terça-feira, 5 de outubro de 2010

Júlio: não consegui falar nada, perdi a fala




Folha 8 – Como te chamas e como foi todo este processo de procura da família da tua mãe

Julío – Chamo-me Júlio e sou filho da dona Nguituka e tenho andado sempre com a mãe neste processo, nomeadamente, fomos na casa da tia Eva e no armazém do Solito. Depois fomos ao óbito da avó Isabel ali nos Bombeiros e quem nos levou foi o avó Luís dos Santos. Chegando lá ele disse «Vocês serão os primeiros a entrar. Porque vocês já vão encontrar o vosso avô (Zedu) ali sentado. Então ele vai falar, porque já lhe falaram tudo…

F8 – Quem disse isso?
J – Foi o avô Luís dos Santos, porque nós tínhamos dado fotografias e tínhamos enviado uma mensagem e então nos disseram que o avô (Zédu) já tinha lido, que haveria alguém que nos conduziria até ele, por já estar tudo preparado. Foi o que nos disseram. Chegados aos Bombeiros, nós fomos os primeiros a entrar.

F8 – E depois o que aconteceu?
J - Encontramos o avô (Zédu) sentado, mas aí não tínhamos o direito de ir até lá (perto dele). Houve então pessoas que nos levaram a sentar ao lado dos familiares. E o avô olhava sempre para o nosso lado.

F8 – Ficaram preocupados com o silêncio ou com a situação?
J – Nós ficamos a pensar; «O avô já sabe realmente»… mas não dissemos mais nada e fomos ao enterro até ao cemitério do Alto da Cruzes e ao sair de lá, metemo-nos no autocarro que tinham alugado para nós e voltamos a Talatona à casa da falecida para dar as condolências à família.

F8 – Vocês também apresentaram condolências?
J – Sim, mas antes de ir cumprimentar as pessoas, entre as quais o avô, disseram à mãe para dizer só o nome, Josefa, quando chegasse a sua vez de cumprimentar o pai José Eduardo dos Santos, que ele vai logo reconhecer que tu és filha dela. E não faça mais nada para evitar que as pessoas falem à toa, estão a chegar as eleições legislativas, não convém», disseram ainda. Nós acreditámos e foi assim que a mãe fez. Porque não queria sujar a imagem do seu pai e nós também não queríamos prejudicar o nosso avô.

F8 – Também deste condolências no funeral?
J – Sim, depois da minha mãe, chegou a minha vez. Eu cumprimentei o avô e tudo parou. Ele olhou para mim, olhou para o avó Luís (irmão do Presidente) e este não dizia nada. Olhou para mim novamente, outra vez para o avó Luís, depois uma terceira vez. E, entretanto mais ninguém passava. Parecia que ele estava à espera que eu falasse, mas como me tinham dito para não falar eu não quis fazer escândalo, calei-me, havia pessoas da oposição, iam falar nos jornais, não podia falar...

F8 – Não falas-te porquê, achas que te iriam fazer mal?
J - Tinham dito que eles andavam armados, que era perigoso, e então ficamos assim. Depois separámo-nos e ficámos á espera de um sinal do avô. Passaram os dias, os meses e não houve sinal nenhum. Foi então que chegamos à conclusão que não havia nada a fazer, tínhamos que ir ao Palácio. E fomos com o meu irmão mais velho, Arsénio. Chegamos, os guardas olharam para nós…

F8 – Quando é que foi isso?
J – Isso foi já em 2008, por aí. E um dos guardas disse-nos que não podia ser por ali, que tínhamos que ir falar com a dona Marta, que era ela quem tratava da família. Voltamos então a falar com o avô Gaspar e foi ele que nos mostrou onde era o armazém do filho do avó Avelino dos Santo (irmão do Presidente da República), o Solito.

F8 – O armazém fica aonde?
J – Fica lá na Brigada… Fomos lá, falamos e ele disse, «Está bem venham sábado e vamos ver». Sábado fomos e quando ele viu a nossa mãe esta disse que estava ali à procura do pai e que o pai era o presidente José Eduardo dos Santos.

