O primeiro discurso da história de Angola a dar conta aos cidadãos das principais actividades, activos e passivos de um Governo instituído, dito discurso do Estado da Nação, ou da CEN (Campanha Eleitoral Nacional), foi proferido pelo Presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, no dia 15 de Outubro de 2010, numa sessão plenária da Assembleia Nacional referente à abertura do ano legislativo de 2010/2011. O inédito desta aparição apenas demonstrou, para quem ainda tinha dúvidas, não haver em Angola três poderes que se respeitam, mas apenas um, Real, o de Presidente da República. O resto é paisagem, e a Majestade foi ver a romaria no “in circle” legislativo de todos os governantes e convidados, como se tratasse do nascimento de uma nova República.
William Tonet & Arlindo Santana
Depois de uma introdução feita em redor dos temas considerados centrais, por serem tidos como os mais importantes para o país, José Eduardo dos Santos fez algumas abordagens subnominais, um termo “bárbaro”que merece um esclarecimento e cujo significado vamos aqui adiante tentar definir.
Esta palavra foi introduzida na linguagem dos media europeus em 1981, por ocasião da campanha eleitoral para a Presidência da República de França, designando a fotografia que apareceu numa sequência de imagens que passavam no ecrã antes do Telejornal da televisão estatal francesa, imagens aparentemente ligadas a actividades lúdicas, desportivas e culturais, mas onde se podia ver a fugitiva aparição duma fotografia mostrando o rosto sorridente do então candidato François Mitterrand, que concorria pela segunda vez à Presidência da República.
Escândalo!
E dos grandes, para uma tão pequena imagem que mal se via, menos de um segundo à vista dos franceses, mas que foi o suficiente para se denunciar então a falta de ética e o vacilante espírito democrático do clã Mitterrand e do seu essencial suporte, o Partido Socialista Francês, tendo sido referidos por essa altura estudos de especialistas científicos, demonstrando que esse tipo de imagens podia influenciar alguns eleitores mais hesitantes no momento do acto eleitoral.
Na introdução a este artigo escrevemos que José Eduardo dos Santos fez algumas “considerações ditas subnominais e vamos já ver por que razão o fizemos.
No discurso, que passou abundantemente nos nossos três canais de TV, e os extractos serão repetidamente passados à antena durante largas semanas, isso é certo, não havia nenhuma imagem subnominal, não, o que havia dessa índole encontra-se logo a seguir à introdução do seu discurso, precisamente à entrada do tema central, o Estado da Nação.
Eis alguns extractos reveladores de um senso “subnominal” que o PR quis pôr em jogo para reforçar a defesa da sua excelente governação:
1.- «Em 2002, as destruições haviam atingido milhares de escolas, centros hospitalares e postos médicos, a circulação rodoviária estava seriamente afectada em todo o país com minagem de estradas e caminhos. Mais de 70 por cento da rede de estradas do país se encontrava em avançado estado de degradação e mais de dois terços das quatro mil pontes e pontões existentes estavam parcial ou totalmente destruídas».
2.- «Nesse ano estavam também totalmente destruídas ou tinham sofrido sabotagens graves as estações de tratamento e captação de água de Luanda, Malanje, Uíge, Huambo, Bié, entre outras, e, no domínio da energia, tinham sido destruídas, pilhadas ou sofrido sabotagens várias barragens, subestações e linhas de transporte e distribuição de energia eléctrica nas províncias de Luanda, Bengo, Benguela, Huambo, Huíla, Uíge, Bié, Kwanza-Sul e Kwanza–Norte, etc.».
3.- «Grande parte das cidades e vilas, incluindo as sedes de províncias, ainda guardava marcas do cerco e dos bombardeamentos a que foram sujeitas, com edifícios e infra-estruturas essenciais totalmente destruídas ou inoperantes».
A referência, ou melhor, a maneira como foram referenciadas as destruições causadas pela guerra civil de 1975/2002, denuncia claramente uma preocupação em sacudir as responsabilidades que pesam sobre os guerreadores, Governo/MPLA e UNITA, para o exclusivo campo desta última.
Neste figurino, o Presidente da República e o MPLA são apresentados como salvadores da Pátria. Eis onde se descortina a imagem subnominal (escrita), propalada pelo discurso de José Eduardo dos Santos.
Posto isto, que de democrático apenas tem a sua inegável presença mais ou menos camuflada em praticamente todas as pretensas democracias do mundo, JES falou, falou e o pouco suco que há a extrair do seu discurso resume-se a um apanhado de considerações tecidas em torno de factos e realizações, vistos pela lupa artificialmente iluminada do partido de que ele também é o presidente e assentes em dados estatísticos, números, cuja origem ainda não foi revelada.
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