No F8 já por várias vezes abordámos a pelo menos aparente incompatibilidade entre a noção de poder político em África e o grego regime democrático, com os seus votos, suas urnas, suas eleições periódicas e as subsequentes possibilidades de mudanças de chefe supremo. Nas nossas dissertações sobre essa problemática avançamos argumentos que nos parecem plausíveis, relacionados com as velhas e ainda pujantes tradições das ancestrais realezas africanas.
Willian Tonet & Arlindo Santana
Em África, o chefe supremo das antigas monarquias deixava o poder quando morria. O mais das vezes por morte violenta, o que facilmente se pode constatar por pouco que nos debrucemos, por exemplo, sobre as mudanças de reis no grandioso e patético reino do Kongo.
Se contarmos todos os reis que houve no Kongo, a média de duração dos seus reinados, durante 400 anos (entre os séculos XVI e XX), deve ser pouco mais do que os 4 anos do poder instaurado em democracia, embora se conte um rei que esteve no trono durante quase 40 anos, o Rei D. Afonso I, “Mvemba-a-Nzinga”.
Depois dele, um dos raríssimos Chefes Supremos que durante muito tempo reinou em terras de Angola, e ainda hoje reina, não é rei, por não haver monarquia, mas Presidente da República e pretende ser democrata.
Estão a ver onde está a dificuldade do relacionamento entre democracia e o poder político em Angola?
É. Mas, a defeito de se poderem instaurar instituições realmente democráticas no nosso país, temos outras que vêm criar uma situação atípica, no seguimento da Constituição do mesmo cariz.
Instituições atípicas de beneficência
É grave, nos tempos que correm, aceitar que um gestor, como o novo presidente do Conselho de Administração da ENDIAMA, António Carlos Sumbula, possa ter assinado, no dia 28.09.10, uma transferência de patrocínio, através do BAI - Banco Africano de Investimento - avaliada em USD 135.000, 00 (cento e trinta e cinco mil dólares), ao COMITÉ MISS ANGOLA, quando milhares de trabalhadores na Lunda-Norte definham à fome por falta de salários?
Neste caso onde anda o Tribunal de Contas? Seguramente está a preparar-se para ir assistir ao desfile… Em casos como estes, o Tribunal de Contas deve ou não agir, ao invés de fazer de conta? Ou pula o departamento ao constatar que o beneficiário é X ou está ligado a Y?...
A ENDIAMA, empresa pública com responsabilidades na gestão do património diamantífero no país, enquanto monopolista, não pode ser irresponsável, ao ponto de negar salários e emprego a centenas de trabalhadores, por um lado, nas Lunda - Norte e Sul, em função do fecho de vários projectos mineiros e ao mesmo tempo, predispor-se a esbanjar dezenas de milhares dólares com futilidades: patrocinar concursos de misses.
E a maka dos subsídios não se fica por tão pouco, pois, se a Endiama dá cento e tal mil dólares, a Sonangol dá muito mais. Uma fonte de F8, garantiu-nos ter a petrolífera dado cerca de USD 500.000, 00 (quinhentos mil dólares). É pois muito balaio para fruta fora do prazo e de validade duvidosa!
Essas instituições criadas em regimes totalitários, ou democráticos-de-fachada, como o nosso, têm por principal missão acudir às carências resultantes do mau funcionamento (a corrupção rói tudo) ou mesmo inexistência de ferramentas de apoio aos extractos sociais mais carentes. Mas, sendo verdade que elas agem nesse sentido, também não se pode negar que elas abundam na satisfação de apetites muito menos úteis.
Estamos a referir-nos à Sonangol, bebedouro portentoso de “Líquido” em valores monetários, pau para toda colher na distribuição de subsídios de toda a índole, culturais, desportivos, lúdicos e mesmo sociais, mas também, não podemos esquecer, a Endiama, cuja postura nos forneceu matéria a crítica no que diz respeito a essa distribuição de subsídios de vária ordem, tal como é o caso da Sonangol.
O que se está por ora a passar na área de subsídios providenciados por essas organizações, o F8 considera que se trata de uma vergonha, que confina com uma roubalheira pública, só possível por se cruzarem interesses partidários e de manutenção de poder.
Rios de dinheiro com caudal enviesado para satisfazer apetites particulares.
Assim, a Endiama patrocina, tal como as demais grandes empresas do Estado, algumas actividades culturais. Entre elas encontra-se o comité para a eleição de Miss Angola. E como os seus directores acreditam que com esta acção conseguem, através da presidente do comité Miss Angola, a Primeira Dama, Ana Paula dos Santos, beneficiar o tráfico de influência para a sua manutenção, os fundos postos à disposição do referido Comité são sempre, ou quase sempre, o correspondente ao solicitado. E, embora isso de eleições de Misses não seja cultural, e, muito menos, social, pode-se compreender, embora com alguma dificuldade, que tais manifestações perfeitamente fúteis ocorram num país em que a miséria aflige a esmagadora maioria da sua população.
Pelo contrário, o que não se entende é que a mesma administração, ao mesmo tempo que não se tem coibido em financiar Misses, que muitas vezes nem sabem escrever o nome de um município da Lunda, cujos diamantes aí extraídos servem para pagar as suas banalidades, se tenha negado a ajudar com cerca de 20 mil dólares um trabalhador que precisava de uma intervenção cirúrgica urgente no exterior do país.
Quanto ao Tribunal de Contas, instituição oriunda de um conceito de democracia ignorado em Angola, não, ali ele não pode actuar, pois todo mundo sabe de quem é a coordenação do Miss Angola e esta bajulação é como que uma forma de manutenção no cargo, ainda que para isso tenham de morrer trabalhadores por falta de salário.
Muito bem, quer dizer, muito mal!, pois uma pergunta pertinente, mas deselegante, impõem-se: isto pode ou não ser considerado peculato ou roubo institucionalmente descarado aos cofres públicos para fins banais sem qualquer interesse público em fase de crise? Não vale a pena responder. Vivemos num reino africano.
Formadores do CEFOPROF a caminho de 3 meses sem salário, a fome aumenta e o silêncio permanece.é próprio da Angola nova!
ResponderExcluirCentro de Formação Profissional Ligado outrora as obras públicas.