco, de amizade (…), por motivos de corrupção, ou quaisquer outros de natureza particular”.
Enquanto empresa pública, a Movicel era uma das empresas mais rentáveis e mais bem organizadas do Estado, com mais de 2.5 milhões de clientes. A privatização da Movicel não contribui para a sua maior eficiência ou em mais receitas para os cofres do Estado. Todavia, o acto desencoraja a competitividade do mercado e o empresariado nacional por reforçar o controlo do sector privado por parte dos governantes que assumem a dupla função de empresários, através da pilhagem do património público.

O jurista acima referido considera, logo à partida e muito bem, sobre a nulidade da privatização da Movicel, que “a falta de concurso público, quando legalmente exigível, torna nulo o procedimento e o subsequente contrato, por preterição de um elemento essencial (Artigos 76º, nº 2, alínea f) e 127º do Decreto-Lei nº 16-A/95, de 15 de Dezembro)”. O argumento do jurista é o seguinte:
“Estatui o Artigo 77º do mesmo diploma legal que: 1. O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade. 2. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal”.

Outrossim, os agentes públicos, acima descritos como beneficiários da privatização da Movicel, cometem um acto conducente ao enriquecimento ilícito de acordo com a Lei da Probidade Pública (art. 25º, a) por recebimento de percentagem num negócio privado com o Estado. Os mesmos agentes cometem ainda actos lesivos ao património público, segundo a Lei da Probidade Pública (art. 26º, 2, a) por integrarem, no seu património particular, uma empresa pública.
Outra questão grave, na privatização da Movicel, tem a ver com a natureza do regime que depende, de modo extremo, dos serviços de segurança ao contrário dos preceitos do Estado de direito. As telecomunições são uma área muito sensível para os serviços de inteligência e fundamentais no processo de vigia e controlo das relações entre os cidadãos. O controlo privado das duas operadoras de telemóveis no país, por parte do círculo presidencial, reforça o poder privado e caprichoso de controlar, através de escutas arbitrárias e outros mecanismos malsãs, a liberdade de expressão dos cidadãos. O general Leopoldino Fragoso do Nascimento, chefe de comunicações da presidência, é accionista da Unitel, através da Geni, que detém 25% do capital da operadora.

Banco Espírito Santo Angola
A 10 de Dezembro de 2009, a empresa Portmill, Investimentos e Telecomunicações (vide tabela acima), com oficiais
afectos à Casa Militar da Presidência da República à testa, realizou a compra de 24% das acções do Banco Espírito Santo Angola (BESA) por 375 milhões de dólares.
O Banco Espírito Santo (Portugal) mantém a sua posição como accionista maioritário, com 51,94% do capital social.
No entanto, o Banco Espírito Santo tem evitado pronunciar-se sobre a sua relação com os accionistas da Portmill, escusando-se a responder às questões submetidas pelo jornal português Público sobre o assunto.
A 19 de Julho, após conversa telefónica, o autor endereçou ao gabinete de imprensa do BES as seguintes questões: “Como pode o BES ter concretizado um negócio de 375 milhões de dólares com um grupo de oficiais militares no activo? Não questionou a proveniência dos fundos para o negócio e a licitude do acto?” O gabinete de comunicação do BES respondeu que as questões devem ser remetidas ao BESA, como instituição autónoma. Todavia, o autor insistiu junto da mesma entidade, sem sucesso, em perguntar porque o titular das acções vendidas à Portmill Investimentos e Telecomunicações foi o BES.

Esse negócio levanta duas questões pertinentes. Primeiro, sobre a origem dos fundos que os militares no activo, como legítimos proprietários da empresa, desembolsaram para a realização do negócio. Segundo, coloca o banco português, liderado por Ricardo Salgado, numa potencial situação de branqueamento de capitais adquiridos de forma ilícita, porventura pilhados ao Estado angolano.
Os oficiais da Casa Militar e da Unidade de Guarda Presidencial têm duas vias para a realização de capital, por posse de património ou por recurso a empréstimo bancário.
Do ponto de vista legal estas duas opções alertam para os limites materiais estabelecidos por lei. O agente público está proibido de solicitar ou aceitar empréstimos “que possam pôr em causa a liberdade da sua acção, a independência do seu juízo e a credibilidade e autoridade da administração pública, dos seus órgãos e serviços” (Lei da Probidade Pública, art. 5º).

A sociedade angolana desconhece que os novos parceiros do Banco Espírito Santo sejam herdeiros de fortunas familiares ou alguma vez tenham seguido uma carreira privada, como fonte de riqueza pessoal. Excluída a possibilidade de posse de património lícito na ordem das centenas de milhões de dólares, resta a possibilidade de empréstimo. Conforme a lei acima referida, a concessão de um empréstimo bancário avultado a oficiais superiores do exército angolano, com a tarefa de garantir a protecção física do Presidente da República e da presidência em geral, levanta sérias questões de segurança nacional e física do mais alto magistrado da nação. Essa questão merecerá comentários adicionais no capítulo referente às conclusões.

Por outro lado, a Lei da Probidade Pública estabelece como acto de enriquecimento ilícito (art. 25º, g) “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do património ou à renda do agente público”.
Nem o Banco Espírito Santo, uma entidade idónea e de reputação internacional nem a Casa Militar do Presidente da República estão em condições de explicar a proporcionalidade dos vencimentos dos oficiais das Forças Armadas Angolanas, em questão, com a grandeza da parceria assinada.

Todavia, o chefe da Casa Militar e ministro de Estado, general Kopelipa, o general Leopoldino Fragoso do Nascimento, seu principal colaborador, e Manuel Vicente devem responder publicamente sobre a transacção das acções da Portmill. Por que razão, enquanto proprietários, transferiram a titularidade da Portmill a membros da Guarda Presidencial? Nessa operação, é notável o papel executor de Ismênio Coelho Macedo, que também exerce a função de administrador do Banco Privado Atlântico (BPA), uma instituição privada da qual a Sonangol detém 19.50% do capital social. Até ao ano 2000, Ismênio Coelho Macedo dirigia, em Angola, o Banco Português do Atlântico (BPA).

Importa, no entanto, referir que a promiscuidade entre o dever público e os interesses privados é uma prática aperfeiçoada na Presidência da República envolvendo a família presidencial. Por exemplo, em 2004, o Presidente José Eduardo dos Santos achou bem a criação da sociedade de gestão de negócios Luzy, entre a sua filha Tchizé dos Santos, o chefe da Unidade de Guarda Presidencial, general Alfredo Tyaunda, e o então assessor do presidente, general Clemente Cunjuca. Este último exerce actualmente as funções de vice-ministro dos Veteranos de Guerra.
Do mesmo modo, a 30 de Maio de 2001, os generais Kopelipa, Alfredo Tyaunda e Clemente Cunjuca formaram uma sociedade de negócios, a Lunha Imobiliária, com o então chefe da Casa Civil do Presidente da República, José Leitão. Os referidos altos funcionários da presidência consolidaram a estrutura accionista da Lunha com a participação do tio (padrinho) e sobrinho de José Eduardo dos Santos, respectivamente José Pereira dos Santos Van-Dúnem e Catarino Avelino dos Santos. Em 2002, essa empresa juntou-se a quatro offshores, nomeadamente, Valuta Investimentos, Landon Holdings, Oakleigh Holdings e Osmond Investimentos, na criação da Lunha Investimentos. Esta, por sua vez, ergueu recentemente, no terreno ligado à Casa Militar, no Morro Bento, um condomínio exclusivo com 58 vivendas de luxo, onde os preços por unidade chegam a atingir os quatro milhões de dólares.

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