domingo, 22 de agosto de 2010

Mesmo com empurrão, Ngonda falhou. Ngonda expulsou Kabangu e elegeu-se de ilegitimidade


As tentativas de reconciliação, reunificação, harmonização e de tudo quanto seja possível fazer para dar azo a um fortalecimento do mais que debilitado partido histórico, FNLA, parece que são coisas do outro mundo, impossíveis de realizar. Arlindo Santana

Depois da derrapagem incontrolada de Lucas Ngonda nos patins pagos e emprestados pelo regime, a que se seguiu uma tentativa de reconciliação em 2004 no Acordo da Pensão Invicta, tristemente falhado, resultaram dois congressos polémicos, um em 2006, organizado pela facção “Ngonda”, num “Ringue”do MPLA, situado na zona do Futungo II e também emprestado, o outro em finais de 2007, sob a égide do sucessor, digamos, natural, Ngola Kabangu, depois do falecimento do líder histórico do partido, Holden Roberto.

Aconteceu então o inenarrável: o Tribunal Supremo invalidou o Congresso de 2006, validou o de 2007, e permitiu que Ngola Kabangu, à parte ter sido assim legitimado como presidente da FNLA, acedesse ao cargo de deputado da Nação, por ser o primeiro nome da lista de elegíveis da FNLA.

Este último foi entronizado na obediência de todos os requisitos legais, para, pouco tempo depois da sua consagração lhe ser notificado pelo recém-criado Tribunal Constitucional a inacreditável sentença: afinal de contas o congresso de 2007 que o tinha elegido presidente da FNLA era nulo e não avindo e Lucas Ngonda, promovido a presidente interino do partido, seria encarregue de realizar um congresso extraordinário a fim de se realizar eleições de todos os corpos gerentes incluindo o de Presidente. E é desse congresso que vamos analisar os contornos.

Congresso extra, e ordinário

Denominado pelo seu organizador “Congresso Extraordinário de Reencontro e Harmonização da Grande Família da FNLA”, o evento foi realizado entre os dias 4 e 7 de Julho de 2010 no Cine Atlântico e o menos que se possa dizer para abrir a nossa abordagem é que a data, quase que imposta pela organização, revelou-se como sendo prematura por não ter permitido aprimorar as condições mínimas para a sua realização.

Atentemos à reclamação de Lucas Armando dos Santos, candidato a membro do comité central, dirigida, no 08 de Julho, ao reverendo Ntony Nzinga e Ana Maria Fernandes: “(…) militante do partido há 42 anos(…) no dia 26 de Junho de 2010, me encontrava em comissão de serviço de apoiar os irmãos (…) o que me impossibilitou de tal maneira marcar a presença física na referida Assembleia para reafirmação da minha candidatura (…) No dia 28 de Junho (…) o irmão Correia, delgado adjunto do Rangel dissera-me que estava tudo seguro, aguardando a publicação das listas, o que não aconteceu (…) Lamentando sobre injustiça verificada, venho através desta, pedir à Comissão acima mencionada no sentido de rever a minha situação”.

Este clima calcorreou uma grande maioria dos delegados e também membros das equipas concorrentes, como deixa expresso, igualmente em carta dirigida à comissão eleitoral, o mandatário e porta-voz de um dos candidatos derrotados, Bernardo António, membro do Comité Central, aos 20 de Julho e da qual vamos ipsis verbis transcrever trechos importantes: “(…) Efectivamente, realizaram-se Assembleias em nove municípios da província de Luanda, na qual elegeram os 554 delegados ao conclave, considerando também os 158 delegados natos. Em relação as províncias foram eleitos 217 delegados para o efeito, que totalizam 927 delegados presentes ao evento. De entre os delegados participantes, tiveram direito ao voto conferido, apenas 828 delegados notando a exclusão de 99 delegados sem votarem (…) De salientar que, na reunião plenária da comissão preparatória decidiu-se que seriam 1201 delegados para o conclave. Em conformidade com a desobediência da Subcomissão de Verificação de Mandatos, não se atingiu no número definido na plenária, desconhece-se as razões de não completar o efectivo planificado e que muito lamentamos e sem explicação por parte da sub comissão de verificação de mandato. Atendendo o incumprimento (…) durante o período do evento a comissão eleitoral solicitou por cinco vez para que apresentasse ou fornecesse as listas com respectivas actas e relatórios das assembleias municipais de Luanda assim como das delegações provinciais e até aqui dia 20 de Julho de 2010 ainda não o fizeram. Para se realizar o acto eleitoral apenas apresentaram duas listas que se denominou cadernos eleitorais e viciados (…) De igual modo, a comissão eleitoral não foi explicado se quantos delegados ao Congresso Credenciados. E, a comissão eleitoral também não explicou a ninguém se quantos boletins de votos foram reproduzidos. Quantos foram utilizados e quantos restaram (…) Em suma, à não apresentação das listas saídas nas Assembleias Municipais e Provinciais, com respectivas actas e relatórios, sendo componentes indispensáveis na realização de uma Eleição Democrática e Transparente, no quadro de respeito dos princípios verdadeiramente democráticos, o processo está na eminência de não merecer a sua validação”.

