quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O autismo selectivo


O Presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, afirmou a dado passo, no que toca a um problema candente. «O sector em que a situação está muito mal é o da habitação. Mais de 70% das famílias angolanas não têm casa condigna. Neste domínio teremos que fazer um grande esforço, eu diria um esforço gigantesco para revertermos a actual situação».
Não pensamos que valha a pena comentar esta tirada do Presidente da República, o melhor talvez seja passar à frente e esquecer isto. Tanto distanciamento da realidade!?...
Como assim, se o que disse o Presidente é mesmo verdade?
Ora é aí mesmo que está a realidade, no que ele exprimiu nesta frase. O distanciamento não está no que ele disse sobre este assunto, está no distanciamento do assunto com a totalidade de tudo resto que foi dito no discurso.
E vem-nos à mente o “chavão” político de Agostinho Neto, “O mais importante é resolver os problemas do povo”, quando ao longo destes anos os autóctones estão cansados de saber, que para a maioria destes dirigentes (justiça seja feita aos que resistem à voracidade dos novos capitalistas-imperialistas), o “mais importante é delapidar o erário público, para resolver os problemas das contas pessoais de certos dirigentes do partido no poder”.
Temos que fazer um esforço gigantesco, afirmou o grande líder. Esforço gigantesco, como? Consagrando migalhas do OGE aos pobres, aos Antigos Combatentes, a todos os desfavorecidos desta terra milagrosa, que é o nosso país? Estes, senhor presidente, esperavam por um outro discurso: olhos nos olhos, principalmente os antigos combatentes e libertadores da Pátria, que ao cabo dos 35 anos esperavam por um reconhecimento pelos seus feitos heróicos, uma homenagem. E… NADA!
E, diga-nos,Sr. Presidente, de que serve recordar que mais de 70% de pessoas não têm um lar condigno, há mil anos, há quinhentos, há trinta e cinco e agora há oito anos? “Vamos ter que fazer um grande esforço, eu diria um esforço gigantesco”?, como asseverou JES. Sim é sempre um esforço, uma factura pesada para os pobres, que quando conseguem organizar-se vêem chegar os homens do círculo do poder, rodeados de tropas, polícias e máquinas para partir as suas casas, para no mesmo local erguerem os seus condomínios milionários e discriminatórios.
Vamos ter que fazer um grande esforço, pois vamos!

A responsabilidade e o esforço de JES

Vamos ter que fazer esforços gigantescos para isso e muito mais. Vamos sim, camarada presidente, a começar pela cabeça da pirâmide, quer dizer, Vossa Excia, enquanto líder supremo.
Vai ter que fazer das tripas coração para reconhecer os erros cometidos na condução dos destinos da Nação que dirige há mais de 30 anos,
Vai ter que erguer a sua voz contra as demolições anárquicas, contra o impedimento das manifestações públicas por parte dos governos provinciais, violando o que está legislado.
Vai ter que explicar como, de que maneira e com que cumplicidades, o seu séquito cortejano enriqueceu sem justa causa, e como a avidez do lucro tem estimulado a eliminação do nosso património imobiliário histórico.
Vai ter que explicar por que fugiu no seu discurso a todos os temas que o pudessem levar a explicar a razão de o nosso país continuar a apresentar indicadores sociais dos mais desastrosos do mundo, figurando ao lado, ou mesmo abaixo de países sem recursos.
Vai ter que fazer um gigantesco esforço para reconhecer que neste nosso país estamos em vias de ficar com uma comunicação social de uma só voz. Digamos duas, com a nossa.
Vai ter que explicar por que raio de cargas de água é que um restrito número de empresas estrangeiras pode ter acesso garantido aos contratos mais chorudos e sem concurso.
Há tanta coisa a explicar, senhor presidente, que ficamos espantados por não caber no seu discurso histórico uma única referência ao milhão de casas prometidas durante a campanha eleitoral. Onde estão essas casas, se tirarmos as que são construídas por angolanos e estrangeiros, juntos como ladrões numa feira, num exercício de especulação desabrida do sector imobiliário, em tentativas de gerar fortunas imediatamente?

