sexta-feira, 8 de julho de 2011

O jogo dos ciclos. Marta Fernandes de Sousa Costa*


A menina chorou, inconsolável, quando Astor, companheiro de muitas aventuras, morreu de velhice. Diante do desconsolo da filha, o pai falou ao amigo que preferia não ter outro cachorro, para não deixá-la passar pelo mesmo sofrimento, pois cães duram menos que pessoas e ela provavelmente teria outras perdas. O amigo, médico, aconselhou que permitisse outro cãozinho, se a menina desejasse, pois perdas fazem parte da vida e precisamos aprender a aceitá-las.

Outro homem contou que tem dificuldade em aceitar a morte; sofre pela expectativa da sua proximidade; renega-a em si e em todos que ama.

Uma escapatória à dor seria não firmar laços, evitar contatos íntimos, fugir de amores e amizades. Muito sofrimento talvez fosse evitado, dessa forma. Muita alegria, também.

O amigo falou que desde cedo explica aos filhos que nascimento e morte fazem parte da vida; a glória de nascer pressupõe o desamparo de morrer _ não há como evitar. Lição que as flores transmitem aos bons entendedores, quando perdem as pétalas e se alquebram nos vasos, esgotado seu tempo de enfeitar os salões e alegrar nossos olhos.

Em criança, ouvia-se “ninguém fica pra semente”, como início da aprendizagem de que um dia tudo acaba. A vida é feita de ciclos. Alguns têm continuidade; outros são fechados abruptamente. Poucos relacionamentos resistem ao jogo dos ciclos. Muitos se perdem, deixando apenas lembranças, boas ou más; outros se adaptam, acompanham as mudanças, amadurecem e se fortalecem.

Alguns ciclos são mais difíceis de transpor, o que faz com que algumas pessoas permaneçam presas ao que deixou de existir. Inclusive para filhos adultos, por exemplo, é difícil aceitar a morte dos pais como fim de um ciclo. Contudo, ainda que um sobreviva ou permaneça (como acontece nos rompimentos), nunca mais as coisas serão iguais, sem a presença do outro: fossem boas ou ruins, serão diferentes. Quando acontece de os dois se irem, fecha-se em definitivo o ciclo da casa paterna e novamente os filhos precisam se adaptar às circunstâncias e ocupar espaços antes preenchidos ou inexistentes. No novo ciclo, cada membro da família se vê obrigado a descobrir o seu papel, ajuste em geral penoso, mas essencial ao crescimento.

Embora dolorosas, as mudanças de ciclos proporcionam amadurecimento. Sem GPS ou manual de sobrevivência, cada um logo descobre que está por sua conta, nesta estrada assustadora. Logo percebe, também, que, ao contrário do que ocorre nos contos de fadas, o socorro não virá de fora.

Quem sofre a dor da perda _ qualquer perda _ precisa se violentar ainda mais, para encontrar o seu próprio caminho. A amiga diz que a música foi o seu amparo, no estudo das partituras encontrou a muleta que a ajuda a prosseguir; outros se apóiam na religião, muitos se recolhem ao trabalho, alguns transformam a dor em solidariedade. Para todos, consolo é a certeza de que a ausência dói justamente porque a presença, quando possível, nos fez feliz.

*www.martasousacosta.blogspot.com

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