F8 – Como foi a reacção dele?
J - Isso chocou o Solito, que telefonou à dona Marta e esteve à falar um bom tempo com ela. Depois chamou o seu filho, Manucho, e deu as chaves de um carro para nos levar até à avó Marta. Fomos de novo ao condomínio e chegados lá encontrámos os familiares, mas não encontrámos a avó Marta. Ficamos a falar, a dada altura passa um motorista da avó Marta e pensou que era ela e começa a falar e a minha mãe teve que lhe explicar que se tinha enganado. Isto só para ver como as feições da minha mãe são parecidas com as da família.

F8 – E nesse dia foram recebidos pela Dona Marta dos Santos?
J – Não, mas estivemos muito tempo à espera e ficámos a saber que já tinham aparecido mais uma pessoa a dizer que era filha do avô (Zedu), mas depois tinha-se visto que era mentira. Mas não é o nosso caso, por isso sempre esperámos, esperámos, e não nos escondemos e nesse dia como a avó estava a demorar acabaram por nos dizer para voltar noutro dia. Fomos embora e já estávamos no táxi quando nos chamaram por telefone, de a avó Marta ter acabado de chegar. Voltámos ao condomínio e continuámos a falar. Mas não se avançou nada naquilo que queríamos.

F8 – Porque e o que é que queriam?
J – Queríamos falar com o avó e lhe explicar tudo, até da possibilidade dele fazer o teste de DNA a mãe, para ver se é mesmo ou não sua filha, mas só nos deram o contacto da tia Minguita, a filha do avó Avelino dos Santos. Depois disso a mãe e o meu irmão mais velho, Arsénio, ficaram sempre em contacto com ela. Passou outra vez muito tempo, e nós, a certa altura, perguntámos porquê o silêncio e foi a tia Minguita que explicou; “o chefe (Zédu), não queria saber do caso, dizia, fora daqui, não quero mais ouvir falar disso, tira fora”. Ficámos muito chocados, desanimados e resolvemos então ir à procura da filha do avô, Isabel dos Santos, mas nunca foi possível encontrá-la. E resolvemos regressar até casa do avó Avelino dos Santos.

F8 – E conseguiram algum êxito
J - Antes, tínhamos sido de novo convidados para ir ao óbito da neta do avó Avelino. Fomos, e estava lá toda a gente, Isabel, Tchize, o avó Luís dos Santos, o Solito, mas tivemos receio de nos aproximar, não dava par ir ter com eles, só tivemos coragem de falar com o avó Luís e perguntámos porquê tanto silêncio. Ele disse para ficarmos calmos e, «Depois liguem para mim».

F8 – Mas esse óbito foi quando?
J- Foi em finais de 2009. Mas o que se seguiu foi a repetição do que se tinha passado antes, quer dizer, não se passou nada.

F8 – Quem é que vos ia buscar quando havia óbito?
J – É a tia Eva. Mas eu fiquei a saber, também, que a própria Eva tenta encontrar-se com o avô (Zédu), mas não consegue, uma parte da própria família põe barreira.

F8 – A tia Eva é filha de quem?
J – É filha do avô Gaspar, que é o tio do Presidente da República.

F8 – Vamos lá ver. Vocês na prática estão mais perto de quem, do tio Gaspar ou do avô Avelino?
J – Ao princípio a gente estava próximo do avó Gaspar e da sua família. Mas depois entrámos em contacto com o avó Avelino e a avó Marta…eu tenho os contactos de todos eles, conheço a casa de todos eles, da avó Marta, do avó Luís, do avó Avelino dos Santos, mas não sei o que se passa com eles, por que razão não nos querem se nós somos do sangue deles. Nós pedimos o teste ADN mas eles não querem nem o teste.