O COMBATE CONTRA OS POBRES

Sabe o Senhor Presidente quanto tempo gastou, a falar de problemas de Saúde, Ensino, Saneamento Básico e Cultura, dos 130 minutos que durou o seu discurso?... Nem cinco!!
Sabe porquê, senhor Presidente? Porque o seu gabinete não confia no sistema de Educação que criou. Uma Educação ruim, sem programa, sem raça e permanentemente descaracterizado e espezinhado pelas excelências que nos (des)governam, pois foi montada somente para os filhos da maioria autóctone, porque os filhos dos cortesãos vão estudar para o exterior ou em escolas estrangeiras no país. Isto é discriminação e um crime contra a maioria dos nossos jovens.
Sobre o sistema de Saúde, o senhor presidente também não se debruçou, tratando-o como ente menor. Um ente desdenhado e desenhado para servir os pobres e não a elite, daí obras como o Hospital Geral de Luanda, que só atendia os milhares de indígenas votados a uma perene marginalidade na periferia das urbes. Ora isso demonstra que se implementa a discriminação na Saúde e se criam argumentos para os dirigentes terem de se tratar no exterior. Trinta e cinco anos depois da Dipanda não temos um único hospital de referência, digno desse nome.
O que aconteceu no CAN, com a evacuação para a África do Sul, de um ferido da delegação do Togo, por inexistência em Angola, deveria estar reflectido no seu discurso, por ser uma vergonha o regime não ter conseguido montar um sistema nacional de Saúde.
Por outro lado, sabe quanto tempo o senhor presidente gastou a falar da Tolerância Zero, da Lei da Probidade Administrativa e da CORRUPÇÃO GALOPANTE incrustada no aparelho de Estado?... Tantos minutos como a complacência da sua apregoada tolerância: ZERO!
Outra nora dominante no seu discurso, foi o combate que o senhor Presidente faz contra os POBRES, quando deveria ter uma política governamental para COMBATER A POBREZA. Infelizmente o regime tem, ao longo dos 35 anos de independência COMBATIDO OS POBRES.
E tanto assim é que o discurso não se redimiu, quanto aos erros capitais da Constituição, que excluiu as línguas angolanas, em detrimento de uma língua estrangeira, o português, falada apenas por 25% de angolanos. Não falou dos Khoi San, um dos povos mais discriminados e votados à extinção pelo regime, que o Senhor Presidente dirige. Isso é um crime o que se está a fazer a estes autóctones, os primeiros habitantes do território Angola.
Não falou igualmente de um direito “roubado”, dando continuidade a uma prática e visão colonial: A TERRA, que é propriedade do Estado, numa clara visão colonialista, quando deveria ser do povo.
Os jovens que esperavam, também, uma palavra, uma luz, para o seu futuro, contentaram-se com a manutenção da miserabilidade das letras do kuduro; o ópio para a juventude e as bundas das misses, institucionalmente protegidas.
Para terminar, Senhor Presidente, como vê, não gostamos do discurso, mas gostamos muito de o ouvir. A sua ida ao Parlamento, a primeira vez em trinta anos de consulado, foi como uma consagração do fim de uma virgindade, na gloriosa idade dos ritos de adolescência, um ritual que cabe muito bem na juventude do nosso adiado Projecto País. Mas, da próxima vez, não nos faça sofrer!