Como se pode verificar e o sublinhado é nosso, Luanda teve mais delegados que as restantes 17 províncias juntas. Isto indicia algo de muito mal, no seio dos irmãos “ngondinhas”.

E, de mal em mal, surgem mais três membros do Comité Central cessante a reclamar exclusão: João Castro “Freedom”, Miguel Alberto Damião e Silvestre António Damião, que escrevem a Lucas Ngonda e lhe dizem aproveitar “o ensejo para endereçar-lhe esta reclamação, pois que enquanto membros do C.C cessante, delegados natos e membros da Comissão Preparatória do 1º Congresso Extraordinário do Partido, no final dos trabalhos, vimos inexplicavelmente os nossos nomes e de tantos outros retirados das listas deste novo C.C”.

Em igual senda discorreram os três candidatos vencidos, Fernando Pedro Gomes ,Carlinhos Zassala e Miguel João Damião, pelo facto de, dizem eles, “pessoas não eleitas, foram credenciadas, substituídas em muitos casos, os delegados efectivos e pré-candidatos eleitos para o Comité Central, nas assembleias electivas. Indivíduos estranhos `Subcomissão de Verificação de Mandatos, devidamente identificados, tiveram acesso abusivo às listas das assembleias electivas e aos computadores, adulterando os dados, retirando nomes e substituindo-os por outros não eleitos nas respectivas assembleias. Muitos destes, nem sequer tinham sido eleitos nem terem sido pré-candidatos ao Comité Central” e em grito de revolta deixam expresso: “que no interior do Cine Atlântico, alguns dos elementos de asseguramento interno exerciam acções de intimidação e coerção contra todos os apoiantes das outras candidaturas excepto se se identificassem com a candidatura vencedora”, por esta razão, “nós os candidatos vencidos, solicitamos uma revisão conjunta das listas de pré-candidatos ao Comité Central e verificação das irregularidades verificadas (…) Pensamos pois que o Presidente eleito do Partido pode sim rever nas listas finais a possibilidade de inclusão de alguns membros ora excluídos ou esquecidos, tanto no CC, como no BP e quiçá no Secretariado do BP, mesmo como adjuntos. Alias, como requeremosd à Comissão Eleitoral Independente/Mediação, pois só assim fará sentido o slogan segundo o qual “o 1º Congresso Extraordinário, é de jure e de facto de Reencontro, Unidade e Harmonização internas do partido”.

Como se pode verificar esta é mais uma batata quente a que são chamados os órgãos de justiça, que não poderão ficar indiferentes a tanta trapalhada partidária.

Ntony Nzinga distancia-se do lamaçal

No Relatório emanado pela Mediação/Comissão Eleitoral da FNLA, liderada pelo Rev. Dr. Daniel Ntoni-Nzinga, constituída para observar e também zelar pela equidade dos actos previstos para levar a bom porto o Congresso, a definição desse e doutros falhanços graves é resumida na seguinte alegoria, muito expressiva: “A Comissão Preparatória do Congresso funcionou sob uma coordenação que conduziu o processo preparatório com a luz de velas (e de noite, dizemos nós) numa estrada de quatro fachas que exigia velocidade de cruzeiro”.

De facto, sabe-se que a decisão referente à data de realização deste congresso extraordinário recomendado pelo Tribunal Constitucional foi feita em Dezembro de 2009, mas os preparativos só começaram em Abril de 2010 com a formação da Comissão Preparatória, que nada fez até fins de Maio, precisamente até depois da reunião do Comité Central que teve lugar no dia 26 de Maio seguinte. Resultado, ficavam um pouco mais de 40 dias para levar a bom termo o Congresso, isto sem falar das implicações materiais, custos do conclave, pormenores da sua realização, problemas graves atinentes à disponibilidade e competência de recursos humanos, etc…

Quer dizer, tudo foi preparado em cima do joelho, como que temendo, não fosse o Diabo tecê-las, novas disposições legais (ditas legais) a contrariar a sua concretização.

Portanto, chegamos ao dia 4 de Julho. É dia de abertura do Congresso, e pouco ou nada tinha sido feito para ultrapassar os inevitáveis escolhos sempre presentes em eventos como esse. Mas pouco importava, o importante era fazê-lo. E logo começaram os problemas “(…) quando a Mediação/Comissão Eleitoral convidou o eleitorado a exercer o seu direito de voto”. Grande foi a sua surpresa ao constatar que a equipa de verificação dos mandatos tinha excluído das listas eleitorais centenas de militantes acreditados do partido “depois de dois dias no conclave e num Congresso que não tinha observadores. (…) Fomos, por conseguinte, obrigados a não permitir, sem excepção nenhuma, o exercício de voto aos delegados excluídos do caderno eleitoral, o qual nos foi remetido entre 30 a 40 minutos antes do acto eleitoral (o sublinhado é nosso)”.

