Sobre o caso do desaparecimento de qualquer coisa como 158 milhões de dólares dos cofres do Estado, mais precisamente dos cofres do Banco Nacional de Angola (BNA), anunciado à população em finais de 2009, o espantoso acontecimento foi passado ao crivo, pelo qual só passaram os peixinhos de aquário. Tubarões, trutas e restante peixe grosso, ficou a salvo da queda num mar de dúvidas. Mais uma vez ficaram os angolanos à espera de explicações e essas vieram em forma de revelação jubilosa de que os prevaricadores eram todos, sem excepção, “Zés-ninguém”. As responsabilidades dos dirigentes e altos funcionários do banco foram implicitamente transferidas para os tais “Zés” e o que mais prevaleceu foi a ideia de que a Procuradoria Geral da República não tinha concluído que depois dessa pesquisa entre os “Zés” já nem valia a pena andar à procura de trutas e tubarões. E assim foi.
Willian Tonet & Arlindo Santana
O tempo passou, e nem pensar em incomodar os verdadeiros responsáveis desse incrível desvio de fundos. “Tout le monde il est beau, tout le monde il est gentil”, tudo gente de bem tudo gente «fiche» entre peixes graúdos.
Nisto de irmos esquecendo os verdadeiros fundamentos deste gravíssimo caso, transformado em “fait divers” pelos astutos mandarins que têm a mania de que nos governam há quase 35 anos, o F8 teve acesso ao documento que explica tudo tintim por tintim.
É verdade, mais uma vez terá que ser o Folhinha a esgaravatar na imundice dos bastidores do poder para revelar a verdade aos angolanos. Comecemos pelo princípio.
A origem do fabuloso projecto
Em finais de Agosto ou princípios de Setembro de 2007, diz a investigação da Procuradoria Geral da República, após audição dos ora arguidos, que um indivíduo que dá pelo nome de José Kiala, apresentou a um amigo seu, sub-inspector da Polícia Nacional, Domingos Serafim, alguns dos seus camaradas mais chegados, a saber, Tito Rangel, também conhecido por Man Toy, 54 anos, militar na reserva, Lourenço Luís Manuel dos Santos, 47 anos, reservista do então Ministério de Segurança do Estado, Pinto da Costa Cambamba, estafeta do Gabinete do ministro das Finanças (hoje em parte incerta), Francisco Gomes Mangumbala, 44 anos, arquivista do Departamento de Gestão e Reservas (DGR) do BNA, e um cidadão apenas conhecido por Júlio (desaparecido), aos quais se juntou mais tarde um Raúl Francisco, hoje também desaparecido, a completar o considerado leque de assaltantes “soft” ao BNA.
Estas apresentações, segundo a PGR, nada tinham a ver com simpatias recíprocas nem com projectos de futura amizade, tinham sim como objectivo preparar um golpe de mestre contra a mais prestigiosa instituição bancária de Angola, o Banco Nacional (BNA).
Sem grandes delongas procedeu-se à distribuição de tarefas: Cambamba passou a ter como missão subtrair do Ministério das Finanças os papéis timbrados virgens (ofícios), sinopses e protocolo, bem como fotocópias de ofícios já autorizados; Francisco Gomes Mangumbala seria o responsável pela introdução dos processos falsos no Gabinete do Governador do BNA, como se documentos verdadeiros fossem; José Kiala e Júlio foram indicados para todos os trabalhos de falsificação de ofícios, sinopses e protocolo; a Domingos Serafim, Tito Rangel, Lourenço dos Santos e Raúl Francisco foi atribuída a missão de descobrir as coordenadas bancárias exactas das contas de empresas sediadas no estrangeiro, isso diz a investigação da PGR, enquanto os arguidos dizem haver alteração da reprodução das suas declarações. Adiante.
Primeiro “golpe” falhado
O primeiro “golpe” foi iniciado praticamente na mesma altura, portanto, em finais de Agosto ou princípio de Setembro. E a ser verdade o teor do documento, as instituições do poder têm as suas portas escancaradas a toda sorte, logo não é de admirar que muitos burladores e prófugos estrangeiros, encontrem porto seguro, nas praias angolanas.
Por ser convicção da PGR, que tudo começou muito bem. Pinto Cambamba é acusado de ter subtraido sem dificuldade algumas folhas timbradas virgens, protocolos e sinopses, bem como algumas fotocópias, entre as quais a do ofício nº1027/MINFIN-CUT/2007, de 20 de Setembro, assinado pelo então vice-ministro das Finanças, Severim de Morais, para scanear a assinatura daquela entidade e poder apô-la nos ofícios falsos a serem levados mais tarde ao BNA.