POLÍTICOS COMENTAM JES
O líder da FNLA, Ngola Kabangu, disse que o Presidente da República perdeu uma soberana oportunidade para esclarecer ao Povo Angolano, através dos seus lídimos representantes, sobre os problemas sociais candentes que ele, o Povo, enfrenta diária e corajosamente. Aqui refiro-me concretamente ao fornecimento de água potável, energia, alimentação, transporte, saúde, educação e, evidentemente, uma habitação condigna.
O Presidente da República esteve mais preocupado em fazer o balanço numérico da sua governação, recuando mesmo aos tempos negros da guerra civil (reconheça-se em abono da verdade que foram tenebrosos) mas, “de grace”, eles já fazem parte do passado. Destruiu-se muito, é verdade, mas também não é menos verdade que se poderia fazer mais e melhor para as populações economicamente débeis. Numa só palavra, o Presidente da República, tentou convencer a Nação a acreditar no cumprimento das promessas eleitorais apresentadas aos eleitores em 2008. O Povo sabe o que foi minimamente cumprido e o que não foi cumprido por falta flagrante de vontade política, de capacidade e de transparência da parte de muitos integrantes do Executivo dirigido pelo Presidente da República.
Também lamento que o Presidente da República tenha passado ao lado de dois grandes processos, mais concretamente, do processo de consolidação e de transformação da paz militar em paz social e política e, evidentemente, do processo de Reconciliação Nacional. Estes dois processos fundamentais para a estabilidade política, social e económica de Angola, deveriam ser abordados com uma certa profundidade.
No domínio das relações exteriores, o Presidente da República, falando de parcerias estratégicas, omitiu, lamentavelmente, os nossos dois grandes vizinhos: a República Democrática do Congo e a África do Sul. Se Angola quiser ter uma presença e uma palavra política na África Central e Austral, tem de cuidar bem das suas relações políticas, económicas e militares com estes dois vizinhos. Os outros parceiros estratégicos são, certo, importantes, mas estão muito distantes das nossas fronteiras “físicas”.
No tocante às próximas eleições, aprazadas para 2012, o Presidente da República, em minha humilde opinião, deveria primeiro confirmá-las e, em segundo lugar, assegurar à Nação da determinação do seu Executivo de tudo fazer para que todo o processo eleitoral seja o mais transparente possível. Aqui o Presidente da República preferiu falar resumidamente na conformação da Legislação Eleitoral à nova Constituição. A Nação ficou à espera do prato forte, e não o recebeu!
Contudo, não gostaria de deixar de felicitar o Presidente da República por mais uma vez ter reconhecido que 70% da população não tem uma habitação condigna! Que o Presidente da República e o seu Executivo envidem, pois, esforços para inverter esta situação calamitosa com políticas correctas, viáveis e transparentes. Uma outra questão que o Presidente da República abordou com coragem política e uma certa transparência e que merece o meu reconhecimento, é a “paz podre” que reina em Cabinda. Urge , pois, encontrar outros caminhos que nos conduzam à um Grande Debate Nacional sobre a questão de Cabinda, impedindo assim àqueles que “espreitam de longe” de nos tomarem a dianteira. Todas as Forças Vivas devem ser envolvidas nesse grande debate nacional para que seja defendida e salvaguardada a integridade territorial de Angola e consolidada a UNIDADE NACIONAL.
O porta-voz da UNITA, Alcides Sakala, reagindo ao discurso disse que o Presidente “fez mais promessas do que apresentou perspectivas”, excluindo uma questão fundamental para o país, “a reconciliação nacional, virando-se mais para as questões económicas e financeiras, mas, no essencial, não teve novidades”.
“Relativamente ao que o Presidente considera crescimento económico, entendemos que não beneficiou de forma nenhuma as populações na sua maioria, permitindo apenas o enriquecimento de um pequeno grupo em detrimento da maioria”.
Alcides Sakala lamentou que, a importância do petróleo para Angola, no plano interno e nas relações internacionais, a que José Eduardo dos Santos se referiu, “de forma nenhuma têm permitido melhorar a vida dos angolanos”, igualmente, a ausência do assunto “reconciliação nacional, que poderia resolver muitos dos problemas sociais com que os angolanos se debatem hoje, e que decorrem fundamentalmente da má distribuição da riqueza e da não reinserção social e integração de todos os ex-militares dos três movimentos de libertação nacional”, frisou.
O secretário geral da Comissão do Manifesto Jurídico Sociologico do Protectorado da Lunda, considerou que “o assunto que despoletou na Lunda é sério e exigiria do Presidente uma atenção muito especial, nós os Lunda Tchokwes temos dito que quando o fogo pega é preciso apagar, porque a chama pode alastrar se demorarmos”.
Por outro lado, afirmou que o Presidente José Eduardo dos Santos, não teve visão periférica ao minimizar a situação que se criou na Lunda e, “perdeu uma grande oportunidade por não ter abordado este assunto neste seu discurso a Nação. Não é preciso violência para reconhecer que há problemas sérios e que se devem encontrar soluções para a resolução. Ontem eramos 20, mas hoje já somos milhares e amanhã será tarde demais. Tudo faremos para que esta primeira encarnação da Lunda Tchokwe tenha êxito. A nossa terra está a ser pilhada, o seu meio ambiente destruido, as suas riquezas estão a ser roubadas e pela mesma razão 47 filhos Lundas, raptados na via pública continuam detidos nas cadeias do regime. Muatxihina Chamumbala Bonifácio foi morto e enterrado na vala comum sem justificação.
A história ensina-nos que nenhuma classe oprimida chegou ou pode chegar ao poder sem passar por uma ditadura. Estamos a provar esta ditadura.
O Presidente José Eduardo dos Santos não falou com a verdade a sociedade Angolana, ao ignorar ou subestimar o problema da LUNDA. Para terminar, recordemos FIDEL CASTRO – ““A História me absolverá”, quando no dia 10 de Outubro de 1953 era julgado em Havana – dizia ainda ele – “ Se houver nos vossos corações um vestígio de amor pelo vosso país, amor pela humanidade, amor pela justiça”, “sei que serei silenciado por muitos anos; sei que o regime tentará suprimir a verdade por todos os meios possíveis”, “mas a minha voz não será calada” – “sairá do meu peito mesmo quando me sentir mais sozinho”.

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