Tal qual está lavrado no relatório da Mediação/Comissão eleitoral da FNLA.

É de notar, neste primeiro pomo de discórdia, que uma equipa da Secretaria Técnica tinha distribuído passes de credenciamento dos delegados e o que aconteceu foi que muitos deles tinham os seus nomes nas “listas eleitorais”, mas não tinham passes, quer dizer, as listas dos delegados eleitos pelas Assembleias provinciais e municipais tinham sido substituídas pelas que foram apresentadas no Congresso!

Quanto à eleição do Comité Central, que teve lugar depois da sessão de encerramento, para proceder a esse acto solene, o referido relatório diz que «(…) nem o Presidium do Congresso, nem a Comissão Eleitoral foram consultados ou informados da forma como e dos critérios que norteariam o processamento das candidaturas que foram submetidas à aprovação dos congressistas».

E o mais estranho é essa Comissão Eleitoral, que moderou a sessão, não ter recebido a lista nominal dos pré-candidatos ao Comité Central CUJA ELEIÇÃO “PRESIDIU”.

Chegada a hora da eleição do secretário-geral, vira o disco e toca o mesmo, muitos foram os eleitores que se consideravam membros do Comité Central, mas não eram, porque os seus nomes tinham sido eliminados e os seus mandatos terminados sem eles terem tomado conhecimento do facto! E depois, quando vinham de lá, de algures, aqueles eleitores menos habituados a estas altas andanças de congressos para “doutores”, a hesitar por não saberem bem em que pé dançar perante tanta confusão, não tem maka, ajudavam-no a votar… em Lucas Ngonda. Tal como está lavrado no mesmo relatório!

É caso para perguntar: mas que raio de circo é este? Vamos tentar explicar, à luz do que a Mediação/Comissão Eleitoral revela sem vontade nenhuma de revelar, mas por ser essa a sua obrigação.

Quem manda-chuva manda

A Comissão Preparatória do Congresso tinha a sua cúpula, personalizada na figura do seu único responsável, Lucas Ngonda. O órgão gestor da eleição dentro deste congresso obedecia, antes de mais nada, a essa cúpula e foi manifestamente “forçado de se contentar com a mínima postura de mero executor de ordens emanadas de outras unidades da Comissão Preparatória do Congresso. A maioria das tarefas executadas eram concebidas e programadas sem o conhecimento e/ou o mínimo concurso dos seus membros (…) Ironicamente, este órgão foi mais tarde designado, no final dos trabalhos, “Comissão Eleitoral Independente”.

Isto é ainda o que revela o documento que temos vindo a citar, que junta a sua cerejita (um molho de cerejas) a este bolo mal amanhado.

1.- “Pior é o facto de o Presidium do Congresso, que inclui a Mediação, não ter discutido a matéria nem solicitado o aval do congresso para o exercício dessas funções”;

2.- “Três semanas depois do conclave, ficou provado que as falhas geralmente apresentadas como incidentais eram de facto utilizadas para esconder as motivações da desordem organizada. Uma destas provas é a recusa, pela “equipa de verificação de mandatos” de apresentar à Comissão Eleitoral as actas das Assembleias Provinciais e Municipais, bem como as listas nominais dos delegados eleitos e credenciados durante o registo individual no primeiro dia do Congresso (…)”;

3.- «Pior é o facto de a mesma equipa ter decidido a passagem de pré-candidatos a candidatos ao Comité Central sem partilhar com a Comissão Eleitoral os critérios da selecção. (…) Esta realidade condicionou a participação dos militantes e de seus representantes na formalização de questões tomadas no decorrer da Congresso, tendo ainda determinado o resultado do anunciado reencontro a favor do candidato eleito (Lucas Ngonda), hipotecando assim a muito desejada harmonização da grande família da FNLA”.

Ficamo-nos por aqui. O Relatório da Mediação/Comissão Eleitoral tem 15 páginas e muito mais recriminações do que as que aqui revelamos, por estas serem as de mais baixa textura. De resto, não vale a pena perdermos tempo na enumeração das conclusões deste relatório, óbvias, de carência total de nível, no seu senso mais alargado, dos mentores desta cabala, e também nos parece que seria inútil mencionar as recomendações - sem dúvida, piedosas preocupações do Reverendo Ntoni-Nzinga plenas de suaves eufemismos que memo assim serão rapidamente esquecidas -, no género de “o partido deve tomar medidas disciplinares contra os autores morais e seus respectivos colaboradores” disto, mais daquilo e daqueloutro… Seria como a lei da Probabilidade (ex-Probidade), inexequível enquanto tivermos o regime que temos!

gazetadeluanda.com

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