Entretanto, Raúl Francisco, hoje desaparecido na natureza, tinha conseguido angariar e fornecer as coordenadas duma conta bancária do Banco Popular de Espanha, cujo titular era um amigo seu, José Joaquim Bispo. Agora, na lógica da PGR, só faltava entrarem em cena os mágicos, Kiala e Júlio, que conseguiram elaborar um novo ofício, numa imitação perfeita do original e com o mesmo número, nº1027/MINFIN-CUT/2007, dataram-no de 26 de Setembro a ordenar a transferência, pasme-se, de USD 8.984.643,12 (OITO MILHÕES, NOVECENTOS E LOITENTA E QUATRO MIL, SEISCENTOS E QUARENTA E TRÊS DÓLARES), para a conta nº 0694970600044274 BIC, sediada em Espanha, de José Joaquim Bispo.
Digitalizado o ofício, foram imprimidos em folhas próprias a sinopse e o protocolo e em seguida o Kiala, garante a PGR «apôs no termo do ofício, pelo seu próprio punho, o nome do então ministro da Finanças, José Pedro de Morais Júnior, como se da assinatura deste se tratasse, e no termo da sinopse apôs, pelo seu próprio punho, o nome do então director Nacional do Tesouro, Armando Manuel, como se da assinatura deste se tratasse».
É o que está escrito no documento em análise, e pergunta-se de que serviu o documento assinado pelo então vice-ministro das Finanças, Severim de Morais. Talvez tivesse havido um problema no scaneamento que não soubemos detectar.
Tinha chegado a hora de entrar em cena Francisco Gomes Mangumbala. À vontade, o arquivista do DGR, tal como nos filmes americanos, soube introduzir o falso despacho e documentos “ad hoc” no Gabinete do Governador do BNA, misturando-os simplesmente com os outros, os verdadeiros. O Dr. Alberto Fernandes, então governador em exercício do BNA em ausência do titular, Dr. Amadeu Maurício, sem o rigor de um gestor do banco central de um país, que se quer sério, assinou sem pestanejar o documento, este regressou em linha recta para o DGR, foi recebido pela Drª Marta Barroso Chiquito Paixão e Silva, que o enviou sem pensar para a operadora, Ana Maria Marcolino. Esta, nem pensou e deu ordem para obedecer ao despacho e os oito milhões lá foram para a pátria de Cervantes (Espanha).
Com uma instituição bancária desgarrada na sua organização funcional, não vale a pena perguntar os labirintos, por onde se esvaie o dinheiro de todos os angolanos.
Ademais com a liberalização da operação deixa-se de falar em ilegalidades, pois na cadeia final ela foi legalizada, por quem tinha a responsabilidade de verificar e analisar todos os procedimentos anteriores e, incompreensivelmente, não o fez.
Retornando ao cenário anterior, o beneficiário, José Bispo, transbordante de energia para receber tanto kumbú sem fazer a ponta dum chavelho, não recebeu nem um cêntimo, porque o Banco Espanhol recusou a transferência por ela vir em nome duma pessoa singular e não no de uma entidade colectiva, tal como manda a lei.
Resultado: depois de umas voltas por esses bancos fora, coisas de bancos, o dinheiro acabou por ser restituído ao BNA – Banco Nacional de Angola-. Os fazedores de felicidade ecológica, em notas verdes, não receberam nada.
Foi uma grande decepção, garante a Procuradoria, tanto que traria a desilução a Lourenço dos Santos, contabilista e da velha guarda da Segurança do Estado, e Tito Rangel, militar reformado, que se teriam deslocado várias vezes ao BNA para pedir justificativos ao Francisco Mangumbala. Este explicou a estúpida ignorância dessa treta de pessoa colectiva e os outros acataram. Sim, mas pouco tempo depois toda esta banda desfez-se. Kiala, Raúl Francisco, Júlio, Pinto Cambamba, entre outros, giraram e foram ver algures se havia menos ameaças.
Mas bicho mau, conhece os cantos da casa e sabe das manhas de muitos descaminhos financeiros praticados pela nomenclatura, logo não era fácil eliminar a “engenharia”, tanto que estes insistiram na repetição da empreitada. De facto, nada indiciava que, à parte a exigência de a transferência ter que ser enviada a uma entidade colectiva, houvesse mais motivos de encalhe, barreiras intransponíveis a impedir o sucesso desta iniciativa. E tinham razão, embora tal sucesso, depois da jogada fracassada, fosse absolutamente mais que improvável num país, digamos, normal.
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