F8 – Então depois disso nunca mais estiveram num mesmo sítio com o Presidente?
J – Não, mas tenho a dizer, que no primeiro dia do ano de 2010, depois do Réveillon, eu estava no Golfe 1 e fui de táxi para o Mártires do Kifangongo. No caminho ao passar perto do Golfe 2, no Projecto Nova Vida, vi muitos guardas da UGP e disse que o avô devia estar por ali. Saí do táxi e fui até a casa do avó Avelino. Tinha muitos guardas fora, mas eu pude entrar à vontade.

F8 – E o que se passou depois?
J – Entrei e encontrei-me com a tia Avelina dos Santos, falámos do caso, mas ela não disse nada, e apenas trocámos um kandandu. Saí e telefonei à mãe. Disse-lhe que tinha que se preparar para vir à casa do avó Avelino que estava lá o pai dela.

F8 – E ela veio ao teu encontro?
J – Sim veio e fui lhe buscar na paragem e quando tentamos entrar, desta vez os guardas não nos deixaram passar. Disse então à minha mãe para telefonar ao avó Avelino. Mas nisto, a tia Avelina dos Santos, sua filha, veio até à porta, não para nos fazer entrar, mas para nos dizer para ir para a outra porta. Fomos. E veio um guarda que perguntou quem éramos, e eu respondi logo, «Estamos aqui porque esta é a minha mãe que julga ser a primeira filha do Presidente da República José Eduardo dos Santos que está aí dentro». O guarda olhou para nós, recuou e foi falar com outros guardas. Nisto pedi à minha mãe para telefonar depressa ao avó Avelino. Mas foi a tia Avelina que respondeu e depois veio à porta e aconselhou-nos a ir embora que se falaria noutro dia. E eu disse não; “Estamos a caminho de três anos e vocês dizem sempre a mesma coisa. Nós pedimos um teste de DNA, e nós estamos dispostos a fazer também. E ela respondeu:

- “Não, já passou muito tempo, vocês deviam ir fazer a vossa vida, já és velha, com 46 anos e ele não vai ter amor por ti, vão no tribunal”;
- e eu respondi: “Não, ele é o Presidente ele é quem manda”,
- e a tia disse: “Mesmo assim, vão fazer queixa”,
- e eu disse: “Não, não queremos. Não queremos sujar o nome do nosso avô. Vocês são nossa família, não podem nos fazer isso”.

F8 – O que aconteceu a seguir?
J - Nesta altura sai lá de dentro a sobrinha da tia Avelina, pergunta o que se estava a passar, e quando ficou a saber que a dona Josefa era filha do presidente Dos Santos pegou na mão da tia e esta seguiu-a depois fechou a porta. Ficamos por ali, por perto da viatura da Presidência, à espera. Nenhum guarda nos tocou. Passado pouco tempo sai um general de dentro de casa e pede que nos dispersassemos (!). E nós fomos andando, mas sem nos afastarmos muito. Entretanto a tia Avelina mandou entrar a viatura do Presidente. A viatura entrou e a ideia era fazer entrar o avô com o carro ainda dentro de casa para ele poder sair e nós não podermos falar com ele. Foi o que aconteceu.

F8 – Depois de tantas tentativas falhadas, não aconteceu mais nada?
J- Não aconteceu nada. Perdemos uma batalha, mas a luta continua. Não esquecemos que foi a própria mãe que nos disse, quase nos ordenou que pedíssemos um teste ADN.

F8 – Não tentaram ir directamente ao palácio depois de tantas voltas para nada?
J – Tentámos. Diga-se, de resto, que foi por sugestão de um dos guardas que estava à porta da casa do avó Avelino. Fomos e pedimos para falar com o general Maua. E nesse mesmo dia, 1º de Janeiro de 2010. Mas o general Maua não estava. Voltamos lá na segunda-feira seguinte e disseram-nos que tinha ido de férias…

F8 – Até hoje?...
J – Sim. Não se passou mais nada..

2 comentários:

  1. é triste a te quando vai acabar esse sofrimento desta famillia.

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  2. é triste até´quando vai acabar esse sofrimento desta familia.

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