sábado, 25 de dezembro de 2010

Human Rights Watch acusa. Governo angolano continua a usar e abusar da razão da força


Cabinda continua no centro das atenções, mas o regime continua a dizer que quem não é a seu favor comete um crime contra a segurança do Estado
A Human Rights Watch (HRW) declarou no 09 que “o Governo de Angola deve alterar com urgência a nova lei dos crimes contra a segurança do Estado, que restringe a liberdade de expressão”. Apesar desta denúncia, mais uma, Luanda reafirma que existe liberdade de expressão e que a HRW está a confundir a árvore com a floresta.

Orlando Castro

Num comunicado distribuído em Nova Iorque, a organização também disse que o Governo de José Eduardo dos Santos deve “libertar imediatamente os defensores dos direitos humanos condenados ao abrigo da lei anterior no enclave de Cabinda” (Luanda chama-lhe província e os defensores da autonomia ou independência dizem ser colónia), como é o caso, entre outros, do padre Raúl Tati, que se encontra em estado grave, na cadeia.
Recorde-se que as denúncias sobre o grave estado de saúde do padre Raúl Tati, que sobrevive em condições miseráveis e que nem sequer se consegue pôr de pé, tiveram pouco relevância na imprensa internacional, o que aliás nem é novidade em tudo quanto envolve o regime angolano.
“A 4 de Novembro de 2010, a Assembleia Nacional de Angola, dominada pelo partido no poder (desde a independência em 1975), o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), aprovou apressadamente uma revisão da lei dos crimes contra a segurança do Estado”, recordou a HRW.
A lei, que ainda terá que ser promulgada pelo Presidente da República, no poder há 31 anos sem nunca ter sido eleito, para entrar em vigor, substitui a de 1978 que dotava o Governo de amplos poderes para restringir os direitos à liberdade de expressão e de reunião. Mas no entender daquela organização de direitos humanos continua bastante aquém das obrigações legais internacionais das autoridades de Luanda.
“O Presidente deve devolver a nova lei ao parlamento para que seja revista”, entende Rona Peligal, directora para África da HRW.
O artigo 26º da lei dos crimes contra a segurança do Estado de 1978 possibilita condenações por“outros actos contra a segurança do Estado”não especificados, o que permitia efectivamente a punição, enquanto acto criminal, de qualquer actividade que possa pôr em perigo a segurança do Estado, mesmo que tal acto “não [esteja] previsto na lei”.
A nova lei dos crimes contra a segurança do Estado também contém disposições que restringem o direito à liberdade de expressão e que podem ser invocadas para justificar detenções arbitrárias. Por exemplo, ao abrigo do artigo 25º da nova lei, “ultrajar maldosamente” a República de Angola ou o Presidente, “publicamente, em reunião, ou mediante a difusão de palavras, imagens, escritos ou sons”, seria considerado um crime contra a segurança do Estado, punível com até três anos de prisão. Desta forma, qualquer crítica dirigida ao Presidente que seja interpretada pelas autoridades como ultraje pode ser considerada crime. Esta definição excessivamente vaga representa claramente uma violação do direito à liberdade de expressão e deve ser eliminada, disse a Human Rights Watch.
O artigo 26º da nova lei também determina que“tumultos, desordens ou arruaças” que venham “perturbar o funcionamento dos órgãos de soberania” sejam considerados crimes contra a segurança do Estado, puníveis com até dois anos de prisão. A falta de definição das actividades mencionadas nesta cláusula pode restringir a liberdade de reunião pacífica, protegida pelo direito internacional, afirmou a organização.
Cinco homens – entre os quais figuram o antigo vigário-geral Raúl Tati e o advogado Francisco Luemba (autor do “O problema de Cabinda exposto e assumido à luz da verdade e da justiça”, apresentado em Lisboa e no Porto e boicotado pela esmagadora maioria da imprensa portuguesa) – foram condenados em Cabinda a penas de prisão em Junho e em Agosto deste ano, ao abrigo do artigo 26º da lei dos crimes contra a segurança do Estado de 1978.
Foram detidos após o ataque efectuado por homens armados a 8 de Janeiro contra a escolta militar de Angola à selecção de futebol do Togo, que estava a chegar ao território para participar no Campeonato Africano das Nações.
“Estes homens foram presos, simplesmente, por expressarem pacificamente a sua opinião sobre Cabinda, e as autoridades estão a aproveitar-se do ataque para reprimir os defensores dos direitos humanos”, declarou Muluka-Anne Miti, investigadora da Amnistia Internacional para Angola.
A Human Rights Watch tem pedido repetidamente ao Governo que “ponha termo ao que aparenta tratar-se de detenções por motivos políticos, e altere as disposições legais defeituosas ao abrigo das quais estes homens foram condenados”.



Cabinda e a RDP/África

No dia 22 de Novembro publiquei um texto intituado «Regime de Angola aperta o cerco a todos os que falam de Cabinda». Nele dizia que «em vários países, nomeadamente em Portugal, os serviços do MPLA estavam a apertar o cerco aos jornalistas, seja por ameaças físicas ou pelas tentativas de suborno». Três dias depois fui contactado por uma jornalista da RDP/África.

Orlando Castro

Cristina Magalhães, jornalista da RDP/África, dizia-me que tinha lido o artigo sobre Cabinda e que queria falar comigo sobre o assunto. Para além de lhe fornecer, no mesmo dia, todos os meus contactos, falei com ela ao telefone disponibilizando-me para conversar sobre o assunto.
Nesse texto publicado afirmei (o que mantenho) que segundo o regime angolano urgia não só calar os jornalistas que mais atentos estão à questão, como evitar que de Cabinda saiam informações sobre as acções militares e policias que já estavam agendadas e que poderia ser desencadeadas a todo o momento.
Acrescentava igualmente que vários jornalistas que trabalham fora de Angola foram e estão a ser contactados por mandatários do regime angolano, sendo-lhe transmitidas duas soluções: “Quanto querem para deixar de falar de Cabinda” e “Ou deixam de falar de Cabinda ou a vossa integridade física corre sérios riscos”.
Mandatários esses que acrescentavam que “dinheiro não é problema”, reforçando que “também o resto não é problema”.
Acontece que até hoje, 14 dias passados sobre o contacto da jornalista da RDP/África, nunca mais fui contactado. Não é, aliás, de estranhar. Os critérios editoriais de quem manda servem exactamente para isso. Confesso que estranhei o contacto, desde logo porque não estava, nem estou, a ver a RDP/África a fazer algum trabalho que possa desagradar aos donos do poder, estejam eles em Luanda ou em Lisboa.
Mas esta história, triste para o Jornalismo mas lucrativa para quem dele se serve em vez de o servir, não é nova e tem outros protagonistas.
No dia 12 de Outubro de 2007, já lá vai um tempito mas o conteúdo é o mesmo, a jornalista Isabel Guerreiro, do semanário português “O Diabo”, resolveu fazer-me, por escrito, três perguntas a propósito da Imprensa angolana.
Na altura perguntei à jornalista se, como é habitual quando se escreve o que não é esperado por quem manda (os tais critérios editoriais), não haveria o risco de as respostas serem enviadas directamente para a reciclagem. Garantiu-me que não. Também eu quis acreditar que não.
Mas a verdade é que as respostas nunca foram publicadas. E assim, cantando e rindo, vão as ocidentais praias lusitanas. Sempre satisfazendo os donos dos jornalistas e os donos dos donos. A bem, é claro, da Nação.
*orlando.s.castro@gmail.com

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